TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

986 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11. A questão de inconstitucionalidade que foi julgada em sentido divergente no aresto sob recurso e no Acórdão fundamento é substantivamente idêntica não só quanto à norma em apreciação como quanto aos parâmetros constitucionais com que foi confrontada: o princípio da presunção da inocência, estabelecido no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição (CRP); o direito de acesso aos tribunais e à proteção jurisdicional efetiva, garantido nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP; e o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Porém, os Acórdãos em oposição não atribuíram sentido diferente à norma extraída dos n. os 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência no juízo de conformidade que fazem com o princípio da presunção de inocência, enquanto parâmetro autónomo do controlo de constitucionalidade. Quanto este princípio, a fundamentação dos Acórdãos não revela juízos de inconstitucionalidade materialmente inconciliáveis; pelo contrário, consideraram a norma questionada compatível com o princípio da presunção de inocência. Com efeito, no Acórdão n.º 376/16 refere-se o seguinte: «Finalmente, admitindo-se que o princípio da presunção de inocência não é uma conquista privativa do pro- cesso criminal, devendo estruturar todos os processos que possam culminar com a aplicação de sanções discipli- nares ou contraordenacionais, com implicações diretas ao nível do ónus da prova e do princípio in dubio pro reo , não se afigura que ele possa valer para as decisões administrativas de aplicação de coimas com o mesmo sentido e alcance com que vale, por força do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, para as sentenças judiciais de condenação proferidas em processo criminal. (…). Nesta perspetiva dual de análise, não é possível sustentar que as razões que impedem a aplicação das penas criminais antes do trânsito em julgado da condenação, assentes no reconhecimento da intensidade e expressividade com que interferem na esfera pessoal do arguido, sejam inteiramente transponíveis para o domínio contraorde- nacional, garantindo assim a aplicação da coima antes do trânsito em julgado da decisão judicial que julgue a impugnação interposta da decisão que a aplica». E no Acórdão n.º 445/18, por remissão para o Acórdão n.º 674/16, argumenta-se que, «O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, toda- via, na atribuição legal, per se , do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administrativa sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipatória da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo.  Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . De facto, incidindo a questão de constitucio- nalidade sobre a disciplina do efeito do recurso, mais concretamente sobre a imposição de um ónus (imposição de prestação de caução) como condição da atribuição de efeito suspensivo ao recurso de impugnação da decisão sancionatória, é sobre esse ónus que deve incidir a avaliação de conformidade constitucional, nomeadamente da sua adequação, o que deverá ser feito à luz das exigências do princípio da proporcionalidade, tendo em conta o interesse público que presidiu à adoção de tal solução». Note-se, no entanto, que o Acórdão recorrido não deixa de ter em conta o princípio da presunção de inocência no juízo de legitimidade constitucional que faz da norma quando confrontada com o direito de acesso à via judicial (ponto 19). Nos mesmos termos que fez o Acórdão n.º 674/16, deu-lhe relevo ao considerar que a norma impugnada «onerando excessivamente o direito de acesso a uma tutela judicial efe- tiva, praticamente esvazia de sentido a presunção de inocência atribuída ao arguido, o que constitui uma

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