TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

957 acórdão n.º 773/19 no valor da inscrição da residência em bases de dados públicas, perspetivando duas hipóteses normativas distintas, às quais procurou responder com outras tantas soluções, tidas como funcionalmente equivalentes. A primeira via de solução, encara as situações em que a consulta das bases de dados resulta coincidentemente no apuramento da mesma morada (domicílio presumido), e determina o envio de nova missiva para esse local, agora por via postal simples, ficcionando o conhecimento com o respetivo depósito, estatuída no n.º 4 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 269/98. A segunda via de solução, constante do n.º 5 do preceito, resolve os casos em que a consulta dos registos não fornece resultado coincidente com a morada para a qual se ende- reçou a notificação frustrada, e prescreve o envio de aviso postal para toda e cada uma das moradas conheci- das (presumindo o sujeito como domiciliado em qualquer deles, em linha com o disposto no artigo 82.º do Código Civil, que distingue residência habitual de residência permanente, e acolhe a possibilidade de uma pessoa singular se ter por domiciliada em diversos lugares), procurando desse modo reduzir a pluralidade à unidade. Com a expedição de notificação para os vários domicílios presumidos, pretende-se assegurar que ao menos numa delas poderá a parte ter conhecimento do procedimento contra si instaurado. Desde logo, a necessidade de uma tal solução normativa é dificilmente compatível com a invocada segurança gerada pelas obrigações decorrentes do quadro normativo da identificação civil (o mesmo pode ser dito das outras bases de dados referidas no n.º 3, com destaque para a identificação fiscal), como avulta a insuficiência da inscrição apenas numa delas, o que deriva da ausência de interconexões ou cruzamento de dados, permitindo que a natural mobilidade dos cidadãos redunde, não infrequentemente, em registos contraditórios ou simplesmente desatualizados. E é seguramente tributária da perceção que uma boa parte dos cidadãos nacionais (ou estrangeiros residentes no país) abandona os seus locais de residência habitual por períodos alargados, sem cuidar de contratar serviços (onerosos) de redireccionamento postal, ou, sim- plesmente, sem poder contar com a ajuda de familiares ou amigos na recolha de correspondência, mormente em períodos estivais não abrangidos pelas denominadas férias judiciais (por exemplo, na primeira quinzena de julho e durante o mês de setembro, períodos habituais de férias de verão). A prática judiciária, nomeada- mente no âmbito da convocação postal de testemunhas ou outros intervenientes processuais, fornece dados empíricos de que assim sucede amiúde (desconhece-se estudo estatístico que aponte noutro sentido). 5. Para além disso, não creio que, sem garantias de atualidade do facto inscrito nas bases de dados de serviço públicos referidas no n.º 3, se possa, por recurso a um juízo de inferência devidamente suportado num critério de probabilidade lógica (e não de probabilidade quantitativa, que olhe apenas ao dado singu- lar), afirmar que a coincidência dos resultados aumenta ou reforça a fidedignidade da morada fornecida pela contraparte. E muito menos dizer, como parece afirmar a maioria, que a simples reiteração afasta inexora- velmente quaisquer dúvidas sobre o lugar de residência habitual do notificando à data do depósito da carta simples, excluindo toda a possibilidade de erro, mormente por súbita alteração das condições sociais, no quadro familiar ou profissional, ainda sem tradução registral. A conclusão não só tem como premissa um padrão de comportamento sem comprovação segura, como integra mais um momento de afastamento dos fundamentos em que assentou a declaração de inconstitucio- nalidade com força obrigatória geral emitida pelo Acórdão n.º 99/19, sem razão bastante. Como também aponta o Conselheiro-Presidente, «[a] orientação que fez vencimento não logra ainda resolver de forma satis- fatória os problemas associados ao momento da notificação. Note-se que o juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 99/19 também radicou, em parte, na circunstância de a notificação postal simples “não permitir saber a data exata em que a carta chegou ao conhecimento do destinatário”. Ao ponto de, mesmo a estarmos em face da residência real do destinatário, poder ocorrer que tal conhecimento se processe já após o decurso do prazo para oposição – 15 (nalguns casos 20) dias, por conseguinte sempre inferior ao prazo disponível para contestar numa ação declarativa comum». Recorde-se que o sentido normativo em exame, quer no presente processo, quer nas decisões que conduziram ao processo de generalização julgado pelo Acórdão n.º 99/19, incorpora expressamente a presunção de notificação e o início de contagem do prazo de oposição mesmo que esteja demonstrado que o notificando não residia no local em que foi depositada a carta postal

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