VI Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América
Jurisdição Constitucional e Jurisdição Ordinária
Elaborado por António Duarte Silva, assessor principal do Tribunal Constitucional
[Cartagena de Índias, Novembro de 2007]

 

 VI CONFERÊNCIA IBEROAMERICANA
DE JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
CARTAGENA DE INDIAS, Novembro de 2007

Questionário preparatório da Conferência Iberoamericana de Justiça Constitucional, que se celebrará em Cartagena de Indias.

 

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
E
JURISDIÇÃO ORDINÁRIA

 

I. O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA

1. Explique brevemente como se articulam a jurisdição ordinária e a constitucional.  No caso de não existir organicamente uma jurisdição constitucional especializada, explique brevemente que lugar ocupa a Sala Constitucional ou o organismo ad-hoc dentro da organização judicial.

Resposta:

O actual sistema português de fiscalização da constitucionalidade é original e complexo.

Os órgãos de fiscalização são, por um lado, o Tribunal Constitucional e, por outro, todos e cada um dos demais tribunais O Tribunal Constitucional tem o exclusivo da fiscalização preventiva, sucessiva abstracta e da inconstitucionalidade por omissão e, quanto à fiscalização concreta, julga em última instância os recursos das decisões de todos e cada um dos demais tribunais em matéria constitucional. Os tribunais comuns são também órgãos de justiça constitucional e decidem das questões de constitucionalidade levantadas em cada caso “sub judice”, e as suas decisões (positivas ou negativas) são sempre recorríveis para o Tribunal Constitucional, respeitados os pressupostos processuais.

Isto significa que o controlo concreto ou incidental da constitucionalidade e da legalidade de normas jurídicas pressupõe a existência de uma decisão judicial e de um recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional. Essa decisão judicial pode provir de qualquer tribunal (público ou arbitral).

O regime de fiscalização concreta abrange todas as normas do ordenamento jurídico e revela claramente a sua natureza mista, entre o sistema difuso tradicional em Portugal, e o sistema concentrado, de tipo austríaco, introduzido na Constituição de 1976. Diferentemente do que acontece com outros sistemas dotados de tribunal constitucional, em Portugal os tribunais comuns também têm acesso directo à Constituição, dispondo de competência plena para julgarem e decidirem as questões suscitadas; mas, diversamente dos sistemas de “judicial review”, as decisões dos tribunais da causa são recorríveis para o Tribunal Constitucional, que é exterior à jurisdição ordinária. O sistema é, pois, “difuso na base” e “concentrado no topo”.

Assim, diferentemente, do que sucede no modelo europeu - em que, por via de regra, os tribunais comuns não dispõem do poder de recusar a aplicação de normas por inconstitucionalidade, devendo remeter ou reenviar para o Tribunal Constitucional as questões de constitucionalidade que sejam suscitadas -, os tribunais portugueses decidem eles mesmos sobre a questão, podendo desaplicar as normas inconstitucionais (tal como acontece na “judicial review”). Todavia, as suas decisões são sempre recorríveis para o Tribunal Constitucional e só ele decide definitivamente os casos de desaplicação por inconstitucionalidade.

Sobre o controlo das normas

2. Podem todos os juízes e tribunais controlar por si sós a constitucionalidade das leis e de outras normas?

Resposta:

Sim, pois todos os tribunais portugueses (tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal de Contas e, eventualmente, os tribunais militares constituídos durante a vigência do estado de guerra) podem apreciar e decidir as questões de constitucionalidade que se suscitarem nos casos submetidos ao seu julgamento, devendo desaplicar as normas que considerem inconstitucionais (art. 204.º da Constituição).

Ou seja, a competência para julgar questões de constitucionalidade é reconhecida a todos os tribunais (arts. 204.º e 280.º, n.º 1, da Constituição), que podem apreciar, por impugnação das partes ou por iniciativa do próprio juiz, a eventual inconstitucionalidade das normas aplicáveis aos casos concretos submetidos ao seu julgamento. Todavia, há sempre possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional – recurso que, em alguns casos, é obrigatório para o Ministério Público-, cabendo a este Tribunal decidir definitivamente a questão. Mas a decisão continua a valer apenas para o caso que deu origem ao recurso.

