TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11.2.2. Sucede que a atividade da entidade pública que pretende o acesso aos dados de tráfego da inter- net que não respeitam a comunicações intersubjetivas – o SIRP – e a finalidade a que os mesmos se destinam situa-se no domínio da prevenção: «informações necessárias à prevenção de atos de espionagem e do ter- rorismo». A produção de informações necessárias à preservação da segurança interna e externa, bem como à independência e interesses nacionais e à unidade e integridade do Estado, em princípio, está dissociada da prevenção e investigação criminais em sentido estrito, não podendo os serviços de informação praticar quaisquer atos da competência dos órgãos de polícia criminal ou das autoridades judiciárias ou lesivos dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 30/84, de 5 de setembro, alterada por último pela Lei n.º 4/2014, de 13 de agosto; vide também supra o ponto 11.1.2. e o ponto 19 do Acórdão n.º 403/15). No contexto da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, a natureza preventiva da atividade de recolha e tratamento de dados de tráfego surge reforçada, já que, se no âmbito da mesma se indiciar a prática de crimes de espionagem e terrorismo, estes têm que ser imediatamente comunicados ao Ministério Público (artigo 13.º). O acesso a essa categoria de dados – que integram o conceito de dados pessoais – também permite prognosticar a ocorrência desse tipo de crimes ou identificar pessoas relativamente às quais existam indícios de que os cometeram ou de que se preparam para os cometer. Trata-se, pois, de uma atividade que possibilita obter “informações” através de atos que contendem com direitos, liberdades e garantias, e que se integra num conceito amplo de prevenção criminal, uma “fase prévia” à própria prevenção criminal a cargo da polícia, e que, por isso mesmo, comporta acrescidos riscos de erro de prognose, dada a incerteza de que se reveste o fenómeno do terrorismo. 11.2.3. A prevenção de crimes como função da polícia de segurança e da polícia judiciária tem respaldo constitucional no n.º 3 do artigo 272.º da Constituição, com os seguintes limites: «só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos». Como já foi referido no Acórdão n.º 403/15, a atividade do SIRP – serviço que faz parte das forças e serviços de segurança [alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto – Lei de Segurança Interna – LSI] –, também está abrangida por este preceito constitucional (cfr. o respetivo ponto 19). E dele resulta que «as medidas de prevenção de crimes serão apenas medidas de proteção de pessoas e bens, vigilância de indivíduos e locais suspeitos, mas não podem ser medidas de limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª ed. Vol. II, p. 861). Por regra, as leis infraconstitucionais que definem a atividade material da polícia de segurança pública, da polícia criminal ou dos órgãos de polícia criminal diferenciam as funções de prevenção das funções de investigação criminal através de um critério temporal: a aquisição da notícia da prática do crime é condição sine qua non para o início da investigação criminal. Desde logo, o artigo 1.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto – Lei de Organização da Investigação Criminal – começa por definir investigação criminal como «o conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a suas responsabilidade e descobrir e recolher provas, no âmbito do processo»; depois, as várias leis orgânicas das polícias, além de atribuírem competência para a prática de atos dentro de um processo penal, enquanto órgãos coadjuvantes das autoridades judiciárias, definem os poderes que lhes cabem no âmbito da prevenção criminal extra delictum ou post delictum (artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto – Lei Orgânica da Polícia Judiciária); por fim, tipificam-se as “medidas cautelares ou de polícia”, administrativas ou processuais penais, que as polícias podem tomar por iniciativa própria (artigos 28.º e 29.º da LSI e artigos 248.º a 253.º do Código de Processo Penal). Ora, como a generalidade das polícias com funções de investigação criminal, desenvolvida nas fases de inquérito ou de instrução de um processo penal, também detêm funções de prevenção quanto às infrações relativas às suas competências, por vezes, verificam-se dificuldades de caraterização e diferenciação entre estes dois domínios, tanto mais delicadas quanto é certo que as regras a observar consoante se atua no domínio
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