TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

917 acórdão n.º 754/19 (…) Em suma, a douta decisão de 09/03/2018, do TCA-Sul sufraga jurisprudência do Tribunal de Conflitos que não é aplicável a casos de execução de coimas não impugnadas; e, por outro lado, a interpretação que efetuou do artigo 4-1 -l) , do ETAF, na redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, viola princípios da Constituição da República Portuguesa [CRP]; – tal como acontece com a interpretação efetuada pelo Tribunal de Conflitos para determinar a data relevante para fixar a competência, que igualmente viola tais princípios. Ora, apesar de acatarmos, dentro do processo, por norma, as decisões do tribunal superior, como pertence, e da parcimónia e respeito com que podemos discordar, mesmo acatando, entendemos que, neste caso, não podemos aplicar o citado artigo 4-1 -l) , do ETAF com o sentido interpretativo que o TCA-Sul lhe emprestou no presente processo (…). [O] Processo Penal não é um processo de partes, o processo contraordenacional também não é um processo de partes, ao contrário do processo administrativo, e, assim, o Ministério Público, o Juiz e o Arguido não são partes no processo penal ou contraordenacional, mas sim sujeitos processuais. (…) O artigo 32, da CRP, sob a epígrafe «(garantias de processo criminal)», estabelece, no que agora importa, que: «1. processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. (...) 9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. 10. Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de ausência e defesa.». O princípio do juiz natural, ou juiz legal consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, «proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição de competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime», como anotam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constitui- ção da República Portuguesa Anotada , 3.ª Ed revista, Coimbra Ed, 1993, pg 205, ou, no caso das contraordenações, por remissão subsidiária dos artigos 32 e 41, ambos do RGCO, à data da contraordenação. (…) Subjacente ao princípio do juiz natural está a existência, na esfera do cidadão/arguido, de um direito a ver o seu caso apreciado e julgado por aquele tribunal/juiz que resulta de forma isenta e segura da lei, e não outro qualquer, cuja designação não resulte da lei. Dito de outro modo, o princípio do juiz natural ou legal existe e tem garantia constitucional em nome e para salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, eventualmente arguidos em matéria criminal, e, por aplicação remissiva, também em matéria contraordenacional, e até noutros processos de tipo sancionatório. Não se trata, pois, de qualquer mera arrumação de matérias por juízes e por analogia, ou de qualquer ideia de gestão de serviços internos, com vista à mera gestão de pendências ou de estatísticas ou de preponderância de um tribunal/juiz em relação a outro, mas sim de um direito dos cidadãos, no caso, do direito do arguido a ver a sua questão apreciada e decidida por um determinado tribunal/juiz, o qual, de forma objetiva e isenta, lhe foi garan- tido pela lei, proibindo, assim, a possibilidade de, à margem de lei expressa, o seu caso poder ser “desaforado” e atribuído, discricionariamente, a outro qualquer tribunal/juiz. Ora, salvo o devido respeito, a decisão do TCA-Sul, de 09/03/2018, aqui em presença, que secunda o enten- dimento do MP recorrente e do Tribunal de Conflitos, efetuou uma interpretação do artigo 4-1 -l) , do ETAF, na redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, que viola o princípio do juiz natural ou legal, expresso no artigo 32-9, da CRP. Dito de outro modo, o artigo 4-1 -l) , do ETAF, na redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10, na interpretação efetuada e imposta no presente processo pela decisão do TCA-Sul, de 09/03/2018, bem como tam- bém efetuada pelo Tribunal de Conflitos de cujos acórdãos se socorreu, viola o princípio do juiz natural ou legal, consagrado artigo 32-9, da Constituição da República Portuguesa.

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