TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

963 acórdão n.º 776/19 VIII - A questão da constitucionalidade do efeito meramente devolutivo da impugnação das decisões de aplicação de coimas foi apreciada pelo Tribunal Constitucional em recursos de fiscalização concreta que tiveram por objeto normas semelhantes extraídas de regimes contraordenacionais atinentes a entidades reguladoras; não obstante a regulação da concorrência atingir a generalidade dos operadores económicos – regulação transversal –, nada obsta a que os fundamentos que justificam o juízo de não inconstitucionalidade da norma que impõe o efeito meramente devolutivo da impugnação de coimas aplicadas no setor da energia sejam aplicáveis a norma semelhante existente naquela regulação; daí que os fundamentos que sustentam o Acórdão n.º 123/18 – no qual o Tribunal confrontou uma norma semelhante com os mesmos parâmetros constitucionais que a decisão recorrida invoca para sustentar a inconstitucionalidade da norma contida nos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência: o direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça administrativa, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade implicado no artigo 18.º. n.º 2, e o princípio da presunção de inocên- cia em processo contraordenacional, decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição – sejam transponíveis para a resolução do conflito de jurisprudência pressuposto no presente recurso. IX - As considerações feitas no Acórdão n.º 123/18 a propósito dos efeitos da impugnação das decisões sancionatórias da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que aplicam coimas são plenamente aplicáveis à Autoridade da Concorrência, entidade independente com poderes de supervisão e san- cionatórios, no âmbito da concorrência; também neste caso é o intenso interesse público na eficácia das normas da concorrência que explica a preocupação do legislador em garantir a efetividade das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência, sendo claro que cumpre esse objetivo a regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial, nos termos da qual esta não obsta à execução da sanção, com a faculdade de se requerer o efeito suspensivo, verificados determinados pressupostos, ao acautelar o cumprimento das sanções pelas entidades sancionadas e dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório; em conclusão, o efeito consagrado no n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrên- cia não ofende os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da presunção de inocência, em conjugação com o princípio da proibição do excesso. Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorren- tes o Ministério Público e Autoridade da Concorrência (AdC) e como recorridas A., SGPS, S.A., B., S.A., C., S.A. e C1, S.A., foi proferido, em 2 de outubro de 2018, pela 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 445/18, pelo qual se decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), a qual determina que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima têm, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição.

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