TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

993 acórdão n.º 776/19 entende-se ser esse o caso, em virtude, quer do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição), quer do princípio da presunção de inocência (artigos 32.º, n. os  2 e 10, da Constituição), em ambos os casos conjugados com o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).  12. Coloca-se, em primeiro lugar, a questão de saber se a solução legal sob escrutínio implica a compressão do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado em termos gerais no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça administrativa, através do artigo 268.º, n.º 4. Para justificar o juízo de sentido positivo, escreveu-se no Acórdão n.º 675/16: «15. Como já acima ficou evidenciado, a norma em apreciação, resultante do artigo 84.º, n. os  4 e 5 da LdC, não nega o direito do arguido impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida. Limita-se a estabelecer como regra o efeito meramente devolutivo ao recurso, impondo determinadas condições para a atribuição do efeito suspensivo. O princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva não impõe, porém, a regra do efeito suspensivo ao recurso, nem mesmo quando esteja em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, pp. 417-418). A solução normativa encontrada insere-se, assim, na referida margem de que o legislador dispõe neste âmbito. Isto não significa que não haja exigências constitucionais a respeitar. No âmbito de um procedimento sancionatório, mais do que o direito ao recurso, estritamente compreen- dido, firma-se um efetivo direito de ação por parte do arguido contra um ato da administração pública. Ora, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, pressupõe a garan- tia da via judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos processuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito. Uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangimentos substanciais, ao órgão juris- dicional para ver dirimido um litígio A norma objeto do processo estabelece que só pode ser atribuído efeito suspensivo à impugnação de deci- sões que apliquem coima quando a sua execução cause “prejuízo considerável” ao visado e este preste caução. O ónus imposto ao recorrente pela norma sindicada reporta-se tão-somente ao efeito do recurso. No entanto, por sua causa, o recurso à via judicial para impugnar a decisão administrativa só consegue impedir a imediata execução da sanção administrativa visada pela impugnação, provado que seja o “prejuízo considerável” que a sua execução causa, mediante a prestação de uma caução que substitua o pagamento da coima. Desta forma, a norma condiciona o efeito útil imediato da impugnação a um ónus que, afinal, se concretiza no cumprimento de uma prestação que equivale ao cumprimento da coima. Daqui resulta que, de facto, antes de contestar judicialmente a sanção aplicada, o sancionado é, na prática, obrigado a cumpri-la. Note-se o elevado nível de oneração imposto: não só é necessário demonstrar que a execução da decisão sancionatória causa “prejuízo considerável” como, para além disso, é necessário prestar uma caução em sua substituição – tendo como con- sequência a concretização do referido prejuízo. A norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória, se reflete negativamente na presunção de inocência garantida ao arguido. Um tal regime implica, portanto, uma restrição do acesso à via judicial. Na verdade, a garantia de uma via judiciária de tutela efetiva implica não apenas que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, mas tam- bém a possibilidade de evitar os seus efeitos.» Como afirma o Tribunal nas passagens transcritas, a regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial das decisões sancionatórias não constitui qualquer restrição direta ao direito de acesso à justiça. Entende-se, porém, que ela implica uma restrição oblíqua, na medida em que impõe um ónus significativo – a demonstração

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