3. Podem todos os juízes e tribunais ordinários suscitar dúvidas sobre a constitucionalidade das leis e/ou de outras normas perante o órgão de justiça constitucional?

Resposta:

Dúvidas os tribunais não podem suscitar nem, propriamente, recorrer oficiosamente ao Tribunal Constitucional. Porém, todas as decisões dos tribunais comuns sobre questões de constitucionalidade são sempre recorríveis para o Tribunal (pelo Ministério Público ou pelas partes) e, quando se trate de recusa de aplicação (por inconstitucionalidade) das normas mais importantes o recurso para o Tribunal Constitucional é mesmo obrigatório.

Sobre o controlo de sentenças e outras decisões judiciais

4. Pode-se impugnar de alguma maneira as sentenças e outras decisões dos juízes e tribunais perante o órgão de justiça constitucional (Corte Suprema, Sala Constitucional ou Tribunal Constitucional)? Explique brevemente esta impugnação.

Resposta:

O processo inicia-se pela apresentação de um requerimento de interposição de recurso, apresentado no tribunal “a quo” no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença de que se pretende recorrer. Em face do requerimento de interposição do recurso, o juiz deste tribunal “a quo” pode tomar uma de três atitudes: (1) admitir o recurso; (2) não admitir o recurso (podendo então o recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional); (3) convidar o recorrente a prestar os elementos em falta (requisitos formais do recurso).

Se não faltarem quaisquer elementos e o recurso for admitido pelo juiz “a quo”, o recurso sobe ao Tribunal Constitucional e, neste, o conselheiro-relator procede a um exame preliminar do processo. Realizado esse exame, pode tomar uma de três atitudes: (1) proferir “decisão sumária” a não admitir o recurso (decisão da qual cabe reclamação para a secção respectiva do Tribunal Constitucional); (2) proferir “decisão sumária” caso a questão a decidir seja simples (decisão da qual também cabe reclamação); (3) ordenar a produção de alegações por um prazo que é, em regra, de 30 dias.

Produzidas alegações, o mesmo conselheiro-relator deve elaborar um memorando ou projecto de acórdão, que deve acompanhar o processo quando este vai com vista, pelo prazo de 10 dias, a cada um dos demais juízes da secção. Esse memorando ou projecto de acórdão será objecto de discussão pelos juízes da secção e será a partir desse debate que se formará a decisão do Tribunal.

4.1 Através de que recurso ou acção?

Resposta:

Em Portugal, o controlo de constitucionalidade é um controlo de normas jurídicas. Por isso, o recurso é sempre um recurso de constitucionalidade, ou seja, insere-se, a título incidental, num processo em curso.

As normas em causa podem constar de lei ou de outros actos normativos do poder público e o Tribunal tem afirmado, através de uma reiterada jurisprudência, que o controlo de constitucionalidade é um controlo de normas, não um contencioso de decisões, seja qual for a sua natureza.

Mas, para efeitos de determinação do objecto do controlo, o Tribunal utiliza um conceito muito amplo de norma, recorrendo a um critério simultaneamente funcional e formal. Como vem referindo o Tribunal, em jurisprudência uniforme e constante, são “normas” quaisquer actos do poder público que contiverem uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de comportamento”. Trata-se, pois, de um conceito simultaneamente formal e funcional de norma, que não abrange somente os preceitos de natureza geral e abstracta, antes inclui quaisquer normas públicas, de eficácia externa, independentemente do seu carácter geral e abstracto ou individual e concreto. É de salientar ainda que, apesar de não existir em Portugal um instituto do tipo “queixa constitucional” (Verfassungsbeschwerde), “recurso de amparo” ou “acção constitucional de defesa” contra actos não normativos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem permitido, ainda que de forma lateral ou mitigada, alcançar alguns dos efeitos desse instituto, designadamente quando admite a sindicabilidade das normas com uma determinada interpretação - a interpretação acolhida na decisão recorrida. Na verdade, a questão de constitucionalidade tanto pode respeitar a uma norma (ou a uma parte dela) como também à interpretação ou sentido com que foi tomada no caso concreto e aplicada (ou desaplicada) na decisão recorrida.

