TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

996 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL consolidando no plano factual, e apesar da impugnação contenciosa, o eventual prejuízo do visado. A proce- dência do recurso, não evitará o prejuízo do recorrente nem assegurará a sua plena reparação. O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, toda- via, na atribuição legal,  per se , do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administrativa sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipatória da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos  prima facie . (…)».  Todavia, parece difícil negar que a (possibilidade de) execução imediata de uma sanção baseada em condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presun- ção de inocência. A extensão do princípio da presunção de inocência aos processos contraordenacionais implica que o arguido deve ser presumido inocente – o que significa, desde logo, que não deverá sofrer qualquer sanção punitiva –, até que se verifiquem umas de duas condições: a consolidação da condenação administrativa pelo facto da sua não impugnação dentro do prazo previsto na lei ou a confirmação da condenação administrativa no âmbito de recurso judicial interposto pelo arguido. A execução da sanção pressupõe a «culpa» do visado, a qual é inevitavelmente presumida sempre que a condenação encerre um juízo de responsabilidade que a ordem jurídica reputa provisório, ainda para mais quando seja proferido por uma entidade administrativa. Em suma, a solução legal permite que o arguido apenas provisoriamente condenado seja sujeito a tratamento idêntico ao do arguido cuja condenação é definitiva. Está claro que, como também se afirma no Acórdão n.º 674/16 – com base em jurisprudência constitucional pacífica –, a extensão das garantias em processo criminal ao domínio contraordenacional não obsta a que os inte- resses por elas protegidos sejam graduados em função da (menor) intensidade ablativa das sanções e na diferente ressonância social das infrações nesse domínio; e que, em virtude desse facto, se reconheça nesse âmbito uma mar- gem alargada de conformação legislativa. «10. A Constituição consagra o princípio da presunção da inocência no âmbito das garantias de defesa em processo criminal, estabelecendo, no n.º 2 do artigo 32.º, que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)». O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente que não existe um paralelismo automático entre os institutos e regimes próprios do processo penal e do processo contraordenacional, não sendo, por conseguinte, diretamente aplicáveis a este todos os princípios constitucionais próprios do processo criminal. Como ainda recentemente se afirmou no Acórdão n.º 373/15, no ponto 1 da Fundamentação, o «conteúdo das garantias processuais é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação. (…) no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor resso- nância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos con- traordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório (cfr., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 158/92, 50/99, 33/02, 659/06, 99/09 e 135/09)». De outro lado, o Tribunal tem também sublinhado que a inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal não invalida «a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matérias de processo penal» (Acórdão n.º 469/97, ponto 5, retomado no Acórdão n.º 278/99, ponto II. 2.).»

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