TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

889 acórdão n.º 711/19 Ministério Público) ou, o que é particularmente grave, do mero acaso”. Pelo menos, essa será uma contingência inerente ao sistema processual penal que não se vê que normas ou princípios constitucionais viole. A circunstância de os factos novos não autonomizáveis surgirem para o processo apenas na fase de julga- mento tanto poderá resultar de opção ou de incúria do titular da ação penal ou dos órgãos de polícia criminal, como de vicissitudes da investigação que estes não tenham podido dominar (confissão do arguido, novas declarações de testemunhas ou do ofendido, meios de prova até então desconhecidos, etc.). O inexorável sacri- fício parcial do conhecimento da verdade material que daí decorre é consequência comportável – embora não necessária ou inevitável – da “orientação para a defesa” do processo penal e da posição diferenciada dos sujeitos processuais, designadamente a que decorre da estrutura acusatória do processo. Que o consequente deficit de realização do direito penal substantivo seja o resultado de opções ou contingências da atuação do Ministério Público (e dos órgãos de polícia criminal na fase em que o Ministério Público dirige o processo) é inerente ao modelo de processo penal e de separação funcional das magistraturas que decorre da Constituição. É certo que em audiência se revelarão factos, relevantes sob a perspetiva da prossecução das finalidades do processo penal da verdade material e da defesa dos interesses coletivos, cuja desconsideração definitiva poderá comportar desvio objetivo ao princípio da legalidade da promoção da ação penal. Mas só um repudiado modelo inquisitório, que deixasse até ao último momento em aberto o objeto do processo, seria eficaz para evitar totalmente esse risco. No processo de estrutura acusatória, as funções de acusador e de julgador haverão de ser exercidas por órgãos diferenciados e autónomos, e o julgador, nos quadros da dialética processual decorrente do próprio princípio do acusatório, sempre haverá de estar confinado ao solucionamento da questão penal tal como ela lhe é proposta pelo Ministério Público ou pela parte acusadora privada. A opção do legislador que está em análise, ainda que não fosse a única compatível com a Constituição (recorde-se o acórdão n.º 237/07), coaduna-se com a qualidade do Ministério Público como titular da ação penal, ao qual compete deduzir a pretensão punitiva do Estado e assumir a correspondente responsabilidade funcional pelos termos desse exercício (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição). Improcedem, pois, tendo em conta o objeto do recurso tal como foi delimitado, os fundamentos com base nos quais o despacho recorrido recusou a aplicação da norma em causa, pelo que se conclui pela não inconsti- tucionalidade da norma do artigo 359.º do Código e Processo Penal, na redação resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, resultante de factos novos que não sejam autonomizáveis em relação ao objeto do processo – opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos –, o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos.”» 4. Também o arguido recorreu ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Porém, não pro- duziu alegações. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 5. Nos presentes autos, o Ministério Público acusou o arguido da prática, em concurso real, de três crimes de tipo diverso: um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro; um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n. os 1 e 2, do Código Penal; e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b) , do Código Penal. O arguido foi submetido a julgamento por essas infrações criminais, tendo-se colocado a questão da alteração substancial dos factos imputados na acusação pública exclusivamente a respeito do crime de homicídio por negligência.

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