TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

881 acórdão n.º 711/19 “1 – Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância. 2 – A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objeto do processo. 3 – Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal. 4 – Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.” A redação anterior de tal preceito era a que adiante se transcreve: 1 – Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos. 2 – Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompe- tência do tribunal. 3 – Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a dez dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário. Nos nossos autos o arguido após a comunicação a que alude o n.º 3 da norma em apreço manifestou a sua oposição ao prosseguimento dos autos/julgamento pelos novos factos. Os factos novos apurados não são claramente autonomizáveis em relação ao objeto dos autos no que concerne à acusação pelo crime de homicídio negligente. Os novos factos, porquanto consubstanciam alteração substancial não podem ser tidos em conta para o efeito de condenação nestes autos nem podem, de acordo com a norma vigente, determinar a extinção da instância com posterior comunicação ao Mº. Pº. para que instaure novo inquérito. Do exposto resulta que, ao contrário do que era prática judicial comum e jurisprudência maioritária, o tribunal não pode agora abster-se de conhecer do mérito da acusação, absolver o arguido da instância e remeter certidão dos autos ao Mº. Pº. para que instaure novo inquérito. Tal solução implica que este tribunal, para dar cumprimento ao artigo em causa, se veja na contingência para efeitos de apreciação da conduta do arguido pelos factos (sua ação) que estiveram na origem da morte de Luís Silva de condenar aquele como autor de um crime de homicídio negligente [grosseira ou não, na hipótese de se entender que só é grosseira a negligência consciente e face ao facto não provado em d) ] e não por homicídio doloso. A diferença entre ambas as soluções é, como é claro, descomunal e não só ao nível da sanção (moldura penal). Tal solução afigura-se-nos manifestamente desadequada e injusta. Não por não permitir a condenação do arguido nestes autos pelo crime que (conforme se apurou) efetivamente cometeu. Os respetivos direitos de defesa consagrados quer na legislação penal e processual penal quer constitu- cionalmente obrigam a tal o que não se discute, mas por, também, não permitir a (re)abertura de inquérito para o Mº. Pº. pronunciar sobre os novos factos com o seguimento dos ulteriores termos processuais com (se for o caso) dedução de nova acusação, instrução e novo julgamento (necessariamente por um tribunal com composição diversa deste – outros juízes). Tal solução/proibição implica que este tribunal tenha que decidir com uma realidade que não apurou e por isso distorce a verdade material. Impedir o tribunal de firmar a verdade dos factos e/ou obrigar o mesmo a decidir com factos que sabe não corresponderem à verdade àquela é distanciar demais o direito da realidade e consequentemente da justiça material. A solução normativa consagrada ignora e obstaculiza a possibilidade de se lograr obter uma tutela jurídica real e efetiva dos direitos das vítimas, a qual no nosso caso inclusive perdeu a vida em consequência da ação que se aprecia

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