Em traços gerais, encontram-se sujeitas ao controlo do Tribunal Constitucional as normas constantes de:

- tratados internacionais e acordos sob forma simplificada;

- actos legislativos ou com força de lei (leis da Assembleia da República, decretos-lei do Governo, decretos legislativos regionais);

- actos de natureza regulamentar (provenientes do Governo, dos governos regionais das regiões autónomas, dos órgãos de poder local, de certos magistrados administrativos, de certas pessoas colectivas públicas com poderes regulamentares, e mesmo de certas entidades não públicas, em certos casos, desde que lhes sejam atribuídos poderes normativos públicos).

4.2 Com que pressupostos e por que motivos?

Resposta:

A fiscalização concreta da constitucionalidade contempla, no essencial, dois tipos de recurso:

a)- o recurso das decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade;

b)- o recurso das decisões judiciais que apliquem norma arguida de inconstitucional pelas partes.

O Tribunal Constitucional tem considerado que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental. Nestes termos, a noção de interesse processual liga-se à ideia de utilidade da decisão da questão de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional para a decisão da questão principal (da exclusiva responsabilidade do tribunal “a quo”). Se a parte obteve ganho de causa quanto à questão de constitucionalidade, não possui, obviamente, qualquer interesse no recurso para o Tribunal Constitucional e, nessa medida, não dispõe de legitimidade. Por outro lado, o Tribunal vem afirmando que só deve conhecer de uma questão de constitucionalidade e pronunciar-se sobre a mesma quando esta se puder repercutir utilmente no julgamento do caso de que emergiu o recurso. Por isso, não haverá interesse processual, designadamente, se a decisão do recurso de constitucionalidade for útil apenas para prevenir futuros litígios ou para decidir esses litígios no caso de virem a eclodir

4.3 Qual é a regulação processual deste recurso ou acção?

a) Quem pode exercê-lo/la?

Resposta:

A legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, no âmbito do controlo concreto de constitucionalidade, vem definida na Lei do Tribunal Constitucional, segundo a qual podem recorrer:

a)- o Ministério Público;

b)- as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso.;

Existe, pois, uma legitimidade própria do Ministério Público na defesa objectiva da ordem constitucional, por um lado e, por outro, uma legitimidade dos particulares – pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras – que se afere pela lei reguladora do “processo-pretexto” (cível, laboral, criminal, etc.) de que emerge o recurso de constitucionalidade.

 

b) Contra que decisões pode ser exercido?

Resposta:

Nos termos da Constituição e da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso para o Tribunal Constitucional pode ter lugar em relação às decisões dos tribunais:

1)- que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade;

2)- que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;

3)- que apliquem norma que anteriormente tenha sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.

Para possuir legitimidade nos recursos de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo ou das decisões que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo é necessário suscitar a questão de constitucionalidade ou de ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal “a quo”. O Tribunal Constitucional tem afirmado que suscitar uma questão de constitucionalidade “durante o processo” é fazê-lo em momento anterior à “decisão final” do tribunal recorrido, ou seja, enquanto neste a causa ainda se encontrar “pendente”, mas existem situações excepcionais que levam a dispensar o recorrente do ónus da suscitação antecipada da questão de constitucionalidade. Por outro lado, a questão de constitucionalidade deve ser suscitada de forma clara e perceptível, de forma a que o tribunal “a quo” compreenda que tem de se pronunciar sobre ela. E, como é evidente, sendo o controlo de constitucionalidade um controlo de constitucionalidade de normas, a suscitação da inconstitucionalidade deve fazer-se por referência a normas jurídicas, não às decisões judiciais em si mesmas.

c) Qual é o prazo para exercê-lo/la?

