TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

921 acórdão n.º 754/19 princípio compreende duas dimensões, uma positiva e outra negativa, ambas vinculando o legislador ordinário na sua tarefa de conformação ou concretização normativa, através da edição de «regras de determinação do juiz “natural” ou “legal”», do âmbito de proteção da mencionada garantia. À dimensão positiva corresponde o «dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas», por tribunal competente para este efeito se entendendo tanto «o órgão judiciário competente», como a «formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.)», como ainda «os concretos juízes que a compõem». Já a dimensão negativa, expressa na ideia perpetuatio jurisdictionis , consiste – de acordo ainda o mencionado aresto – «na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determi- nação ad hoc do tribunal» –, compreendendo quer «“proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto , especiais ou excecionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição)». (…) A reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, que passou pela revisão, entre outros diplomas, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, foi levada a cabo no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, diploma que, por sua vez, teve origem na Proposta de Lei n.º 331/XII. De acordo com a Exposição de Motivos que acompanhou tal Proposta, a reconfiguração da competência da jurisdição administrativa resultante da alteração introduzida no artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF foi presidida pela ideia de que o «quadro legislativo deve[ria] evoluir no sentido de atribuir aos tribunais administrativos a com­ petência para julgar os litígios que, pela sua natureza, têm por objeto verdadeiras relações jurídico-administrativas», em particular os litígios emergentes da «impugnação de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo». Fundada neste critério geral e abstrato – isto, é no critério segundo o qual, em virtude da natureza dos factos subjacentes à imputação de responsabilidade contraordenacional por violação de normas de direito urbanístico, a jurisdição administrativa se encontra mais habilitada do que a jurisdição comum para o julgamento dos recursos de impugnação das decisões administrativas sancionatórias –, a nova redação conferida alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF veio transferir essa competência para os tribunais administrativos, tendo-o feito com alcance simul- taneamente prospetivo e retrospetivo: segundo resulta da conjugação disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l) , do ETAF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, com o previsto no artigo 62.º, n.º 1, do RGCO, na interpretação cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, os tribunais administrativos passaram a ser competentes para a apreciação de todas as impugnações judiciais de todas decisões administrativas aplicativas de coima por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo cuja apresentação pelo Ministério Público em juízo haja ocorrido em momento posterior à entrada em vigor da norma atributiva de competência – isto é, de acordo com o artigo 15.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, a 01.09.2016 –, inde- pendentemente de o facto ilícito em discussão ter sido praticado antes ou depois daquela data. (…) Ora, ao atribuir competência à jurisdição administrativa para o julgamento de todos os recursos de impugna- ção de toda e qualquer decisão aplicativa de coima abrangida pelo disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF que sejam apresentados pelo Ministério Público ao juiz após um 01.09.2016, a norma sindicada abrange, à partida, não apenas um número indeterminado e indeterminável de sujeitos, como, relativamente a factos pretéri- tos, todos aqueles, mas somente aqueles, que forem identificáveis segundo um certa categoria: no caso, a autoria, lato sensu , de atos contraordenacionalmente relevantes no âmbito da violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. (…)

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