TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

998 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL medidas de garantia patrimonial, semelhantes à caução económica prevista no artigo 227.º, do CPP e que assentam num fundado receio casuisticamente aferido.»  Todavia, há argumentos que parecem impor a conclusão contrária. Por um lado, a admissibilidade da  reformatio in pejus , consagrada no n.º 1 do artigo 50.º do RSSE, não pode ser vista como uma alternativa igualmente eficaz e menos lesiva à regra do efeito meramente devolutivo da impugna- ção judicial: quer seja porque ela surge, no quadro legal, não como uma solução alternativa, mas como uma medida suplementar ou cumulativa, para dissuadir a impugnação judicial; quer seja porque ela não permite alcançar outro dos desideratos da medida sob escrutínio, a garantia do cumprimento da sanção; quer seja, finalmente, porque é tudo menos evidente que se trate de uma medida menos lesiva do que a regra do efeito meramente devolutivo – sendo certo, em todo o caso, que é uma medida cujo alcance restritivo é de natureza diversa, atingindo, sobretudo, o direito de acesso aos tribunais. Neste contexto, de incerteza sobre a função, a eficácia e a lesividade relativas das medidas sujeitas a comparação, cabe respeitar a liberdade do legislador de adotar a solução que entenda necessária. Por outro lado, a solução alternativa proposta pelo Tribunal recorrido – o recurso a medidas de garantia patri- monial do cumprimento da sanção –, pese embora apta a prosseguir as finalidades cautelares ou de garantia da não suspensão da execução da sanção, não permite decerto alcançar, pelo menos com a eficácia pretendida pelo legisla- dor, o objetivo fundamental de dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Nestes termos, é impossível concluir que a regra do efeito meramente devolutivo é inexigível. Também parece ser de recusar a ideia, desenvolvida nos Acórdãos n. os  674/16 e 675/16, de que é dispensável às finalidades da medida a imposição da prestação de caução substitutiva como condição necessária da suspensão da execução da sanção. «[U]ma tal automaticidade – escreveu-se nesses arestos – não consente a devida ponderação circunstanciada do caso, designadamente para efeitos de avaliação da exigibilidade da prestação de uma caução de montante igual ao da coima para prevenção de eventuais perigos que se imponha acautelar e que podem encontrar mecanismo alternativo nas medidas provisórias.» Ora, nem a caução, como se referiu anteriormente, tem de revestir a forma de depósito em dinheiro da quantia que o visado foi condenado a pagar a título de coima – pelo que, nesse aspeto, nada há, no entendimento deste Tri- bunal, de «automático» na solução legal –, nem a substituição da imposição de prestação efetiva de coima por um regime «casuístico» permite alcançar o principal desiderato da medida, que é a regulação sistémica dos incentivos de agentes económicos que operam em mercados cujo bom funcionamento é do mais intenso interesse público, não apenas no âmbito nacional, mas no da União Europeia. A este último propósito, refira-se o primeiro conside- rando da Diretiva 2009/72/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade: «(…) [O] mercado interno da eletricidade, que tem sido progressivamente realizado na Comunidade desde 1999, visa proporcionar uma possibilidade real de escolha a todos os consumidores da União Europeia, sejam eles cidadãos ou empresas, criar novas oportunidades de negócio e intensificar o comércio transfronteiriço, de modo a assegurar ganhos de eficiência, preços competitivos e padrões de serviço mais elevados e a contribuir para a segurança do fornecimento e a sustentabilidade (…).»  O mesmo desiderato é afirmado, de modo substancialmente mais desenvolvido, na Comunicação da Comissão ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu, de 10 de janeiro de 2007, intitulada «Uma política da Energia para a Europa», onde se lê o seguinte: «(…) [A] União Europeia (UE) tem de enfrentar grandes desafios no domínio da energia, tanto em ter- mos de sustentabilidade e de emissões de gases com efeito de estufa, como de segurança do abastecimento e da dependência das importações, ou ainda de competitividade e da realização efetiva do mercado interno da energia. A definição de uma política europeia da energia impõe-se como a resposta mais eficaz a estes desafios, denominadores comuns ao conjunto dos Estados-Membros. (…) A conceção de um mercado interno da

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