TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

903 acórdão n.º 736/19 fundamentais, como o direito ao recurso, sem respeitar a reserva de lei, redundando assim em norma materialmente inconstitucional. […] III. O princípio da presunção de inocência J. Ao considerar irrecorríveis, com base no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, despachos que apreciem e decidam questões prévias suscitadas na fase de instrução em processo penal, em momento anterior ao despacho instrutório, e portanto num momento cm que ainda não existe decisão instrutória (desconhecendo- -se, por conseguinte, se a mesma, a final, será de pronúncia ou de não pronúncia), o acórdão recorrido acolhe dimensão normativa que viola também o princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. K. Com efeito, a dimensão normativa do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, tal como interpretada e aplicada pelo acórdão recorrido, presume prospectivamente que a decisão instrutória que vier a ser proferida será de pronúncia, e totalmente conforme com a acusação do MP, pois é esse o pressuposto factual-processual de que depende a aplicação do regime legal aí vertido. L.  A dimensão normativa em causa subverte, desse modo, a lógica intrínseca do processo penal – que impõe uma regra de injunção de tratamento transversal a todo o processo, no sentido de o arguido se presumir inocente até ao trânsito em julgado de decisão condenatória, a qual é sempre apenas hipotética –, impondo antes uma presunção de responsabilização criminal do arguido, ao assumir, designadamente para efeitos de definição do regime recursório, que a final será proferida decisão de pronúncia. […] IV. As garantias de defesa do arguido e o direito ao recurso […] P. Interpretar-se e aplicar-se a norma constante do artigo 310.º, n.º 1, do CPP no sentido de limitar o direito ao recurso de que é titular o arguido, para além dos casos aí expressamente previstos, contende com aquele direito fundamental ao recurso. Q.  A esta luz, a dimensão normativa do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, tal como interpretada e aplicada pelo acórdão recorrido, ao vedar a possibilidade de sindicância judicial superior de despacho anterior à prola- ção de decisão instrutória viola os princípios dos direitos de defesa e de direito ao recurso de que é titular o arguido, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n. os 1 e 2, da Constituição, redundando também por esta razão em inconstitucionalidade material.» O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais refere, entre o mais, o seguinte (cf. fls. 273-298): «III. Da interposição do recurso de constitucionalidade 13.º [...V]eio o arguido, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC, interpor o presente recurso de constitucio- nalidade, em 4 de janeiro de 2019 (cf. fls. 224-22 dos autos), suscitando a seguinte questão de constitucionalidade: “A norma resultante do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, interpretada a aplicada no sentido de não ser admis- sível o recurso de despachos que decidem sobre questões prévias anteriores ao (e não constantes do) despacho instrutório.”. “A norma em causa, portanto, excecionando o princípio geral firmado no artigo 399.º do CPP, fixa, apenas para certas decisões de pronúncia, um regime de irrecorribilidade – que foi exatamente o regime que o Acórdão recorrido considerou aplicável (e concretamente aplicou) a decisões prévias à decisão instrutória, quando não há (e pode nunca haver) despacho final de pronúncia.”.

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