TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

910 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL  Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 5. Tendo em atenção a posição assumida pelo Ministério Público nas contra-alegações, bem como a questão suscitada no despacho proferido pelo relator após a apresentação de alegações, importa, antes de mais, apreciar se se mostram verificados dois dos pressupostos essenciais ao conhecimento do mérito do recurso: a legitimidade do recorrente e a utilidade do recurso. § 1.º – Quanto à legitimidade do recorrente 6. O Ministério Público sustentou que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do presente recurso não é idêntica à constante do requerimento de reclamação para a conferên- cia, apresentado pelo o arguido junto do tribunal a quo, na medida em que a expressão “(e não constantes do)” foi acrescentada no requerimento de interposição de recurso. Conclui, por isso, que aquele tribunal não pôde pronunciar-se sobre a dimensão normativa objeto do presente recurso, razão pela qual o mesmo, em bom rigor, não deverá ser objeto de apreciação, atento o disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) , e 72.º, n.º 2, da LTC. Na sua resposta, o recorrente sustenta, em síntese, que tal não é exato, uma vez que o aditamento lin- guístico em causa – o segmento “(e não constantes do)” no enunciado da norma objeto do presente recurso: a norma extraída do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) segundo a qual não é admissível o recurso de despachos que decidem sobre questões prévias anteriores ao (e não constantes do) despacho instrutório – se limita a concretizar ou densificar a questão de constitucionalidade tempestivamente suscitada perante o tribunal a quo e por este apreciada. 7. Conforme tem entendido reiteradamente o Tribunal Constitucional, a suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade implica o cumprimento do ónus de a colocar ao tribunal a quo, enun- ciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma, que criem para o mesmo tribunal um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta, consubstanciando o mesmo cumprimento, desde logo, um requisito de legitimidade do recorrente. In casu , contrariamente ao sustentado pelo Ministério Público, é de entender que tal ónus foi cumprido pelo recorrente. Na reclamação para a conferência no tribunal a quo, deduzida pelo ora recorrente da decisão singular do desembargador-relator que rejeitou o recurso interposto do despacho proferido em 1.ª instância, foi sus- citada a seguinte questão de constitucionalidade: «o artigo 310.º, n.º 1, do CPP, se interpretado no sentido de não ser admissível o recurso de despachos que decidem sobre questões prévias anteriores ao despacho instrutório, é, nessa dimensão normativa, materialmente inconstitucional, por violar os direitos de defesa e de recurso do arguido e o princípio da presunção de inocência, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n. os 1 e 2, da CRP» (cf. ponto 42. do referido requerimento – fls. 174). A falta de coincidência literal, decorrente do aditamento do aludido excerto, não afasta a identidade substancial entre a questão suscitada perante o tribunal a quo e aquela que o recorrente indicou como objeto do presente recurso. Na verdade, a expressão que, nos termos expostos, veio a ser acrescentada ao enunciado da questão de cons- titucionalidade apenas clarifica o sentido da dimensão normativa sindicada, sendo certo que tal sentido já era claramente extraível da argumentação expendida pelo recorrente e do enunciado por este formulado aquando da suscitação da questão de constitucionalidade. Ou seja, tal expressão visa apenas tonar inequívoco que está em causa a norma do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de despa- chos, proferidos em momento anterior ao despacho instrutório, que decidem sobre questões prévias anteriores

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