TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

884 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Artigo 203.º (Independência) Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Artigo 204.º (Apreciação da inconstitucionalidade) Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. Artigo 205.º (Decisões dos tribunais) 1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.” Os tribunais podem e devem controlar oficiosamente a constitucionalidade das normas aplicáveis ao caso con- creto e não devem aplicar as normas que julguem inconstitucionais. A solução extrema a que obriga a norma a vimos a aludir, de desconsideração para sempre dos factos novos apu- rados afigura-se-nos inconstitucional por ofensa do princípio do Estado de direito democrático, enquanto garante da efetivação de direitos, liberdades e garantias [artigos 2.º e 9.º b) da CRP], do princípio da proporcionalidade (artigo 18º nº.2), do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º) e do princípio do primado e independência dos tribunais na aplicação da justiça (art. os 202 e 203). Nesse sentido remete-se para a Douta fundamentação expendida pelo Sr. Juiz do Tribunal de Beja que declarou esta mesma inconstitucionalidade (citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 253/10 no âmbito do qual se decidiu não tomar conhecimento da questão suscitada) e com a qual concordamos integralmente: “Uma vez que os novos factos apurados se referem, no essencial, à intenção do arguido, não são autono- mizáveis em relação ao objeto do processo. Pelo que, em face do disposto no nº. 1 do referido artigo 359º, os autos deveriam prosseguir, sem que ao Tribunal fosse possível ter em consideração os novos factos para efeitos de condenação. Entendo porém que tal norma ofende o princípio do Estado de direito democrático, enquanto garante da efetivação de direitos, liberdades e garantias [artigos 2.º e 9.º b) da CRP], o princípio da proporcio- nalidade (artigo 18.º n.º 2) e o direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º), pelas razões que passo a expor: A função do direito penal é a tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal, entendendo-se bem jurídico como «a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso» – Figueiredo Dias, in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, pág.43. É no sistema social como um todo que reside a fonte legitimadora e produtora da ordem legal dos bens Jurídicos. E a concretização dos bens Jurídicos dignos de tutela penal só pode ser alcançada através da orde- nação axiológica jurídico-constitucional. Ou seja, um bem jurídico político-criminalmente tutelável só existe quando se encontre refletido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido, o que legitima o direito de punir estatui como forma de preservação das condições fundamentais da mais livre realização possível da personalidade de cada homem na comunidade [artigos 2.º e 9.º b) da CRP]. Assim se justifica a intervenção do Estado na restrição de direitos, liberdades e garantias na estrita medida do necessário à salvaguarda de

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