TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

994 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de prejuízo considerável e a prestação de caução substitutiva –, para a suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Por outras palavras, a lei não interdita, mas condiciona, o acesso aos tribunais. Ora, tal argumento não releva a distinção entre ónus de acesso à justiça para impugnar a validade de uma deci- são sancionatória e ónus de suspensão da execução da decisão sancionatória impugnada. Uma coisa é a lei levantar obstáculos no acesso à justiça ou onerar o recurso à tutela jurisdicional; sendo da natureza do ónus a imposição de uma desvantagem ou um encargo como condição necessária da obtenção de uma vantagem ou de um benefício, um ónus de acesso ao direito importa que o sujeito sobre o qual impende tenha de incorrer num prejuízo – ou, pelo menos, preencher, por sua conta, determinada condição – para poder realizar o seu interesse em provocar a intervenção judicial. A taxa de justiça inicial é o paradigma de um ónus de acesso ao direito, nesse sentido rigoroso e próprio, porque implica que o recurso aos tribunais está condicionado ao pagamento de uma quantia pecuniária. Coisa bem diversa é a lei, sem impor qualquer ónus especial para que o impugnante discuta em juízo a validade de uma decisão sancionatória, estabelecer um ónus para que essa impugnação tenha por efeito a suspensão da execução da sanção. Nesse caso, que é aquele a que diz respeito a solução legal sob escrutínio, não se onera o acesso aos tribunais para que estes apreciem a justeza da condenação proferida e da sanção aplicada no procedimento contraordenacional; o que se onera é a obtenção de uma vantagem normalmente associada à impugnação judicial das decisões sancionatórias da Administração no âmbito de procedimento contraordenacional, mas que com ela indubitavelmente se não confunde – a suspensão da execução da sanção. Que tal ónus não diz respeito ao acesso à justiça, apenas aos seus efeitos imediatos na decisão recorrida, é o que o demonstra o facto de ele não impor qual- quer condição no recurso aos tribunais ou onerar a decisão propriamente dita de recorrer aos tribunais, mas apenas a realização do interesse – conexo, mas diverso, do interesse em aceder à justiça – de inibir a execução da sanção impugnada. Tanto é assim que se a decisão sancionatória não for impugnada, é certa a sua consolidação na ordem jurídica e consequente execução, pelo que não se pode afirmar que o efeito meramente devolutivo da impugnação judicial importe qualquer prejuízo adicional e específico para o impugnante, em matéria de acesso à justiça.  13. Nada no regime consagrado nos n. os  4 e 5 do artigo 46.º do RSSE restringe, pois, o direito à tutela jurisdi- cional efetiva, na vertente do direito de acesso aos tribunais. Porém, pode ainda assim representar – como sublinha a decisão recorrida – uma ablação do mesmo direito na vertente da efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, do direito a que a procedência da impugnação importe a reintegração, restauração ou reconstituição da situação juridicamente devida – a eliminação de todos os efeitos de facto da decisão inválida –, por oposição à mera vitória moral em juízo e ao efeito mitigador da tutela secundária ou por sucedâneo do lesado. Com efeito, a regra do efeito exclusivamente devolutivo da impugnação judicial não compromete a efetividade da tutela jurisdicional apenas quando a procedência daquela permite a reversão inte- gral dos efeitos da execução da sanção. Tal como a lei a consagra, porém, a regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial acautela, em princípio, o interesse do impugnante na efetividade da tutela jurisdicional. Fá-lo por três formas principais. Em primeiro lugar, limitando o âmbito de aplicação da regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial às decisões sancionatórias aplicativas de coima; constituindo as coimas sanções exclusivamente pecuniárias, e sendo o dinheiro um bem radicalmente fungível, a reconstituição da situação devida pode ser, na generalidade dos casos, eficazmente assegurada através da restituição da quantia paga pela entidade sancionada. Situam-se fora do âmbito deste regime, nomeadamente, as sanções acessórias cominadas através das alíneas  a ) e  b)  do n.º 1 do artigo 35.º do RSSE, cujos efeitos já produzidos, no momento do trânsito em julgado de sentença absolutória, são irreversíveis. Em segundo lugar, a lei estabelece que a ERSE deve, na determinação da medida da coima, atender, inter alia, à situação económica do visado no processo (artigo 32, n.º 1, alínea f ) do RSSE), o que tenderá a evitar situações em que a execução da sanção cause prejuízos cuja reparação não se satisfaça com a eventual restituição da quantia paga. Finalmente, a exceção à regra do efeito meramente devolutivo está prevista precisamente para os casos em que a execução da sanção cause à entidade sancionada prejuízo considerável, casos esses em que o pagamento imediato da coima obsta à efetividade da tutela jurisdicional que o visado procura assegurar através da impugnação da decisão

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