TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

997 acórdão n.º 776/19  A questão decisiva que cabe responder é se a compressão do direito à presunção de inocência que resulta do regime consagrado nos n. os  4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, é um meio excessivo para atingir os fins que através dele se prosseguem, nomeadamente a garantia do cumprimento das sanções e a dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório, fins esses que, por seu lado, se reconduzem aos interesses públicos associados à regulação eficaz dos mercados energéticos. Em suma, trata-se de saber se a solução adotada pelo legislador respeita os limites impos- tos pelo princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).  15. O princípio da proibição do excesso incide sobre medidas legislativas não liminarmente interditadas pela Constituição, e que prosseguem finalidades legítimas através de meios restritivos: finalidades legítimas, no sentido em que não são constitucionalmente proscritas; meios restritivos, porque implicam a ablação de direitos ou inte- resses fundamentais. É precisamente esse o caso do regime consagrado nos n. os  4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, que se destina a promover fins de interesse público constitucionalmente legítimos, através de um meio lesivo do direito à presunção de inocência dos arguidos em processo contraordenacional. Como reconhece, há muito, a jurisprudência constitucional (v., por todos, o Acórdão n.º 187/01), o prin- cípio da proibição do excesso analisa-se em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporcionalidade. O subprincípio da idoneidade determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor constitucional. O subprincípio da exigibilidade determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifí- cio desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional. É pacífica na jurisprudência constitucional, e não é sindicada pela decisão recorrida, a proposição de que a medida sob escrutínio é um meio idóneo à prossecução do interesse público na garantia do cumprimento das san- ções e na dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório (v. os Acórdãos n. os  376/16, 674/16 e 675/16). De resto, sempre que as finalidades de uma solução legal não sejam explicitadas pelo legislador – como é o caso –, sem que o intérprete deixe de as discernir através de um juízo de racionalidade instrumental, encontra-se, por regra, preenchido o requisito da idoneidade da medida. É o que revelam, no caso vertente, as seguintes palavras do Acórdão n.º 376/2016: «[a]ntecipa-se, sem dificuldade, que o legislador, na modelação do regime de impugnação das decisões sancionatórias proferidas por tais entidades administrativas, tenha ponderado a necessidade de confe- rir maior eficácia aos respetivos poderes sancionatórios…».   A controvérsia incide sobre a exigibilidade e a proporcionalidade da medida.  No Acórdão n.º 674/16, conclui-se pela desnecessidade da regra do efeito meramente devolutivo da impugna- ção judicial da decisão sancionatória aplicativa de coima: «[N]o caso, existem outras medidas que podem servir eficazmente de desincentivo ao recurso à impugna- ção judicial manifestamente infundada: desde logo, a consagração da  reformatio in pejus  (artigo 88.º, n.º 1, da LdC). Como salientado por José Lobo Moutinho, é «patente que essa admissão condiciona o exercício do direito ao recurso ou à impugnação, levando o arguido administrativamente condenado a ter medo de se pre- judicar com o recurso ou impugnação e criando-lhe, assim, uma forte inibição que o levará a evitar os recursos» (“A  reformatio in pejus  no processo de contraordenações”, in  Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva, vol. 1, Universidade Católica Editora, pp. 421-452, p. 437). (…)». Também a decisão recorrida considera a medida inexigível, argumentando, essencialmente, nos seguintes termos: «[A] execução antecipada das sanções, assente em desideratos cautelares e sem uma aferição concreta de um fundado receio de incumprimento, podendo ser eficaz, é demasiado gravosa. Efetivamente, o legislador dispunha de meios menos gravosos para atingir as referidas finalidades cautelares, designadamente por via de

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