TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

895 acórdão n.º 711/19 possibilidade de exercer o contraditório, ou que não permitisse a abertura de inquérito quanto a factos novos autonomizáveis do objeto do processo pendente. No domínio demarcado por estes limites, compete ao legislador escolher entre um regime que atribui maior peso ao interesse coletivo em punir a prática de crimes sem deixar de respeitar a estrutura acusatória do processo – a «solução antiga» − e um regime que atribui maior peso ao interesse do arguido na paz jurídica que só o desenlace do processo criminal pode assegurar – a «solução nova». Quanto ao regime vigente, importa notar que a preocupação do legislador não terá sido exatamente a de «conferir uma mais intensa realização ao princípio do acusatório» (Acórdão n.º 430/19). Isto por duas razões. Por um lado, o «regime antigo» não punha em causa ou debilitava de algum modo a estrutura acusatória do processo, visto que proibia a consideração dos factos novos e determinava a extinção da instância, com a consequente devolução da iniciativa processual ao titular da ação penal. Por outro lado, o «regime novo» não implica nenhuma restrição do poder judicial de investigação da verdade material que nos direitos romano- -germânicos mitiga ou suaviza o modelo acusatório puro; pelo contrário, tal poder é uma condição normal da própria possibilidade de surgirem factos novos no julgamento. A finalidade precípua do novo regime parece ser a de conceder uma tutela reforçada ao «direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa» (artigo 32.º, n.º 2, in fine ), tendo em conta sobretudo o interesse do arguido em que a fase de julgamento proporcione «paz jurídica» (Acórdão n.º 173/18) quanto aos factos pelos quais vem acusado ou pronunciado. Do ponto de vista desta noção qua- litativa ou existencial de celeridade – por oposição a uma noção estritamente quantitativa ou cronológica −, a incerteza provocada pela absolvição da instância é bastante mais penosa do que a associada à possibilidade de reabertura de inquérito após o arquivamento do processo. O novo regime atribui um peso decisivo a este interesse do arguido, reforçando a «orientação para a defesa» do processo criminal, em detrimento do inte- resse coletivo na efetivação da tutela penal. Com esta pequena ressalva quanto aos termos axiológicos do problema, é de acompanhar o juízo do Acórdão n.º 226/08, no sentido de que a solução legal passa no crivo da proporcionalidade. 9. É certo que não se verifica identidade entre a situação dos autos e aquela que foi apreciada no Acór- dão n.º 226/08. Na situação tratada nesse aresto, a alteração substancial de factos implicava a imputação ao arguido de um crime de furto qualificado, ao invés de um crime de furto simples pelo qual vinha acusado; os factos novos apurados eram, assim, suscetíveis de preencher uma circunstância qualificante do mesmo tipo incriminador. Na situação dos presentes autos, a consideração dos factos novos permitiria considerar que o arguido agiu com dolo e não apenas com negligência, o que implicaria a imputação de um facto típico diverso – homicídio (artigo 131.º do Código Penal) e não homicídio por negligência (artigo 137.º). Porém, note-se que a norma em apreciação é exatamente a mesma em ambos os casos, sendo certo que não só abstrai das concretas infrações típicas a que se aplica, como prescreve tratamento idêntico aos casos de imputação ao arguido de um crime diverso ou de agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, por via da definição legal de alteração substancial de factos constante do artigo 1.º, alínea f ) , do Código de Processo Penal. Ainda assim, vale a pena averiguar se o juízo de não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, alcançado no Acórdão n.º 226/08, merece alguma restri- ção consoante a modalidade de alteração substancial de factos que esteja em causa, se a imputação de crime diverso ao arguido, se a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Pode pensar-se que, nos casos em que a alteração substancial de factos implica a imputação ao arguido de um crime diverso, a solução legal imposta pela norma sindicada tem por efeito a omissão de tutela do bem jurídico salvaguardado pelo crime novo, ao invés do que sucede quando a alteração substancial de factos implica apenas a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, caso em que o bem jurídico encontra ainda a medida de tutela correspondente à moldura penal associada ao tipo incriminador de base. Não é necessariamente assim.

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