TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

988 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL meramente devolutivos, a esse efeito não acresce o efeito suspensivo. Diz-se assim que o recurso tem efeito meramente devolutivo quando a decisão recorrida é imediatamente exequível. Como o recurso não tem efeito suspensivo, a decisão pode executar-se com base numa decisão que ainda não transitou em julgado (artigo 647.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Ora, não obstante a falta de correspondência entre as duas formulações, a norma propriamente dita que constitui objeto do presente recurso de fiscalização concreta, porque extraída do mesmo preceito, não pode deixar de ter o sentido correspondente ao enunciado que está formulado nesse preceito. Afastando-se do regime geral das contraordenações, do qual resulta que o recurso de decisões adminis- trativas condenatórias em processos contraordenacionais tem efeito suspensivo (alínea a)  do n.º 1 do artigo 408.º do Código de Processo Penal  ex vi  artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações), o legislador tem vindo a criar regimes específicos de contraordenações em que à impugnação judicial da sanção aplicada pela autoridade administrativa é atribuído o efeito meramente devolutivo, permitindo a exequibilidade ime- diata da sanção antes do trânsito em julgado da decisão judicial que a confirme, altere ou revogue. Efetivamente, para além da norma aqui questionada, relativa à regulação da concorrência (artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), assim acontece em diversos regimes de regulação sectorial, como no setor da saúde (artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde – ERS –, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto), no setor da energia (artigo 46.º, n. os 4 e 5, do Regulamento Sancionatório do Setor Energético – RSSE –, aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro), no setor financeiro, (artigo 228.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro), no setor dos transportes (artigo 43.º, n.º 4, dos Estatutos da Autoridade de Mobilidade e dos Transportes, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio), no setor da comu- nicação social (artigo 75.º, n.º 4, dos Estatutos da Entidade Reguladora da Comunicação Social, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro), e no setor laboral e da segurança social (artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social). 13. A fixação dos efeitos da impugnação judicial da decisão que aplica uma coima tem subjacente um conflito de interesses contrapostos: o da Administração e o do acoimado. À Administração interessa que a execução da coima seja célere e eficaz, isto é, que se inicie o mais cedo e o mais rapidamente possível; ao arguido interessa que a execução da coima seja justa, isto é, que se inicie após o trânsito em julgado da impugnação judicial, para que haja segurança de que não se sacrifica indevidamente o seu património. Não há dúvida que o efeito meramente devolutivo da impugnação, ao possibilitar a execução imediata da coima, protege a efetividade do poder sancionatório da Administração e que o efeito suspensivo, ao esperar pelo trânsito em julgado da coima, protege os interesses do acoimado. Assim, os regimes específicos de contraordenações que à impugnação judicial da coima aplicada pela autoridade administrativa associam o efeito não suspensivo aproximam-se do critério seguido na justiça administrativa quanto ao efeito das ações de impugnação de atos administrativos. De facto, ao atribuir o efeito meramente devolutivo à impugnação judicial das decisões sancionadoras proferidas em domínios específicos de regulação, o legislador pretendeu salvaguardar a eficácia da ação reguladora de determinadas atividades, sem prejudicar a possibilidade dos visados requerem a adoção de medidas cautelares de suspensão da eficácia do ato sancionador. A função do efeito meramente devolutivo é justamente permitir a execução imediata do ato sancionador por razões de interesse público. Entende-se que, em certas situações, o efeito suspensivo automático da decisão sancionadora tem consequências negativas sobre a eficácia e celeridade da atividade fiscalizadora e repressiva das entidades reguladoras. É óbvio que a não suspensão de uma sanção pecuniária não é absolutamente necessária para o funcionamento correto da Administração; mas outras razões, como a necessidade de prevenir comportamentos desviantes e de assegurar o valor da sanção pecuniá- ria, prestam-se a justificar o efeito devolutivo.

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