TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

962 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - À apreciação do Tribunal Constitucional não foram levadas particulares interpretações judiciais dessa norma, sendo suficiente observar que, em relação aos termos em que a caução pode ser prestada, o tribunal a quo admite que a “mesma venha a ser fixada em quantia inferior à condenação imposta pela autoridade administrativa”, enquanto o Acórdão recorrido – pela remissão que faz para o Acórdão n.º 674/16 – interpreta a norma no sentido da necessária correspondência entre o montante da caução e o montante da coima, “que não consente a devida ponderação circunstanciada do caso”; a questão de inconstitucionalidade que foi julgada em sentido divergente no aresto sob recurso e no Acórdão fundamento é substantivamente idêntica não só quanto à norma em apreciação como quanto aos parâmetros constitucionais com que foi confrontada. IV - Embora os Acórdãos em oposição não tenham atribuído sentido diferente à norma extraída dos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência no juízo de conformidade que fazem com o princípio da pre- sunção de inocência, enquanto parâmetro autónomo do controlo de constitucionalidade, o Acórdão recorrido não deixa de ter em conta o princípio da presunção de inocência no juízo de legitimidade constitucional que faz da norma quando confrontada com o direito de acesso à via judicial; consti- tuindo a impugnação da decisão administrativa um meio de acesso à jurisdição, o sentido jurídico que a norma assume está diretamente conexionado com a garantia da via judiciária e com o direito à tutela jurisdicional efetiva, sendo por referência a este parâmetro constitucional que se pode dizer que a mesma questão jurídico-constitucional obteve soluções opostas; a questão fundamental que ambos os Acórdãos pretenderam resolver prende-se sobretudo com a eventual restrição do direito à via judicial e à tutela jurisdicional efetiva, tendo o Acórdão n.º 376/16 entendido que não ocorre uma restrição relevante dessa garantia e o Acórdão n.º 445/18 considera que a solução legislativa constitui uma restrição desproporcional ao princípio da tutela jurisdicional efetiva. V - A questão que se coloca no presente recurso é a da constitucionalidade da solução consagrada nos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, de onde se extrai uma norma nos termos da qual a impugnação judicial da decisão aplicativa de coima proferida pela Autoridade da Concorrên- cia em processo contraordenacional tem efeito meramente devolutivo, ressalvados os casos em que a execução da decisão cause «prejuízo considerável» ao impugnante e em que este preste «caução substitutiva» do pagamento imediato da coima, casos em que o efeito da impugnação judicial é suspensivo. VI - Afastando-se do regime geral das contraordenações, do qual resulta que o recurso de decisões adminis- trativas condenatórias em processos contraordenacionais tem efeito suspensivo, o legislador tem vindo a criar regimes específicos de contraordenações em que à impugnação judicial da sanção aplicada pela autoridade administrativa é atribuído o efeito meramente devolutivo, permitindo a exequibilidade imediata da sanção antes do trânsito em julgado da decisão judicial que a confirme, altere ou revogue. VII - A fixação dos efeitos da impugnação judicial da decisão que aplica uma coima tem subjacente um conflito de interesses contrapostos: o da Administração e o do acoimado – à Administração interessa que a execução da coima seja célere e eficaz, isto é, que se inicie o mais cedo e o mais rapidamente possível; ao arguido interessa que a execução da coima seja justa, isto é, que se inicie após o trânsito em julgado da impugnação judicial, para que haja segurança de que não se sacrifica indevidamente o seu património; o efeito meramente devolutivo da impugnação, ao possibilitar a execução imediata da coima, protege a efetividade do poder sancionatório da Administração, e o efeito suspensivo, ao esperar pelo trânsito em julgado da coima, protege os interesses do acoimado.

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