TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

972 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do desenvolvimento de uma atividade económica e não o resultado de um procedimento de licenciamento prévio ou da integração de um mercado com regulamentação específica, inexiste um dever de conhecimento qualificado por parte de todas as entidades a ele sujeitas, o que aumenta o risco da prática de infrações sem adequada repre- sentação da respetiva ilicitude, (iv) o impacto da aplicação de uma sanção no direito da concorrência, por abranger entidades de diferentes dimensões, poderá revelar-se substancialmente mais gravoso do que no setor energético. 26) Tanto basta para que se exija uma nova ponderação jurídico-constitucional nesta sede, desprendida do entendimento anteriormente expresso no Acórdão n.º 123/18, e adequada às especificidades do direito da concor- rência, sabendo agora que os interesses de natureza pública que se contrapõem à restrição de direitos e garantias dos visados em processos contraordenacionais de direito da concorrência revestem um grau inferior de premência aos que se discutiam quanto ao regime do setor energético. Por outro lado. IV. As Garantias Processuais no Direito das Grandes Contraordenações 27) É importante começar por assinalar que a aplicação acrítica de um modelo de garantias igual para todas as contraordenações é contrária à realidade jurídica e potencialmente geradora de lesões a direitos fundamentais tão ou mais graves do que as que seriam geradas pela aplicação de penas criminais. 28) Desde logo porque a circunstância de o Direito das Contraordenações se encontrar entre o Direito Penal e o Direito Administrativo não implica que as suas coordenadas valorativas se encontrem permanentemente equi- distantes daqueles dois ramos do Direito. 29) Na verdade, a variedade de interesses e bens jurídicos tutelados por infrações contraordenacionais previstas no Direito Português e a amplitude das coimas e sanções acessórias abstratamente aplicáveis impõem uma inter- pretação dinâmica dos respetivos regimes no quadro constitucional vigente. 30) É por isso que, à medida que a relevância ético-social entre ilícitos contraordenacionais e crimes se esbate e que a gravidade das sanções aplicáveis em ambos os ramos se aproxima – ou mesmo se inverte o Direito Con- traordenacional, que mantém sempre uma natureza sancionatória, afasta-se do seu referencial administrativo e aproxima-se do Direito Penal em sentido global. 31) É, por isso, necessário distinguir entre um Direito das Contraordenações tradicional e o Direito das “Gran- des” Contraordenações, marcado por uma maior proximidade ao Direito Penal Económico-Financeiro, como é o caso do Direito das Contraordenações da Concorrência. 32) Esta aproximação ôntica da relevância dos bens jurídicos tutelados e das consequências sancionatórias das infrações contraordenacionais e penais – bem como o correspondente afastamento das contraordenações “moder- nas” das ditas “tradicionais” – têm necessariamente de se refletir no plano jurídico. 33) E esse reflexo não pode deixar de ocorrer por via da aproximação das garantias do processo contraordena- cional às do processo penal. 34) Desde logo porque é artificial sustentar que a coima aplicada não contém qualquer juízo de censura ético- -jurídica, nem contém um sentido de retribuição ou expiação ética. A coima – esta coima tem esta dimensão precisamente pela ressonância ética do comportamento imputado, sendo a sua aplicação, ainda que formalmente direcionada a finalidades de pura prevenção geral, indissociável de uma finalidade também repressiva. 35) Será, portanto, dentro da lógica de um Direito de Grandes Contraordenações, mais próximo do Direito Penal e, por isso, merecedor de garantias adequadas à sua natureza que a ponderação do grau de lesão da restrição a direitos fundamentais deverá ser analisada e contrabalançada com os interesses a salvaguardar. V. A violação do princípio da presunção de inocência 36) O primeiro ponto onde esta diferença se deve refletir é precisamente na análise da norma em crise à luz do princípio da presunção da inocência vigente no Direito Penal e, claro, no Direito das (Grandes) Contraordenações. 37) Deste princípio decorre a proibição da inversão do ónus da prova em desfavor do arguido, bem como a proibição da realização de consequências jurídicas sancionatórias antes do trânsito em julgado da decisão.

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