TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

926 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no perímetro do grupo tivesse registado prejuízos fiscais nos três exercícios fiscais anteriores, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já fosse detida pela sociedade dominante há mais de dois anos. B. Este regime permitia a ocorrência de situações com efeitos fiscais absolutamente desproporcionais, verdadeira- mente chocantes, na esfera dos contribuintes: bastava para isso um mero lapso dos contribuintes, sem qualquer potencial de beneficio significativo para os mesmos, sem que fosse possível identificar na sua conduta qualquer intuito evasivo ou de algum modo contrário ao espírito do regime, e sem que o regime incluísse a possibilidade de os contribuintes corrigirem lapsos quando caso os verificassem a posterior!. C. O caso subjacente aos autos é um exemplo perfeito das consequências desproporcionadas da aplicação das normas em questão: o RETGS do “Grupo B.” (um dos maiores grupos empresariais portugueses) foi descon- siderado pela AT, com um impacto financeiro direto superior a sete milhões de euros, por causa da inclusão no perímetro do grupo fiscal, em 2011, pela primeira vez e por mero lapso, de uma pequena sociedade que havia registado prejuízos nos três exercícios anteriores a “DIGISPIRIT” –, a qual representou nesse ano apenas 0,23% do volume de negócios total do Grupo, 0,86% da poupança fiscal gerada pela tributação em sede de RETGS e 0,01% do imposto liquidado adicionalmente após aquela desconsideração do regime em causa. D. Esta influência absolutamente residual da DIGISPIRIT no Grupo mostra que não era possível identificar qualquer interesse significativo de poupança fiscal na inclusão da sociedade em questão no RETGS, ao ponto de se poder falar em algum intuito evasivo, fraudatório ou abusivo. E. Assim, a alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º do Código do IRC, na redação com que foi aplicada no caso ver- tente – no nosso caso analisada por referência à então alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo –, violava o princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. F. Com efeito, conforme resulta dos autos, tratava-se de uma medida legislativa que não constituía um meio ade- quado a combater eficazmente os eventuais intuitos abusivos ou evasivos da utilização do RETGS, impondo efeitos restritivos excessivos, quando de resto aquele desiderato legislativo podia ser obtido por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias dos particulares. G. Para além disso, violava também o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, con- cretizado pelos subprincípios da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real, e concretamente analisado à luz do conceito de Igualdade proporcional construído pela jurisprudência recente do Tribunal Constitucional (isto porque o preceito em crise em contrário ao próprio espírito a razão de ser do RETGS – o qual foi consagrado como uma densificação daqueles mesmos princípios). H. Ora, foi precisamente em face dos efeitos gravosos a que facilmente conduzia, e da consequente inconstitucio- nalidade, que aquele regime foi alterado com a Lei da Reforma do IRC (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro): o conteúdo com o qual foi aplicado no caso vertente foi expurgado da ordem jurídica; e foi-o, note-se bem, sem que as normas revogadas tivessem sido substituídas por quaisquer outras com justificação na necessidade de prevenir abusos da aplicação do RETGS. I. Com isto o legislador reconheceu que o regime, tal como estava em vigor antes de 2014, era totalmente des- necessário e desadequado, porque nenhuma razão de defesa do sistema, da receita tributária e da prevenção de abusos justificava a manutenção de riscos potenciais tão consideráveis para os contribuintes. J. À luz do artigo 69.º hoje em vigor, a ocorrência de alguma das circunstâncias do n.º 4 do artigo 69º do Código do IRC só determina, para todas as sociedades do grupo, a cessação do RETGS, se tal circunstância ocorrer na sociedade dominante – e, de resto, o legislador deixou de ligar esse efeito de cessação ao facto de uma sociedade ter registado prejuízos fiscais nos três exercícios fiscais anteriores ao início da aplicação do regime. K. Portanto, os efeitos desproporcionais da aplicação da norma em causa, verificados no caso que aqui se traz, não seriam possíveis. L. A alteração legal produzida tem obviamente uma relevância central nos presentes autos, como apoio interpreta- tivo inultrapassável sobre a validade material da solução existente antes de 2014: se o legislador a quis expurgar da ordem jurídica, é porque ela era desnecessária; e, se ela era desnecessária, os efeitos fiscais negativos que produziria eram, inevitavelmente, desprovidos de validade material.»

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