TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

985 acórdão n.º 776/19 a norma que, atribuindo embora o mesmo efeito regra ao recurso (efeito devolutivo) e fazendo igualmente depender o efeito suspensivo da prestação de uma caução, o faz, todavia, independentemente da situação económica do visado e definindo a caução como substitutiva da coima». Assim, o que foi determinante para se considerar que não se estava perante a «mesma norma» foi a relevância que o Acórdão deu a um elemento do segmento decisório – “independentemente da sua disponibilidade económica” – que não está presente no Acórdão fundamento. Foi a integração desse elemento na norma julgada inconstitucional que levou o Tribunal a concluir no Acórdão n.º 281/17 que as soluções divergentes não incidem sobre a mesma norma. Ora, apesar da remissão que o Acórdão recorrido faz para a fundamentação do Acórdão n.º 674/16, a questão da (in)exigibilidade de prestação de caução em face da insuficiência de meios económicos do visado não está prevista na norma que foi julgada inconstitucional. Assim sendo, se dúvidas havia acerca da iden- tidade normativa da questão dirimida em termos antagónicos pelas Secções do Tribunal, as mesmas ficaram ultrapassadas com a omissão da tal exigência no dispositivo do Acórdão recorrido. Tal omissão – repete-se, a omissão da referência à desconsideração da disponibilidade económica do visado para prestar a caução – implica a irrelevância dessa circunstância na determinação da identidade pressuposta na presente uniformiza- ção de jurisprudência. O Acórdão n.º 376/16 excluiu expressamente do objeto de conhecimento do recurso a situação do interessado que não disponha de meios económicos para prestar a caução prevista no n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência, por considerar que esta dimensão não teve aplicação no caso concreto. Como esta mesma dimensão normativa não foi integrada no julgamento efetuado pelo Acórdão recorrido – Acórdão n.º 445/18 –, conclui-se que há identidade entre as questões de inconstitucionalidade apreciadas em ambos os Acórdãos, assim como contradição entre as decisões que neles foram tomadas. A questão jurídico-constitucional – que há de encontrar a sua solução numa posição jurídica uniforme – que ambos Acórdãos procuraram resolver versa sobre os “efeitos do recurso” das decisões sancionatórias da Autoridade da Concorrência que em processo de contraordenação apliquem coimas. A norma foi extraída dos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência, estatuindo o primeiro a regra geral do «efeito meramente devolutivo» da impugnação judicial de decisões sancionatórias de aplicação de coimas e prevendo o segundo uma exceção a essa regra, desde que verificadas as condições nele previstas. Foi essa norma, com o sentido objetivo plasmado naqueles números, que foi recusada aplicar pelo tribunal a quo e que foi julgada não inconstitucional no Acórdão fundamento e julgada inconstitucional no Acórdão recorrido. Nos recursos de fiscalização concreta em que foram tomadas tais decisões a norma que foi objeto de apreciação foi extraída daqueles preceitos com o mesmo sentido jurídico: imposição do efeito meramente devolutivo, com a faculdade de se requerer o efeito suspensivo, verificados os requisitos do «prejuízo consi- derável» e da «prestação de caução». À apreciação do Tribunal Constitucional não foram levadas particulares interpretações judiciais dessa norma, nomeadamente o sentido e alcance dos referidos requisitos de suspen- são da eficácia da decisão que aplica a coima – se são de aplicação cumulativa, se excluem a ponderação do tribunal ou se admitem a fixação judicial dos termos da caução, em função da situação económica do visado. O Acórdão recorrido reporta-se a uma situação em que o tribunal a quo se limitou a recusar aplicar por motivo de inconstitucionalidade «a norma plasmada no artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concor- rência», sendo essa a norma que constitui o objeto material do recurso e não uma determinada interpretação normativa desse preceito que tenha sido usada como ratio decidendi . Nada obsta, porém, que o Tribunal Constitucional, quando essencial ao julgamento da questão de constitucionalidade, interprete o direito infraconstitucional de modo diverso da interpretação efetuada pelas instâncias. Pois é suficiente observar que, em relação aos termos em que a caução pode ser prestada, o tribu- nal a quo admite que a “mesma venha a ser fixada em quantia inferior à condenação imposta pela autoridade administrativa”, enquanto o Acórdão recorrido – pela remissão que faz para o Acórdão n.º 674/16 –  inter- preta a norma no sentido da necessária correspondência entre o montante da caução e o montante da coima, “que não consente a devida ponderação circunstanciada do caso”.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=