TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

892 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que a mesma não implicava «violação do princípio do acusatório nem desrespeito do direito a um processo equitativo». Lê-se no aresto: «(…) Não questionando o recorrente a constitucionalidade da possibilidade de o tribunal estender o seu poder de cognição a factos que resultem da prova produzida em audiência, mesmo que não constantes da acusação nem da defesa, da solução perfilhada pelas instâncias, determinando a abertura de inquérito pelos factos novos a cargo pelo Ministério Público, que, a final, deduzirá, ou não, acusação, resultará integral respeito pelo princípio do acu- satório, com diferenciação das entidades acusadora e julgadora. Por outro lado, tal solução assegura integral respeito pelos direitos de defesa e não afetará, de modo intolerável, o direito a decisão em prazo razoável, não se vislumbrando razões para crer que o novo julgamento pela totalidade dos factos (que as instâncias consideraram ser o mais adequado em termos de asseguramento da justiça material, que é o objetivo último do processo criminal) seja necessariamente muito mais moroso que um novo julgamento apenas incidindo sobre os “factos novos”.» A alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, veio contrariar a orientação jurispruden- cial que considerava, nos casos em que os factos novos constituem uma alteração substancial dos descritos na acusação, dever ser determinada a extinção da instância. A lei passou a proibir essa solução, de modo que o tribunal fica vinculado a apreciar o mérito − obviamente sem consideração, ressalvados os casos de acordo nos termos do n.º 3 do artigo 359.º, dos factos novos. Esta solução – precisamente aquela cuja aplicação foi recusada na decisão ora recorrida − também foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 226/08, que a julgou não inconstitucional. O essencial da fundamentação é o seguinte: «10. Como as referências contidas na transcrição do acórdão n.º 237/07 deixam entrever, o problema da altera- ção, em fase de julgamento, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia é um ponto de convergência e tensão entre os princípios do acusatório e do contraditório, por um lado, e os princípios da legalidade da ação penal, da verdade material e da celeridade processual, por outro. Mediante o novo regime, o legislador optou por conferir mais intensa realização ao princípio do acusatório, com possível sacrifício da verdade material e da legalidade. Fac- tos que, se incluídos no objeto do processo, teriam como consequência a agravação da responsabilidade do arguido, mas que não constam da acusação ou da pronúncia, ficam definitivamente excluídos de perseguição penal, pelo menos quanto à sua relevância criminal específica de agravação abstrata dos limites da pena. Não pode, todavia, dizer-se que isso conduza à desproteção penal dos correspondentes bens jurídicos. Por definição, não se trata de factos suscetíveis, por si só, de fundamentar uma incriminação autónoma em face do objeto do processo. Pelo contrário, estes factos que ficarão definitivamente impunes formam com os constantes da acusação (ou da pronúncia, quando a houver) uma tal unidade de sentido que não permitiria a sua autonomização. Dito de outro modo, o que fica fora do âmbito de consideração na sentença e, por essa via, escapa definitivamente à sanção penal, são circunstâncias modificativas especiais que nunca teriam relevância suficiente para sustentar um processo à parte. O que só pode significar que o bem jurídico nuclear suscetível de justificar a incriminação encontra ainda o mínimo de proteção penal, sendo apenas escamoteados alguns concretos fatores de intensificação dessa proteção. Ora, no Estado de direito democrático, a busca da verdade material e a realização do programa punitivo cons- tante das normas incriminadoras só pode ter lugar com respeito pelas regras e princípios do processo penal. Mesmo que se entenda, como no acórdão n.º 237/07 se entendeu, que ainda seria compatível com as exigências constitu- cionais decorrentes do princípio do acusatório e da proibição do princípio  ne bis in idem  uma solução normativa que, perante o impasse decorrente da oposição do arguido à extensão do objeto do processo aos factos novos não autonomizáveis, permitisse a extinção da instância e o retomar do processo, de modo a possibilitar a submissão do arguido a julgamento pela totalidade da conduta penalmente relevante, sempre caberá na discricionariedade

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