TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

999 acórdão n.º 776/19 energia, a nível comunitário, pretende proporcionar aos consumidores uma escolha real, a preços equitativos e concorrenciais. No entanto, tal como sublinhado na comunicação sobre as perspetivas do mercado interno da energia e no inquérito sobre a situação da concorrência nos setores do gás e da eletricidade, a persistência de vários obstáculos impede a economia e os consumidores europeus de beneficiarem plenamente das vanta- gens da abertura dos mercados do gás e da eletricidade. Por conseguinte, é fundamental assegurar um verda- deiro mercado interno da energia.» Sobra a construção de um mercado integrado e interconectado de energia, observa-se que tal mercado «depende principalmente das trocas transfronteiriças de energia. Ora, estas trocas revelam-se por vezes complicadas devido à disparidade das normas técnicas nacionais e de uma conceção não uniforme das redes. Por conseguinte, é necessário estabelecer uma regulamentação eficaz a nível comunitário. Tratar-se-á, nomeadamente, de harmonizar os poderes e a independência dos reguladores da energia, de refor- çar a sua cooperação, de os obrigar a ter em conta o objetivo comunitário da realização do mercado interno da energia e de definir, a nível comunitário, os aspetos regulamentares e técnicos, assim como as normas de segurança comuns, necessárias às trocas transfronteiriças (…).»  De tudo isto decorre que também os pressupostos, sem dúvida exigentes, da suspensão da execução da decisão sancionatória, não se podem considerar, em termos gerais, inexigíveis ou desnecessários; traduzem, sim, a relevância atribuída pelo legislador ao regime-regra do efeito meramente devolutivo como um entre vários mecanismos regula- tórios destinados a repor a confiança da comunidade na eficácia da regulação e na capacidade do regulador. De resto – como se afirmou no Acórdão n.º 376/16 –, trata-se de «uma solução inspirada no regime previsto no artigo 278.º do [Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia], para os recursos interpostos no [Tribunal de Justiça da União Europeia], incluindo os recursos para a impugnação das decisões sancionatórias da Comissão Europeia.»  16. Resta determinar se a medida consagrada nos n. os  4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, viola o subprincípio da proporcionalidade, por implicar um meio cujo efeito lesivo não é justificado, tudo visto e ponderado, pelos fins a que se destina. A esta questão deve dar-se resposta negativa, também aqui em sentido divergente do decidido no Acórdão n.º 675/16. Na verdade, o sacrifício da presunção de inocência neste regime tem um desvalor constitucional mode- rado ou ligeiro, por múltiplas razões cumulativas: (i) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente (v., entre muitos outros, os Acórdãos n. os  158/92, 50/99, 33/02, 659/06, 99/209 e 135/09), as garantias de processo sancionatório – designa- damente, o direito à presunção de inocência – não têm, no domínio contraordenacional, o mesmo peso axiológico que têm no âmbito criminal, em virtude do diferente alcance ablativo das sanções cominadas e da diferente ressonância social das infrações; (ii) Tal peso é ainda diminuído pelo facto de, nos casos a que respeita a dimensão normativa aqui em causa, os visados não serem pessoas singulares, mas sociedades comerciais, sancionadas por factos praticados no âmbito de uma atividade desenvolvida em mercados densamente regulados, em virtude da premência das necessidades que satisfazem, da relevância económica da atividade que neles se desenvolve e da importância estratégica, no contexto nacional e europeu, da política que lhes diz respeito; (iii) Embora as condenações e sanções sejam decididas por uma entidade administrativa, trata-se de uma entidade independente, tanto no plano orgânico (impossibilidade de destituição discricionária), como no plano funcional (subtração ao domínio da superintendência ou tutela), pelo que a probabilidade de que a justeza da sua decisão venha a ser secundada por um órgão jurisdicional é, relativamente às situações abran- gidas pelo Regime Geral das Contraordenações, elevada (sobre a singularidade institucional das entidades administrativas independentes, v. o Acórdão n.º 376/16); (iv) A restrição do direito à presunção de inocência é mitigada pela exceção prevista para os casos em que a execução da sanção cause prejuízo considerável ao visado – a «válvula de escape do sistema», na expressão plástica do Acórdão n.º 376/16 –, precisamente aqueles casos em que é mais significativa a lesão à presun- ção de inocência associada à regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial; e

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