TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

876 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL eventual exclusão redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público». 14. Tratando-se de um efeito produzido no âmbito do processo de insolvência, tanto necessário como instrumental da possibilidade de obterem aí o pagamento devido todos os credores do insolvente, na propor- ção e de acordo com a graduação que lhes corresponda, a suspensão prescricional das dívidas – de todas as dívidas – do devedor insolvente por efeito da declaração da insolvência liga-se, assim, à natureza de processo de execução universal que, através da Lei n.º 39/2003, o Governo foi autorizado a disciplinar. O que através dela se pretende impedir é «que os credores possam ver extintos créditos que estão legal- mente impedidos de exigir de outro modo» - isto é, fora do processo de insolvência -, sem criar com isso qual- quer tipo de prejuízo ao próprio contribuinte devedor, «que não pode ser surpreendido pela impossibilidade de opor prazos de prescrição ou de caducidade aos mesmos credores» (Acórdão n.º 362/15). Assim compreendida a suspensão prescricional das dívidas do insolvente, estabelecida no artigo 100.º do CIRE, não há como não concluir que a mesma se encontra compreendida no âmbito material da auto- rização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, que, no n.º 2 do seu artigo 1.º, habilitou o Governo a conformar, em toda a sua extensão, a posição jurídica do devedor insolvente, através da definição da totalidade dos créditos da sua responsabilidade, incluindo, portanto, os de natureza tributária. O que há é apenas que sublinhar uma vez mais a ideia de que, tratando-se de dívida tributária do próprio insolvente, a natureza originária ou subsidiária da respetiva responsabilidade não assume, ao contrário do que sucedeu na hipótese apreciada no Acórdão n.º 557/18, qualquer relevância. Do ponto de vista do conteúdo e limites da autorização contida na Lei n.º 39/2003, determinante é sim o facto de se tratar aqui de dívida tributária cobrada ao próprio devedor insolvente, e não, como se verificou, a um outro responsável tributário, estranho ao processo de insolvência que desencadeou a causa de suspensão do prazo prescricional. Assim, a norma extraída do artigo 100.º do CIRE, segundo a qual a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente, não enferma de inconstitucio- nalidade orgânica, uma vez que a sua edição foi previamente autorizada por lei parlamentar. O recurso deverá, pois, ser julgado procedente. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente; e, em consequência, b) Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público. Sem custas, por não serem devidas. Lisboa, 4 de dezembro de 2019. – Joana Fernandes Costa – Lino Rodrigues Ribeiro – Gonçalo Almeida Ribeiro – Maria José Rangel de Mesquita – João Pedro Caupers. Anotação: Os Acórdãos n. os  362/15 e 557/18 estão publicados em Acórdãos, 93.º e 103.º Vols., respetivamente.

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