TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

989 acórdão n.º 776/19 É preciso ter presente que o efeito meramente devolutivo dos recursos relativos a decisões de aplicação de coimas é uma norma que se insere no âmbito da regulação da economia e de determinados setores eco- nómicos e sociais. Como refere Pedro Gonçalves, «uma das particularidades do direito administrativo da regulação consiste na atribuição às entidades reguladoras de fortes e drásticos poderes sobre os regulados», tendência essa que se apresenta mais visível «nos domínios da supervisão e da punição de infrações praticadas pelos regulados»; e a tendência para a previsão de sanções de valor elevado, a aplicar por entidades que já dispõem de funções de regulação e de controlo, «conduz a considerar-se que o poder sancionatório tem a função de conferir e reforçar a efetividade dos poderes de regulação ativa»; podendo falar-se, neste contexto, «de uma força dinâmica das sanções e da sua compreensão como instrumento de orientação, ao serviço da política de regulação» ( Regulação, Eletricidade e Telecomunicações, Estudos de Direito Administrativo da Regu- lação, Coimbra Editora, pp. 50 e 54).  É nesse sentido que se compreendem a disposições da Lei da Concorrência relativas aos recursos judi- ciais. Quer a previsão do efeito meramente devolutivo do recurso, quer a possibilidade de reformatio in pejus têm por objetivo desincentivar à apresentação de recursos judiciais injustificados, com propósitos meramente dilatórios, procurando reforçar a efetividade e celeridade da implementação das normas da concorrência. É o que se concluiu no Acórdão n.º 376/16: «Antecipa-se, sem dificuldade, que o legislador, na modelação do regime de impugnação das decisões sancio- natórias proferidas por tais entidades administrativas, tenha ponderado a necessidade de conferir maior eficácia aos respetivos poderes sancionatórios, de modo a garantir, no plano substantivo, uma maior proteção aos valores e bens tutelados nos específicos domínios normativos em que atuam. Atribuindo, em regra, efeito devolutivo ao recurso, e condicionando o efeito suspensivo à prestação de caução e à existência de «prejuízo considerável», procura-se minimizar os recursos judiciais infundados cujo objetivo seja protelar no tempo o pagamento da coima. Se conjugarmos a opção legal de atribuir à impugnação efeito meramente devolutivo, com o afastamento da regra da proibição da reformatio in pejus vigente no regime geral das contraordenações, que é solução também consagrada na Lei da Concorrência (artigo 88.º, n.º 1), maior evidência assume o propósito desincentivador subjacente à nova regulamentação legal sobre a matéria (concluindo pela não inconstitucionalidade de solução equivalente constante do artigo 416.º, n.º 8, do Código dos Valores Mobiliários, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/15). Objetivo que, desde logo, foi expresso na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 45/XII, que esteve na origem da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio. A reformulação do Regime Jurídico da Concorrência visou, além do mais, assegurar o cumprimento de medidas constantes do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), precisamente no sentido de «reforçar a eficiência e aplicação das regras da concorrência», de acordo com as linhas de orientação então definidas, entre elas, a de «simplificar a lei e introduzir maior autonomia das regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência relativamente às regras de procedi- mentos penais e administrativos» e a de «aumentar a equidade, a celeridade e a eficiência dos procedimentos de impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência». E com igual propósito, no ponto 6 do parecer da Autoridade da Concorrência sobre essa Proposta, refere-se à necessidade de introduzir «incentivos que limitem a utilização do recurso como prática puramente dilatória, tais como a eliminação do efeito suspensivo do recurso em termos de coimas», como um instru- mento de «maior equidade e eficiência no sistema de recursos judiciais». 14. A questão da constitucionalidade do efeito meramente devolutivo da impugnação das decisões de aplicação de coimas foi apreciada pelo Tribunal Constitucional em recursos de fiscalização concreta que tiveram por objeto normas semelhantes extraídas de regimes contraordenacionais atinentes a entidades regu- ladoras. Em relação ao setor da saúde, a norma que determinava que o recurso de impugnação das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolutivo, ficando a

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