TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

951 acórdão n.º 773/19 Essa não é a realidade que hoje enfrentamos, pois a pendência processual é enorme e o funcionário judicial tem muita dificuldade em gerir o seu tempo de molde a proceder às citações necessárias em todos os processos, ao que acresce a probabilidade do citando não se encontrar na sua residência durante o dia, porque está no seu local de trabalho, tornando quase sempre necessária a citação com hora certa, ou seja, a deslocação do funcionário judicial à residência do citando pela segunda vez, para depois se deslocar pela terceira vez, desta feita ao seu domicílio profissional, caso o autor o indique». 5.3. Do cotejo do teor de outros arestos em que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a matéria aqui em causa (designadamente, os Acórdãos n. os 287/03, 91/04, 243/05, 104/06, 582/06, 632/06, 182/06 e 376/10) resultam, a propósito do artigo 238.º do Código de Processo Civil – que, no essencial, introduziu no sistema processual civil, a título subsidiário, a regra da citação por via postal simples – dois dados importantes: a modalidade da citação por via postal simples não é, por si só, necessariamente e seja qual for o caso a que se aplique, incompatível com a Constituição; sê-lo-á, contudo, por violação do prin- cípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º, quando não oferecer, desde logo, as garantias mínimas de segurança e fiabilidade e tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento da citação. No que respeita ao primeiro dado, não oferece dúvida que o direito de defesa do réu, garantido pelo artigo 20.º da Constituição, seria totalmente assegurado com a citação por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, modalidade de citação que vigorou em exclusividade em relação às pessoas singulares até à reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996. Sendo a citação «o ato pelo qual se dá conhe- cimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender» (artigo 219.º, n.º 1, do CPC de 2013), não há maior garantia de defesa do que aquela que impõe como forma de realização da citação do réu a transmissão presencial pelo funcionário judicial dessa informação e dos elementos que a devem acompanhar. A certeza desse modo alcançada de que o réu tomou efetivo conhecimento da ação contra si proposta seria, pois, no plano constitucional, o ponto ótimo de realização do direito de defesa, direito que o Tribunal Constitucional sempre julgou integrado no âmbito de tutela do artigo 20.º da Constituição (Acórdãos n. os 287/03, 91/04, 20/10). Porém, como sucede com a esmagadora maioria dos direitos e valores constitucionalmente tutelados, o direito de defesa não é um direito imune às compressões impostas pela existência de outros direitos e valores igualmente merecedores de proteção constitucional, nem, por outro lado, assume um conteúdo estático, alheio aos reajustamentos normativos que a transformação das sociedades reclama em ordem à salvaguarda do núcleo essencial de direitos e valores que são especialmente atingidos em determinada etapa desse desenvolvimento. O aumento exponencial da litigiosidade levada aos tribunais é uma característica das sociedades atuais que, na ausência de recursos públicos ilimitados, não pode deixar de se repercutir negativamente no direito que assiste a todos os cidadãos a que a causa em que intervêm seja objeto de uma decisão em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4). Justifica-se, pois, que, em determinados casos, se sacrifique a solução jurídica ótima, ao nível das garantias de defesa do réu, para salvaguardar a capacidade de resposta de todo o sistema processual civil à totalidade das mais diversas ações que diariamente entram nos tribunais para tutela dos direitos nelas invocados. Por outro lado, não se pode ignorar que uma parte significativa dos litígios que são objeto do processo civil têm origem em negócios jurídicos donde emergem créditos de natureza patrimonial, domínio onde a ausência em tempo útil de uma resposta do sistema judiciário tem efeitos especialmente negativos no exercício e desenvolvimento da atividade económica, que também compete ao Estado garantir [artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea b) , 81.º, n.º 1, alíneas a) , d) e e) , e 86.º, n.º 1, da Constituição]. A ponderação dinâmica e concordante da diversidade de direitos e valores diretamente implicados nas opções tomadas no domínio do processo civil, em matéria de comunicação pelo tribunal dos atos proces- suais às partes, reclama, pois, soluções de compromisso, que, sem retirar seriedade ao ato de citação – que é reconhecidamente um ato de comunicação essencial ao exercício do direito de defesa do réu perante o

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