TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

894 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL polícia criminal na fase em que o Ministério Público dirige o processo) é inerente ao modelo de processo penal e de separação funcional das magistraturas que decorre da Constituição. É certo que em audiência se revelarão factos, relevantes sob a perspetiva da prossecução das finalidades do processo penal da verdade material e da defesa dos interesses coletivos, cuja desconsideração definitiva poderá comportar desvio objetivo ao princípio da legalidade da promoção da ação penal. Mas só um repudiado modelo inquisitório, que deixasse até ao último momento em aberto o objeto do processo, seria eficaz para evitar totalmente esse risco. No processo de estrutura acusatória, as funções de acusador e de julgador haverão de ser exercidas por órgãos diferenciados e autónomos, e o julgador, nos quadros da dialética processual decorrente do próprio princípio do acusatório, sempre haverá de estar confinado ao solucionamento da questão penal tal como ela lhe é proposta pelo Ministério Público ou pela parte acusadora privada. A opção do legislador que está em análise, ainda que não fosse a única compatível com a Constituição (recorde-se o acórdão n.º 237/07), coaduna-se com a qualidade do Ministério Público como titular da ação penal, ao qual compete deduzir a pretensão punitiva do Estado e assumir a correspondente responsabilidade funcional pelos termos desse exercício (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição). Improcedem, pois, tendo em conta o objeto do recurso tal como foi delimitado, os fundamentos com base nos quais o despacho recorrido recusou a aplicação da norma em causa, pelo que se conclui pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º do Código e Processo Penal, na redação resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, resultante de factos novos que não sejam autonomizáveis em relação ao objeto do processo – opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos –, o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos.» 8. Como se afirma no Acórdão n.º 226/08, a questão nele apreciada é de «sentido inverso» à apreciada no Acórdão n.º 237/07: aqui esteve em causa a solução, decorrente de uma certa interpretação da lei antiga, que determinava a extinção da instância nos casos de alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia; ali esteve em causa a solução, imposta pela lei nova, de proibir a extinção da instância nesses casos, ficando o tribunal vinculado a decidir quanto ao mérito, sem consideração dos factos novos. Não há contradição nenhuma entre estas decisões, desde que se reconheça uma margem de apreciação ou liberdade de conformação do legislador na ponderação de deveres constitucionais de sentido eventual- mente contrário. Por um lado, o dever de proteção de bens jurídicos dignos e carentes de tutela penal, como refração do dever geral de tutela dos direitos, liberdades e garantias e das demais tarefas fundamentais que a ordem constitucional confia ao poder público (artigo 9.º); são estes os radicais axiológicos dos princípios da legalidade e da verdade material no processo penal. Por outro lado, o dever de respeito pelas garantias do arguido no processo criminal, o instrumento através do qual se realiza o interesse coletivo na efetivação da tutela penal, entre as quais se contam a presunção de inocência, a estrutura acusatória do processo, o direito ao contraditório e – com especial relevo para a questão colocada nos presentes autos – o direito a uma decisão célere (artigo 32.º). É evidente que a concordância prática entre estes valores implica a procura de um ponto de equilíbrio, cabendo ao legislador a margem de apreciação que decorre do princípio democrático e de uma compreensão funcionalmente adequada do princípio da separação de poderes. Os limites constitucionais inferior e supe- rior dessa margem são os que decorrem da proibição do défice de proteção de bens confiados a tutela estatal e da proibição do excesso de restrição de direitos de defesa contra as agressões do poder público – por outras palavras, do princípio da proporcionalidade na sua mais ampla aceção. Ora, em ambos os arestos se entendeu que o regime não era desproporcionado, sem prejuízo de os dois regimes consubstanciarem escolhas diversas quanto ao peso relativo dos bens ou deveres em confronto. Seria intolerável um regime que admitisse a consideração, para efeito de condenação, de factos que constituem uma alteração substancial dos descritos na acusação ou na pronúncia – tal constituiria uma subversão com- pleta da estrutura acusatória do processo. Seria igualmente intolerável um regime que proibisse a conside- ração de factos que constituem uma alteração não substancial, mesmo que ao arguido tivesse sido dada a

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