TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

968 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concreta do visado, a mesma norma já será não inconstitucional – como decidiram os Acórdãos n. os 376/16 e 397/2017. f ) Existem diferenças muito significativas entre o efeito devolutivo da impugnação judicial interposta das decisões de aplicação de coima e o regime previsto no artigo 278.º do TFUE. Entre outras, e ao contrário do que sucede à luz do artigo 278.º, n.º 2, do TFUE, o artigo 84.º, n.º 5, da LdC não atribui ao TCRS qualquer margem para suspender a execução da coima quando a arguida não prove que o pagamento da coima lhe causaria «pre- juízo considerável», ou quando, provando tal prejuízo, não tenha a possibilidade de prestar caução efetiva em substituição da coima, isto é, pelo mesmo valor. g) A medida legislativa contida no artigo 84.º, n.º 5, da LdC não encontra justificação numa suposta natureza para-jurisdicional das entidades reguladoras, uma vez que o procedimento contraordenacional promovido por estas entidades reguladoras não se distingue, na realidade, do procedimento contraordenacional levado a cabo por quaisquer outros órgãos ou entidades administrativas (mesmo que não sejam autoridades administrativas independentes). h) No sistema jurídico português, além de regimes similares aos da AdC também já declarados inconstitucionais pelo TC (cf. Acórdãos n. os 675/16 e 728/17), o paradigma do efeito devolutivo associado à impugnação de atos administrativos encontra-se apenas no domínio do contencioso tributário. Independentemente da discussão sobre a natureza para-penal ou administrativa do direito das contraordenações, uma coisa é certa: aproximá-lo e submetê-lo ao mesmo paradigma do contencioso tributário – em que se discute uma dívida ao Estado, sem que (ao contrário do que acontece no ilícito contraordenacional) o juízo de responsabilidade assente num qual- quer pressuposto de culpa que convoque o princípio da presunção de inocência –, como se se tratasse de um direito para-fiscal, em que só importa a arrecadação de receita a favor da Administração, é constitucionalmente inviável e inadmissível. i)   Os argumentos de que existiria uma probabilidade elevada de confirmação judicial das coimas aplicadas pelas entidades reguladoras, ou ainda de que o regime do efeito devolutivo visaria impedir uma litigância dilatória, não resiste ao teste da realidade: (i) no período que mediou entre a criação da Autoridade da Concorrência, em 2003, e a publicação da LdC presentemente em vigor, em 8 de maio de 2012, verificamos que, das 22 decisões de aplicação de coimas pela AdC que foram impugnadas judicialmente e objeto de decisão em primeira instância, apenas uma foi confirmada na totalidade em sede de recurso; (ii)   dos 13 processos decididos entre maio de 2012 e o momento presente (janeiro de 2019), as empresas recorrentes obtiveram vencimento (total ou parcial) em 9 deles, e em todos os mais complexos e com coimas mais elevadas. j)   Nem a AdC nem o MP, nas suas alegações de recurso, põem em causa esta evidência estatística elucidativa, que já havia sido detalhada pelas ora Recorridas nas contra-alegações de recurso apresentadas na Secção deste Tribunal, nem tão-pouco a mesma evidência é mencionada pela jurisprudência que considera, referindo-se às autoridades reguladoras independentes, que «a probabilidade de que a justeza da sua decisão venha a ser secun- dada por um órgão jurisdicional é relativamente elevada». k) O teor literal e sistemático do n.º 5 do artigo 84.º da LdC não consente qualquer possibilidade ao Tribunal de graduar o montante da caução ou de a dispensar e, mesmo que o permitisse (quod non), tal solução nunca seria apta a satisfazer os fins apregoados por quem defende a conformidade constitucional daquela norma, uma vez que possibilitaria a fixação de cauções simbólicas, sem qualquer conexão com a coima subjacente e, desse modo, insuscetíveis de assegurar a «regulação sistémica dos incentivos» dos agentes económicos, de acautelar o cumprimento das sanções impostas, de garantir a efetividade da função punitiva e de proporcionar segurança jurídica. l)   A atribuição de efeito devolutivo à impugnação judicial de decisão proferida pela AdC de aplicação de coima implica conferir força executória imediata a uma condenação administrativa não definitiva, constrangendo substancialmente o exercício do direito de impugnação por parte do arguido em clara violação dos princípios

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