TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

880 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, em que são recorrentes o Ministério Público e A., foi interposto o presente recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitu- cional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele tribunal, de 8 de março de 2019. 2. Findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, a quem imputou a prá- tica, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de homicídio por negligência grosseira e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, todos em concurso efetivo e como reincidente. Durante a audiência de julgamento, o Tribunal comunicou ao arguido a possibilidade de virem a ser dados como provados factos que implicariam uma alteração substancial da matéria de facto vertida na acusação pública, notificando-o e ao Ministério Público para que declarassem se consentiam na continuação do julga- mento pelos factos novos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 359.º, n. os 3 e 4, do Código de Pro- cesso Penal (CPP). O Ministério Público deu o seu acordo, ao passo que o arguido, aqui recorrido, não o deu. Concluído o julgamento, veio a ser proferido o acórdão ora recorrido, tendo o tribunal de 1.ª instância recusado a aplicação da norma do artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, no segmento em que impede a extinção da instância, com a consequente impossibilidade de que os factos novos que não podem ser autonomizados do objeto do processo sejam considerados num novo procedimento criminal, invocando para tal efeito a ofensa ao princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º), mormente ao seu dever constitucional de tutela de direitos, liberdades e garantias [artigo 9.º, alínea b) ], ao princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2), ao direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º) e ao princípio do primado e independência dos tribunais na aplicação da justiça penal [artigos 202.º e 203.º da Constituição (CRP)]. Em consequência de tal recusa de aplicação, o tibunal não conheceu do mérito da acusação pública, na parte que dizia respeito ao crime de homicídio negligente, absolvendo da instância o arguido com funda- mento em impossibilidade legal superveniente quanto a esta imputação, determinando a separação de pro- cessos quanto a tal matéria e remessa dos autos ao Ministério Público para que seja aberto inquérito quanto aos factos novos apurados. O arguido foi condenado pelas demais imputações numa pena única conjunta de três anos e quatro meses de prisão. Com interesse para os autos, pode ler-se no acórdão recorrido: «O tribunal entendeu, pois, em sede de decisão de facto que o arguido, tendo previsto que a sua conduta poderia causar a morte ou lesões graves de terceiros não se coibiu de levar a cabo a mesma, conformando-se com a possibilidade de verificação de tal resultado (morte ou lesões graves). Tal decisão de facto implicaria, em sede de decisão de direito ou final, a condenação do arguido como autor, com dolo eventual, de um crime de homicídio doloso p. e p. no supracitado art.º 131 e sustentar-se-ia em facto que não constava da acusação O art.º 1 alínea f ) do C. P. Penal define como «Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis; Estamos, assim nos autos, perante uma situação de “alteração substancial de factos”. Sobre a epígrafe, “da alteração substancial de factos”, o art.º 359 do C. Penal, na redação vigente e que lhe foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, estabelece o seguinte:

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