TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

897 acórdão n.º 711/19 absolvição da instância, seguida de devolução dos autos ao Ministério Público para realização de novo inqué- rito, não vincula o titular da ação penal a deduzir nova acusação. Aliás, pode bem dar-se o caso de, realizado novo inquérito, o Ministério Público vir a deduzir nova acusação pelos factos primitivos – quando as provas produzidas em julgamento não se reproduzam no novo inquérito –, o que não deixaria de levantar problemas delicados de ne bis in idem . Pode até mesmo suceder, na hipótese extrema de perecimento subsequente do material probatório, que os autos venham a ser arquivados. Extrai-se destas considerações que não é líquido que, em todas as situações, ao regime anterior correspondesse um nível substancialmente mais elevado de proteção dos bens jurídicos tutelados pela incriminação correspondente aos factos novos. 10. Pode ainda colocar-se a questão de saber se a solução legal não viola o dever de respeito pela igual dignidade social dos cidadãos submetidos ao poder punitivo do Estado, uma refração do princípio constitu- cional da igualdade (artigo 13.º). Com efeito, ao impedir a punição pelos factos novos nas circunstâncias que integram a sua previsão, a norma sindicada dispensa tratamento penal diferente aos arguidos que se veem confrontados com uma alte- ração substancial dos factos não autonomizáveis relativamente aos demais arguidos, quer aqueles que se não veem confrontados com uma alteração dos factos, quer aqueles que se veem confrontados com uma alteração não substancial dos factos ou com uma alteração substancial de factos autonomizáveis. Porém, é ostensivo que a diferença de tratamento nem é discriminatória – baseando-se em circunstân- cias objetivas que não têm relação alguma com as classificações suspeitas a que se refere o n.º 2 do artigo 13.º −, nem é arbitrária – visto que a sua razão de ser prende-se com a ponderação específica reclamada pelas situações em que surgem factos novos que implicam uma alteração substancial e que não podem ser autono- mizados do objeto do processo. Assim, a norma sindicada não ofende o princípio da igualdade. 11. Por fim, argumenta-se na decisão recorrida que a norma em apreciação atribui a uma decisão não judicial – a acusação ou equivalente – a definitividade que o próprio regime processual penal nega às decisões judiciais, dado que a delimitação do objeto do processo operada pelas primeiras é praticamente definitiva nos casos de alteração substancial de factos que não sejam autonomizáveis, ao passo que as sentenças transitadas em julgado proferidas em processo penal podem ser revistas em determinados casos previstos na lei. Trata-se de um argumento sem ressonância constitucional evidente. Em todo o caso, podem opor-se-lhe três objeções decisivas. Em primeiro lugar, os casos em que lei admite a revisão de sentença que têm alguma espécie de afinidade com a problemática da alteração substancial dos factos – os contemplados nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal – são de revisão exclusivamente pro reo , pelo que refletem preci- samente a «orientação para a defesa» no processo penal que inspirou a solução consagrada no artigo 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Em segundo lugar, o efeito estabilizador do objeto do processo operado pelas decisões acusatórias está longe de ser absoluto; veja-se que, sem prejuízo do exercício do necessário contraditório, o tribunal de jul- gamento dispõe de ampla liberdade de qualificação jurídica dos factos e mesmo da sua alteração não subs- tancial. Por último, os efeitos jurídicos da acusação e da sentença são radicalmente diversos. Ao passo que a acusação (ou a pronúncia) não define situações jurídicas fora do processo, limitando-se a definir o objeto do julgamento, as sentenças, uma vez transitadas em julgado, definem a responsabilidade criminal do arguido. A hipótese mais ou menos remota de revisão da sentença penal encontra a sua razão de ser nesta sua força jurídica extraprocessual. O recurso improcede.

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