TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

969 acórdão n.º 776/19 do acesso ao direito e de garantia de tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n. os 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição, cujo núcleo essencial, no âmbito do processo contraordenacional, é integrado pela suspensão de eficácia da condenação administrativa. m)   Tal solução normativa viola igualmente o princípio da independência dos Tribunais e da prevalência das suas decisões, consagrado nos artigos 203.º e 205.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que impõe ao Tribunal de jul- gamento a condenação proferida pela AdC como facto consumado e já executado, degradando o poder judicial efetivo de aplicação da sanção num poder de mero controlo e confirmação da decisão da AdC. n) A solução normativa em apreço atinge ainda o núcleo essencial do princípio da presunção de inocência, extraído do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição, uma vez que impõe ao arguido o cumprimento antecipado da sanção (ou ónus equivalente) aplicada pela AdC, tratando-o para todos os efeitos como culpado – tudo com fundamento numa decisão não definitiva (proferida no termo de uma fase administrativa inquisitória) que, após impugnação, se converte em mera acusação. o) A solução do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da LdC, na dimensão normativa em análise, não permite qualquer graduação judicial da caução «em substituição» da coima. Tal possibilidade, não consentida pelo regime normativo atual, redundaria também, em qualquer caso, em violação do princípio da presunção de inocência, pois implicaria do mesmo passo da parte do arguido (presumido inocente) a entrega antecipada de valor correspondente ou indexado à sanção arbitrada por decisão administrativa não definitiva. p) A atribuição de efeito devolutivo ao recurso de impugnação judicial de decisões proferidas pela AdC que apliquem coima é tão idónea a dissuadir impugnações judiciais infundadas e dilatórias (ainda que os factos demonstrem que este não é um risco real e sério), como a desincentivar impugnações judiciais plenamente fundadas, o que põe em causa a adequação geral do regime. q) Para além da reformatio in pejus , existem muitas outras alternativas de efeito menos gravoso (e mais adequadas a satisfazer as finalidades almejadas) que o do regime do efeito devolutivo do recurso judicial das coimas, pelo que a norma constante do artigo 84.º, n.º 5, da LdC viola o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da necessidade e da proibição do excesso. r) Entre essas alternativas cabe referir: (i) as medidas de garantia patrimonial previstas no artigo 227.º e seguintes do CPP; (ii) a aplicação de taxa sancionatória especial, prevista no atual artigo 531.º do CPC; (iii) a possibi- lidade de condenação dos arguidos em multa por litigância de má fé, em termos similares aos previstos nos artigos 542.º e ss. do CPC; (iv) a majoração da coima aplicada pela AdC através da aplicação de um fator de atualização/correção monetária sobre o montante da coima ou até de juros, desde a data da decisão adminis- trativa até efetivo pagamento (em caso, naturalmente, de confirmação dessa decisão); (v) a recusa liminar da impugnação judicial pelo Tribunal que a recebe, à semelhança e com respeito pelos critérios que constam do artigo 420.º do CPP, que regula os termos em que os recursos manifestamente infundados podem ser rejeitados em processo penal. s) Considerando que, desde a sua criação (em 2003) até ao momento presente, a taxa de reversão judicial (total ou parcial) das decisões da AdC em matéria de aplicação de coimas foi superior a 85%, é manifesto que o eventual benefício da medida na perspetiva dos interesses que a mesma visa prosseguir é muito inferior ao prejuízo cau- sado por via dela aos seus destinatários e aos direitos fundamentais de que estes são titulares, em particular os decorrentes do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva e da presunção de inocência.» 6. E as recorridas A., SGPS, S.A. e B., S.A. contra-alegaram, com as seguintes conclusões: «I. A questão de fundo 1) A sanção prevista no artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência, pela qual as visadas vêm administrativa- mente condenadas, é a mais elevada sanção pecuniária prevista no ordenamento jurídico português para ilícitos contraordenacionais ou criminais praticados por pessoas coletivas. 2) Ao invés do que sucede no processo penal, porém, esta sanção é aplicada num modelo concentrado, de matriz inquisitória, pela mesma entidade que conduz toda a investigação, que formula o juízo indiciário subjacente

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