TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

875 acórdão n.º 709/19 13. No n.º 2 do seu artigo 1.º, a Lei n.º 39/2003 habilitou o Governo a regular um processo de execução universal, tendo como finalidade a tomada das decisões de recuperação da empresa ou, não sendo esse o caso, a liquidação do património do devedor insolvente, seguida da repartição do produto obtido pelos respetivos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência. Ora, na autorização concedida ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal” com tal finalidade não pode deixar de ir implicada a faculdade de dispor sobre todas as matérias necessárias à defi- nição da totalidade dos créditos do insolvente, incluindo os termos e pressupostos da respetiva exigibilidade. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 557/18: «[…] a autorização ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal”, em que se possa apurar a totalidade dos créditos, envolve necessariamente a adoção de regras atinentes ao constrangimento de todos os credores à reclamação dos seus direitos em tal processo (artigo 90.º do CIRE), que se pretende ficarem estabilizados até ao respetivo encerramento. Isso justifica, aliás, os efeitos processuais sobre outras ações (artigos 88.º e 89.º do CIRE), designadamente a suspensão dos processos de execução fiscal que corram contra o insolvente (artigo 88.º do CIRE e artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário; cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário , 6.ª Edição, Almedina, 2018, p. 402). A regra da suspensão da prescrição é, assim, assumida como garantia de operacionalidade do processo de insolvência – para cuja disciplina estava o Governo autorizado –, remetendo todos os credores para o único e universal processo falimentar, quer essas dívidas sejam exigidas ao devedor originário, quer aos demais responsáveis tributários». Pode, assim, afirmar-se com segurança que tanto o vencimento imediato de todas as dívidas do insol- vente em consequência da declaração de insolvência, como a suspensão do respetivo prazo prescricional, como ainda a sustação de quaisquer outras ações executivas e o impedimento à propositura de novas ações contra o sujeito declarado insolvente, constituem os mais relevantes aspetos do regime no CIRE em que se consubstancia o carácter universal da ação falimentar. Apresentando-se como uma condição essencial ao desenvolvimento do próprio processo insolvência, o regime que resulta da convergência de tais elementos encontra a sua razão de ser na natureza unitária do processo falimentar, mais concretamente no facto de nele obrigatoriamente se concentrarem as operações de apuramento dos créditos do insolvente, tendo em vista a tomada das decisões respeitantes à recuperação da empresa ou à liquidação do seu património, bem como, neste último caso, à definição do modo de repartição do respetivo produto pelos credores (cfr. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, cit. , p. 288; Maria do Rosário Epifânio,  cit., p. 174; Alexandre Soveral Martins, cit. , pp. 162 e 170). A solução constante do artigo 100.º do CIRE só pode ser racionalmente compreendida à luz da teleo- logia própria do processo de insolvência: considerado o carácter universal deste último, tal solução «visa um “congelamento da massa”, gerando uma “paralisação que a ordem jurídica impõe às vicissitudes jurídicas em curso”(vide Oliveira Ascensão, “Insolvência: efeitos sobre os negócios em curso”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, 2005, p. 284)». Pode, por isso, concluir-se, tal como o fez o Acórdão n.º 362/15, que a disciplina do artigo 100.º do CIRE visa, não direta e imediatamente os créditos tributários, mas «a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo caráter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hierarquia dos respetivos créditos». E que, «[n]essa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador», sendo «inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência», e não «intro- duzindo, por isso, qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E, bem assim, que «a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua

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