TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

878 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL factos novos; não há contradição nenhuma entre estas decisões, desde que se reconheça uma margem de apreciação ou liberdade de conformação do legislador na ponderação de deveres constitucionais de sentido eventualmente contrário; por um lado, o dever de proteção de bens jurídicos dignos e carentes de tutela penal, como refração do dever geral de tutela dos direitos, liberdades e garantias e das demais tarefas fundamentais que a ordem constitucional confia ao poder público, que são os radicais axio- lógicos dos princípios da legalidade e da verdade material no processo penal; por outro lado, o dever de respeito pelas garantias do arguido no processo criminal, o instrumento através do qual se realiza o interesse coletivo na efetivação da tutela penal, entre as quais se contam a presunção de inocência, a estrutura acusatória do processo, o direito ao contraditório e – com especial relevo para a questão colocada nos presentes autos – o direito a uma decisão célere. IV - Em ambos os arestos se entendeu que o regime não era desproporcionado, sem prejuízo de os dois regimes consubstanciarem escolhas diversas quanto ao peso relativo dos bens ou deveres em con- fronto; seria intolerável um regime que admitisse a consideração, para efeito de condenação, de factos que constituem uma alteração substancial dos descritos na acusação ou na pronúncia – tal constituiria uma subversão completa da estrutura acusatória do processo; seria igualmente intole- rável um regime que proibisse a consideração de factos que constituem uma alteração não subs- tancial, mesmo que ao arguido tivesse sido dada a possibilidade de exercer o contraditório, ou que não permitisse a abertura de inquérito quanto a factos novos autonomizáveis do objeto do processo pendente; no domínio demarcado por estes limites, compete ao legislador escolher entre um regime que atribui maior peso ao interesse coletivo em punir a prática de crimes sem deixar de respeitar a estrutura acusatória do processo – a «solução antiga» − e um regime que atribui maior peso ao inte- resse do arguido na paz jurídica que só o desenlace do processo criminal pode assegurar – a «solução nova». V - A finalidade precípua do regime vigente parece ser a de conceder uma tutela reforçada ao «direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», tendo em conta sobretudo o interesse do arguido em que a fase de julgamento proporcione «paz jurídica» quanto aos factos pelos quais vem acusado ou pronunciado; do ponto de vista desta noção qualitativa ou existencial de cele- ridade – por oposição a uma noção estritamente quantitativa ou cronológica −, a incerteza provocada pela absolvição da instância é bastante mais penosa do que a associada à possibilidade de reabertura de inquérito após o arquivamento do processo; o novo regime atribui um peso decisivo a este interesse do arguido, reforçando a «orientação para a defesa» do processo criminal, em detrimento do interesse coletivo na efetivação da tutela penal. VI - Embora não se verifique identidade entre a situação dos autos e aquela que foi apreciada no Acórdão n.º 226/08, é de acompanhar o juízo daquele Acórdão, no sentido de que a solução legal passa no crivo da proporcionalidade; na situação tratada nesse aresto, os factos novos apurados eram susce- tíveis de preencher uma circunstância qualificante do mesmo tipo incriminador; na situação dos presentes autos, a consideração dos factos novos permitiria considerar que o arguido agiu com dolo e não apenas com negligência, o que implicaria a imputação de um facto típico diverso – homicídio e não homicídio por negligência; porém, a norma em apreciação é exatamente a mesma em ambos os casos, sendo certo que não só abstrai das concretas infrações típicas a que se aplica, como pres- creve tratamento idêntico aos casos de imputação ao arguido de um crime diverso ou de agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, por via da definição legal de alteração substancial de factos.

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