TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

991 acórdão n.º 776/19 proporcionalidade implicado no artigo 18.º, n.º 2, e o princípio da presunção de inocência em processo contraordenacional, decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição. A esse propósito, escreve-se no Acórdão n.º 123/18: «9. A regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial de decisões da ERSE aplicativas de coima – regra essa que constitui uma exceção ao Regime Geral das Contraordenações [artigo 408.º, n.º 1, alínea  a) , do Código de Processo Penal, aplicável  ex vi do disposto no artigo 41.º, n.º 2, do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro] –, baseia-se na natureza e nas atribuições das entidades reguladoras independentes, razão pela qual também é acolhida nos regimes homólogos respeitantes, por exemplo, à Autoridade da Concorrên- cia, à Entidade Reguladora da Saúde e ao Banco de Portugal. Como se escreveu, a esse propósito, no Acórdão n.º 376/16: «Embora esteja em causa questão de inconstitucionalidade incidente sobre um especto específico e par- celar, de natureza processual, do regime de impugnação judicial das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência, no exercício dos poderes sancionatórios que a lei lhe confere, a avaliação da constitucionalidade das normas do artigo 84.º, nºs 4 e 5, da Lei da Concorrência, não pode deixar de considerar outros aspetos de regime que se prendem, quer com a configuração orgânico-funcional da Autoridade da Concorrência, quer com o sistema de controlo judicial a que está globalmente sujeita a sua atuação. A lei define a Autoridade da Concorrência como uma «pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente, dotada de autonomia administrativa e financeira, de autonomia de ges- tão, de independência orgânica, funcional e técnica, e de património próprio», que «tem por missão assegurar a aplicação das regras de promoção e defesa da concorrência nos setores privado, público, cooperativo e social, no respeito pelo princípio da economia de mercado e de livre concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a afetação ótima dos recursos e os interesses dos consumidores, nos termos previstos na lei e nos [seus] estatutos» (artigo 1.º, n. os 1 e 2, dos Estatutos da Autoridade da Concorrência, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 125/2014, de 18 de agosto). Para o desempenho das suas atribuições, a Autoridade da Concorrência dispõe de «poderes sancionatórios, de supervisão e de regulamentação», competindo-lhe especificamente «[i]dentificar e investigar os compor- tamentos suscetíveis de infringir a legislação de concorrência nacional e da União Europeia, nomeadamente em matéria de práticas restritivas da concorrência e de controlo de operações de concentração de empresas, proceder à instrução e decidir sobre os respetivos processos, aplicando, se for caso disso, as sanções e demais medidas previstas na lei; [c]obrar as coimas estabelecidas na lei; e [a]dotar medidas cautelares, nos termos do regime jurídico da concorrência e de outras disposições legais aplicáveis» (artigo 6.º, n. os 1 e 2, dos Estatutos). Por outro lado, a lei expressamente sujeita os representantes legais das empresas e outras entidades desti- natárias da sua atividade à «obrigação de colaboração», que se traduz no dever de prestação de informações e entrega de documentos à Autoridade da Concorrência, sempre que esta o solicitar (artigos 15.º da Lei da Concorrência), tipificando como contraordenação punível com coima «[a] não prestação ou a prestação de informações falsas, inexatas ou incompletas, em resposta a pedido da Autoridade da Concorrência, no uso dos seus poderes sancionatórios» [artigo 68.º, alínea h) , da Lei da Concorrência]. Avaliando, em contexto, a natureza e a origem das autoridades reguladoras independentes, a doutrina tem salientado a sua ligação aos fenómenos da liberalização do mercado em função de duas principais ordens de considerações. Por um lado, reconhece-se que a regulação tem uma lógica específica, que deve ser separada tanto quanto possível da lógica política, em especial a dos ciclos eleitorais, tornando-se necessário estabelecer adequada distância entre a política e o mercado, de modo a conferir-lhe a estabilidade, previsibilidade, impar- cialidade e objetividade. Por outro lado, a abertura à concorrência de setores de atividade que antes se encon- travam sujeitos à influência estatal trouxe consigo a necessidade de separar a regulação do funcionamento do mercado e a intervenção das entidades públicas enquanto sujeitos económicos.

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