TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

890 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O recurso de constitucionalidade tem por objeto o artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretado no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, que não sejam autonomizáveis, o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos. Com efeito, a absolvição da instância quanto ao crime de homicídio negligente tem por base a recusa de aplicação desta norma. 6. Na sua alegação, o Ministério Público manifesta o entendimento de que, no caso concreto, não teria ocorrido uma verdadeira alteração substancial dos factos, mas apenas uma alteração da qualificação jurídica, dada a nova imputação criminal – crime de homicídio doloso – assentar nos factos já constantes da acusação pública. Apesar de daí não retirar ilações processuais, a questão poderia levar a equacionar a possibilidade de o recurso não ser admitido, por não estar em causa uma efetiva recusa de aplicação da norma do artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal − o mesmo é dizer, por a mesma não integrar a ratio decidendi do acórdão recorrido. Porém, tal hipótese deve ser rejeitada. É verdade que, na decisão de 17 de dezembro de 2018, o tribunal a quo assinalou a ambiguidade, senão mesmo a incongruência, de se imputar ao arguido crime de homicídio sob a forma negligente quando o acervo factual vertido na acusação pública continha matéria relativa ao elemento cognitivo do dolo eventual, sendo embora omissa, pelo menos de forma expressa, quanto aos factos relativos ao elemento volitivo, que quando muito se poderiam inferir dos demais. Ora, precisamente por considerar que tal ambiguidade era incompatível com a certeza exigida nas decisões judiciais, mormente as de natureza penal, o tribunal a quo não considerou como constantes do despacho de acusação factos nele meramente implícitos, qualificando o seu aditamento como uma alteração substancial. Tal juízo não pode ser sindicado pela jurisdição constitucional. Limitamo-nos a constatar a evidência de que a recusa de aplicação da norma que constitui o objeto do recurso de constitucionalidade tem precisa- mente nesse juízo insindicável o seu pressuposto essencial, visto que é por ter qualificado os factos relativos ao elemento volitivo do dolo eventual como uma alteração substancial – definida na alínea f ) do n.º 1 do Código de Processo Penal como «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis» − que o Tribunal recorrido se viu confrontado com a aplicabilidade da norma do artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o que por seu turno conduziu – com os fundamentos constitucionais relatados – a que recusasse a sua aplicação. Não restam dúvidas, pois, de que a recusa de aplicar essa norma integra a ratio decidendi do acórdão recorrido. 7. O artigo 359.º do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, tem o seguinte teor: Artigo 359.º Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia 1 – Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.  2 – A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objeto do processo.  3 – Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.  4 – Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.

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