TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

992 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É a atribuição de independência orgânica, traduzida na impossibilidade de destituição discricionária pelo Governo dos titulares dos órgãos diretivos das entidades reguladoras, e de independência funcional, que subtrai essas entidades ao poder de superintendência e tutela governamentais, que permite resolver essa dualidade do papel do Estado em relação a setores do mercado liberalizados (cfr. Fernanda Maçãs, «O controlo jurisdicional das autoridades administrativas independentes», in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, julho/agosto 2006, págs. 22-23). É precisamente com base em tais características que se tem entendido que o surgimento das entidades regu- ladoras escapa aos cânones tradicionais de classificação da estrutura e funções do Estado, havendo quem lhes reconheça uma natureza «quase-jurisdicional» ou mesmo a expressão de uma espécie de «quarto poder», o que não pode deixar de ter algum reflexo nas clássicas estruturas normativas que tradicionalmente são chamadas a regular o exercício do poder sancionatório por parte da administração pública (cfr. Fernanda Maçãs, ob. cit., e Alexandre de Albuquerque/Pedro de Albuquerque, «O controlo contencioso da atividade das entidades de regulação económica», em Regulação e Concorrência, Almedina, pág. 268). (…) Antecipa-se, sem dificuldade, que o legislador, na modelação do regime de impugnação das decisões san- cionatórias proferidas por tais entidades administrativas, tenha ponderado a necessidade de conferir maior eficácia aos respetivos poderes sancionatórios, de modo a garantir, no plano substantivo, uma maior proteção aos valores e bens tutelados nos específicos domínios normativos em que atuam. Atribuindo, em regra, efeito devolutivo ao recurso, e condicionando o efeito suspensivo à prestação de caução e à existência de «prejuízo considerável», procura-se minimizar os recursos judiciais infundados cujo objetivo seja protelar no tempo o pagamento da coima. (…)».  10. As considerações feitas no Acórdão n.º 376/16, a propósito da Autoridade da Concorrência, são plena- mente aplicáveis ao caso da ERSE, como é reconhecido no Acórdão n.º 675/16. Nos termos dos seus Estatutos (aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 97/2002, de 12 de abril, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 200/2002, de 25 de setembro, revistos pelo Decreto-Lei n.º 212/2012, de 25 de setembro, e novamente alterados e republicados pelo Decreto-Lei n.º 84/2013 de 25 de junho), a ERSE é uma pes- soa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente (artigo 1.º, n.º 1), inves- tida de competências de regulação, regulamentação, supervisão, fiscalização e sancionatórias (artigo 1.º, n.º 2). A ERSE tem por objeto a regulação dos setores da eletricidade e do gás natural, bem como da atividade de gestão de operações da rede de mobilidade elétrica, em conformidade com o disposto no regime de enquadra- mento das entidades reguladoras, na legislação setorial, nos seus Estatutos, e na regulamentação aplicável, ao nível nacional, da União Europeia e internacional (artigo 1.º, n.º 3), sendo independente no exercício das suas funções (artigo 2.º, n.º 2). A regulação da ERSE tem por finalidade promover a eficiência e a racionalidade das atividades dos setores regulados, em termos objetivos, transparentes, não discriminatórios e concorrenciais, através da sua contínua supervisão e acompanhamento, integrados nos objetivos do mercado interno e dos mercados ibéricos, da eletricidade e do gás natural (artigo 3.º, n.º 1). (…) 11. É o intenso interesse público na eficácia da regulação dos mercados energéticos, decorrente da premência das necessidades que satisfazem, da expressão económica da atividade que neles se desenvolve e da importância estratégica da política que lhes diz respeito, que explica a preocupação do legislador em garantir a efetividade das coimas aplicadas pela ERSE. A regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial, nos termos da qual esta não obsta à execução da sanção, tem por desideratos principais acautelar o cumprimento das sanções pelas entidades sancionadas e dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Resta saber se o meio de que o legislador se serve – a regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial de decisão sancionatória aplicativa de coima –, para prosseguir essas finalidades de interesse público, em si mesmas perfeitamente legítimas, é constitucionalmente censurável, designadamente por violar direitos funda- mentos dos recorrentes ou garantias constitucionais do arguido em processo sancionatório. Na decisão recorrida,

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