TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

887 acórdão n.º 711/19 à prolação da mesma) nunca poderá assim, ser modificada ou corrigida, nem em casos limites ou extremos de corrupção ou favorecimento. Veja-se, p. ex., o caso de uma acusação de homicídio onde se omite propositadamente que a vítima era filha do arguido e tal circunstância (suscetível de qualificar o homicídio) só se apura em julgamento. O segmente da norma em apreço confere maior relevo/definitividade a uma decisão não judicial do que aquele que o próprio processo penal confere às decisões judiciais. Assim sendo ofende-se o primado dos tribunais na aplicação da justiça. Pelos fundamentos expostos considera-se inconstitucional o art.º 359 n.º 1 do Código de Processo Penal, resul- tante da redação introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de agosto, no segmento em que impede a extinção da instân- cia e consequentemente que os novos factos não autonomizáveis sejam tidos em consideração em novo processo, por ofensa do princípio do Estado de direito democrático, enquanto garante da efetivação de direitos, liberdades e garantias [artigos 2.º e 9.º b) da Constituição da República Portuguesa], do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2), do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º) e do princípio do primado e independência dos tribunais na aplicação da justiça penal (art. os 202/203), o que a final de declarará. Consequentemente entende-se não conhecer da acusação relativa ao crime de homicídio negligente por impos- sibilidade legal superveniente e determinar a separação dos autos quanto aos factos relativos ao falecimento de Luís Aristeu Carvalho da Silva com extração de certidão integral dos mesmos e devolução destes ao Ministério Público para que proceda a de novo a inquérito levando em consideração os novos factos apurados. O arguido deverá, pois a final, ser condenado como autor material com dolo direto e em concurso real de um crime de condução sem habilitação legal e de condução perigosa em relação a veículo automóvel.» 3. OMinistério Público interpôs recurso de constitucionalidade, fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Nas alegações produzidas, assume a seguinte posição: «Quanto à questão de constitucionalidade invocada pelo tribunal coletivo, a propósito do artigo 359.º, n.º 1 do Código de Processo Penal – e muito embora se continue a entender não estarmos, nos presentes autos, perante uma alteração substancial de factos constantes da acusação, mas sim da respetiva qualificação jurídica – julga-se de remeter para o Acórdão 226/08 deste Tribunal Constitucional, de 21 de abril (Relator: Conselheiro Vítor Gomes), onde designadamente se refere, assim se dando resposta a diversa argumentação expressa no acórdão recorrido nos presentes autos (destaques do signatário): “10. Como as referências contidas na transcrição do acórdão n.º 237/07 deixam entrever, o problema da alteração, em fase de julgamento, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia é um ponto de convergência e tensão entre os princípios do acusatório e do contraditório, por um lado, e os princípios da legalidade da ação penal, da verdade material e da celeridade processual, por outro. Mediante o novo regime, o legislador optou por conferir mais intensa realização ao princípio do acusató- rio, com possível sacrifício da verdade material e da legalidade. Factos que, se incluídos no objeto do processo, teriam como consequência a agravação da responsabilidade do arguido, mas que não constam da acusação ou da pronúncia, ficam definitivamente excluídos de perseguição penal, pelo menos quanto à sua relevância criminal específica de agravação abstrata dos limites da pena. Não pode, todavia, dizer-se que isso conduza à desproteção penal dos correspondentes bens jurídicos. Por definição, não se trata de factos suscetíveis, por si só, de fundamentar um incriminação autónoma em face do objeto do processo. Pelo contrário, estes factos que ficarão definitivamente impunes formam com os cons- tantes da acusação (ou da pronúncia, quando a houver) uma tal unidade de sentido que não permitiria a sua autonomização. Dito de outro modo, o que fica fora do âmbito de consideração na sentença e, por essa via, escapa definitivamente à sanção penal, são circunstâncias modificativas especiais que nunca teriam relevância suficiente para sustentar um processo à parte. O que só pode significar que o bem jurídico nuclear suscetível

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