TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
98 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Neste caso, pretende-se impedir que as informações prestadas a um particular ou a uma entidade possam por estes ser divulgadas a outras pessoas ou entidades, ou seja, que a pessoa se torne “simples objeto de informa- ções”, face a todos os registos informáticos que vai deixando no seu dia a dia. A proibição de ingerência ou devassa neste domínio implica não apenas a proibição de acesso a terceiros aos dados pessoais, mas ainda a proibição de divulgação ou mesmo de interconexão de ficheiros com dados da mesma natureza». Contudo, como se referiu, estes direitos podem ser objeto de restrições por via legislativa – as leis res- tritivas de direitos, liberdades e garantias. Nalgumas normas constitucionais, a Constituição autorizou a lei ordinária a restringir determinados direitos em alguns aspetos ou para algumas finalidades, noutras atribuiu ao legislador expressamente uma competência de regulação geral da matéria que inclui poderes de restrição. Assim, no que respeita ao direito consagrado no artigo 35.º, n.º 4, a Constituição prevê expressamente a possibilidade da sua restrição, no inciso final «salvo em casos excecionais previstos na lei», mas não indica os seus pressupostos ou finalidades. Porém, a restrição terá de observar, para além da reserva de lei em sentido formal consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, os limites impostos pelo artigo 18.º, n. os 2 e 3: proporcionalidade em sentido amplo; reserva de lei em sentido material; proibição de retroativi- dade; e inviolabilidade do conteúdo essencial. As dúvidas, neste caso, centram-se no respeito pelo princípio da proporcionalidade. Tratando-se da restrição de direitos de defesa ou de conteúdo negativo – o direito a que o Estado não aceda a dados pessoais –, o problema que se coloca é o de saber se o legislador, na solução estipulada no artigo 3.º contextualizada no respetivo regime jurídico, violou a proibição do excesso. A primeira etapa do juízo passa por identificar as razões que podem justificar a restrição dos direitos aqui envolvidos – razões que, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º, se traduzem necessariamente num dever de proteção de outros direitos fundamentais ou na prossecução de interesses legítimos que a ordem constitucio- nal confia ao poder público, mormente o legislativo. No que diz respeito ao artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, as finalidades da norma reconduzem-se ao valor constitucional da segurança, que agrega a dimen- são positiva de um conjunto muito vasto de direitos fundamentais ( v. g. , vida, integridade, propriedade) e interesses coletivos como a independência nacional e a ordem pública. Trata-se, em suma, das alíneas a) (garantir a independência nacional), b) (garantir os direitos e liberdades fundamentais) e c) (defender a democracia política) do artigo 9.º da Constituição, que define as «tarefas fundamentais do Estado». O texto constitucional vai ao ponto de subjetivar a segurança, no artigo 27.º, n.º 1, in fine , tratando-a como um direito fundamental. Na prática, as limitações de direitos fundamentais devem obedecer aos seguintes requisitos: (a) for- mulação de uma norma clara e previsível; (b) meio necessário para alcançar um objetivo de interesse geral ou para proteger direitos ou liberdades de outrem; (c) proporcionalidade em relação ao objetivo visado; (d) preservação do conteúdo essencial do direito fundamental. Cabe, assim, determinar, a esta luz, se o acesso pelos «oficiais de informações do SIS e do SIED» a «dados de base e de localização de equipamento» é uma medida desproporcionada ou um meio excessivo para alcançar as finalidades – em si mesmas não apenas legítimas como constitucionalmente impostas ao poder público – a que se destina. Antes de submeter a norma aos testes da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, compreendidos no princípio da proibição do excesso, é indispensável analisar o regime de acesso que a Lei Orgânica n.º 4/2017 consagra para esta categoria específica de dados, nomeadamente as finalidades, os critérios, as formas, os limites e as garantias nela previstas. No que respeita às finalidades, a lei prevê (artigo 3.º) o acesso a dados de base e dados de localização exclusivamente «para efeitos de produção de informações necessárias à salvaguarda da defesa nacional, da segurança interna e da prevenção de atos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada». Ou seja, a defesa nacional e a segurança interna surgem, quer como bens jurídicos subjacentes a um elenco fechado de tipos criminais ou categorias de crimes, quer como como razões residuais para aceder aos dados.
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