TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

920 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A propósito do mesmo preceito legal – e ainda que o Tribunal em tal processo tenha sido chamado a pronunciar-se sobre uma dimensão normativa distinta do mesmo – afirmou este Tribunal no Acórdão n.º 365/19, de 19 de junho de 2019 (retificado pelo Acórdão n.º 380/19, de 25 de junho), o seguinte: «(…) 12. Conforme notado pelo Ministério Público nas respetivas alegações, ao juízo de inconstitucionalidade for- mulado pelo Tribunal recorrido encontra-se subjacente um entendimento demasiado amplo, senão mesmo equi- vocado, do sentido do princípio do juiz natural ou legal e respetivo âmbito de proteção. O princípio do juiz natural ou legal encontra-se consagrado no âmbito das «garantias de processo criminal» contempladas no artigo 32.º da Constituição, através da previsão segundo a qual «[n]enhuma causa pode ser sub- traída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior» (n.º 9). Mais até do que uma emanação, ao nível processual, do princípio da legalidade em matéria penal – domínio no qual não deixa, ainda assim, de assumir uma relevância superlativa ou qualificada –, o princípio do juiz natural ou do juiz legal constitui um subprincípio concretizador do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º) no domínio da administração da justiça, inscrevendo-se assim, enquanto garante da independência e imparcialidade dos Tribunais (artigo 203.º), naquela categoria de princípios que conformam o modo de proceder dos poderes públicos, densificando a ideia da sua sujeição «a princípios e regras jurídicas» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Consti- tuição da República Portuguesa Anotada , Volume I, Coimbra, 2007, p. 205). É essa a razão pela qual, para efeitos de determinação do âmbito de proteção assegurado pelos artigos 32.º, n.º 9, e 203.º, da Constituição, por «juiz natural» ou «juiz legal» deverão entender-se, não apenas os tribunais ou os juízes criminais, mas «todos os juízes de todos os tribunais do Estado»; e, por regras de determinação do tribunal competente, todas aquelas que digam respeito quer «à determinação da jurisdição competente» (no caso presente, jurisdição comum ou administrativa), quer «à deter- minação do tribunal competente dentro [de certa] jurisdição» (determinação do tribunal competente em razão da matéria, hierarquia ou território), quer ainda «à determinação do juiz, ou juízes, [competentes] dentro da formação judiciária» que haja de intervir no julgamento da causa (tribunal singular ou coletivo) (cfr. Miguel Nogueira de Brito, “O princípio do juiz natural e a nova organização judiciária”, Julgar, Coimbra , n.º 20, 2013, Coimbra Editora, p. 31). Com este alcance, o princípio do juiz natural «esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da cria- ção ad hoc , ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto , de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal». Do que se trata, sobretudo, «é de impedir que motivações de ordem política ou aná- loga – aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar por raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado de direito» (Figueiredo Dias, “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do «juiz-natural»”, Revista de Legislação e Jurisprudên- cia , Coimbra, ano 111.º, n.º 3615, p. 83). É também esse o sentido em que o princípio do juiz natural, também designado por juiz “pré-determinado” ou “pré-constituído” por lei, vem sendo densificado na jurisprudência deste Tribunal. Logo no Acórdão n.º 393/89 – que considerou compatível com a garantia do juiz legal o método de deter- minação concreta da competência ainda hoje previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – fez-se notar que, de acordo com a sua função de garante «da independência dos tribunais perante o poder político», o que princípio do juiz natural proíbe «é a criação (ou a determinação) de uma competência « ad hoc » (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa», isto é, e «em suma, os tribunais ad hoc ». O mesmo entendimento foi subsequentemente reiterado no Acórdão n.º 212/91, aresto no qual se sublinhou uma vez mais a ideia de que o princípio do juiz natural ou do juiz legal, «tendo a ver com a independência dos tribunais perante o poder político», proíbe «“a criação (ou a determinação) de uma competência ad hoc (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa – em suma, os tribunais ad hoc )”». No desenvolvimento de tal premissa, o Acórdão n.º 614/03 levou o esforço de densificação da garantia do juiz natural um pouco mais além. Independentemente da possibilidade de discernir no princípio do juiz natural «um verdadeiro direito fun- damental subjetivo de dimensões objetivas de garantia», considerou-se, no referido aresto, que o conteúdo de tal

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=