TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

911 acórdão n.º 736/19 a esse despacho (e que, como tal, não integram o despacho instrutório). O problema de constitucionalidade colocado ao tribunal a quo foi justamente esse: o de, na perspetiva do recorrente, ser inconstitucional a irrecor- ribilidade de despachos proferidos emmomento anterior à decisão instrutória e que também apreciem questões prévias (cf. ponto II. do requerimento de reclamação para a conferência – fls. 168 a 174). Conclui-se, por isso, que, não obstante a referida alteração literal, existe coincidência entre a questão suscitada perante o tribunal a quo e a questão enunciada como objeto do presente recurso, mostrando-se assim cumprido o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade e assegurada a legitimidade do recor- rente, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC. § 2.º – Quanto à utilidade do recurso 8. Coloca-se ainda, no entanto, conforme referido, o problema de saber se, in casu , se encontra verifi- cado um outro pressuposto necessário ao conhecimento do recurso, que se prende com a sua utilidade. Com efeito, o recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recor- rida, pelo que a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, «é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil» (cfr. Miguel Tei- xeira de Sousa, “Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 947 e segs., p. 958). Assim, prossegue o mesmo Autor (vide ibidem , pp. 958-959), «[O] recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercu- tir no julgamento daquela decisão (cfr. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99). Expressando a mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de cons- titucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91, […]; TC 167/92).». Por isso, o objeto do recurso de constitucionalidade deve coincidir com a ratio decidendi da decisão recorrida. A utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando, desig- nadamente, o critério normativo sindicado não coincide com o que foi aplicado pelo tribunal a quo. Em consonância, o Tribunal Constitucional tem os seus poderes de cognição em fiscalização concreta da cons- titucionalidade limitados à norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação (cfr. o artigo 79.º-C da LTC). 9. Tal como enunciado no requerimento de interposição de recurso, bem como, subsequentemente, nas alegações apresentadas, o recorrente vem questionar a constitucionalidade da norma extraída do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal segundo a qual não é admissível o recurso de despachos que decidem sobre questões prévias anteriores ao (e não constantes do) despacho instrutório. Estão em causa despachos proferidos pelo juiz de instrução criminal já depois de aberta a fase de ins- trução, mas em momento anterior à decisão instrutória, que versam sobre questões prévias suscitadas nessa mesma fase processual, sendo que o problema subjacente à questão de constitucionalidade colocada se prende, fundamentalmente, com o caráter excecional daquela norma do artigo 310.º, n.º 1, face ao princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais em processo penal. De acordo com o afirmado pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, aquele artigo, «excecionando o princípio geral afirmado no artigo 399.º do CPP, fixa, apenas para certas decisões de

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