Resposta:

Nos termos do artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, o prazo de interposição de recurso é de dez dias, contados da notificação da decisão, sendo este prazo aplicável a todos os recursos, independentemente da natureza dos processos ou da ordem dos tribunais em que tenha sido suscitada a questão de inconstitucionalidade. Este prazo suspende-se durante as férias judiciais, ainda que a questão surja em processos que na jurisdição de origem tem natureza urgente.

d) Que requisitos especiais de procedimento existem (esgotamento de recursos prévios, alegações de violação dentro do processo prévio, etc)

Resposta:

Em primeiro lugar, são condições de interposição do recurso das decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade:

- que a recusa de aplicação ocorra numa decisão judicial;

- que a recusa de aplicação tenha por objecto normas jurídicas;

- que a decisão recorrida haja efectivamente recusado a aplicação de uma norma (ou normas) com fundamento em inconstitucionalidade;

A recusa de aplicação pode ser feita implícitamente, sendo irrelevante que a decisão recorrida qualifique ou não o vício como de inconstitucionalidade, pois que essa qualificação pertence ao próprio Tribunal Constitucional. Por outro lado, só são recorríveis as decisões em que o tribunal “a quo” recusou efectivamente a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Não são, assim, recorríveis as “falsas” recusas de aplicação de normas jurídicas, isto é, aquelas em que o tribunal “a quo” se limitou a formular um juízo de inconstitucionalidade de uma norma jurídica mas não afastou a sua aplicação ao caso. Nesse caso, o juízo de inconstitucionalidade representa um simples “obiter dictum” ou uma mera opinião “ad ostentationem” em matéria de constitucionalidade sem qualquer relevância para a economia da decisão recorrida. Esta conclusão é, afinal, corolário da ideia da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade. Em contrapartida à recusa de aplicação equivale a recusa de aplicabilidade: é suficiente que o juiz tenha admitido a possibilidade de uma norma ser aplicável ao caso, afastando essa hipótese em virtude de a considerar inconstitucional.

Em segundo lugar, são condições específicas do recurso das decisões judiciais que apliquem norma arguida de inconstitucional pelas partes:

- que a aplicação ocorra numa decisão judicial;

- que essa aplicação tenha por objecto normas jurídicas;

- que a decisão recorrida haja aplicado a norma (ou normas) arguida de inconstitucional;

- que o recorrente haja suscitado a questão de constitucionalidade “durante o processo”;

- que se verifique uma exaustão dos recursos ordinários;

- que o recurso possua viabilidade, ou seja, que não se configure como manifestamente infundado;

- que o recorrente seja a mesma parte que preliminarmente haja suscitado a questão de constitucionalidade;

No que se refere, especialmente, ao esgotamento dos recursos ordinários, este pressuposto visa que o Tribunal Constitucional só seja chamado a reapreciar decisões que constituam a última palavra dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que as tomou, por forma a não facilitar o levantamento gratuito de questões de inconstitucionalidade e de modo a poupar a intervenção desnecessária do Tribunal.

4.4 Que efeitos tem a decisão do órgão de justiça constitucional?

a) O órgão de justiça constitucional anula directamente a decisão judicial revista?

Resposta:

Não, pois o Tribunal Constitucional não aprecia (directa e imediatamente) a decisão judicial.

b) O órgão de justiça constitucional anula directamente a decisão judicial revista e profere uma nova?

Resposta:

Não, pois o Tribunal Constitucional não aprecia (directa e imediatamente) a decisão judicial.

c) O órgão de justiça constitucional anula directamente a decisão judicial revista e ordena ao juiz ou tribunal ordinário que profira uma nova decisão de acordo com a sentença de conbstitucionalidade?

Resposta:

Sim. A competência do Tribunal Constitucional restringe-se sempre à questão de constitucionalidade e, na fiscalização concreta, as suas decisões são unicamente obrigatórias no caso (eficácia “inter partes”). Assim, o Tribunal Constitucional pode ou confirmar a decisão recorrida ((se concordar com a posição nela tomada quanto à questão de constitucionalidade) ou revogar a decisão recorrida (se discordar da posição nela tomada quanto à questão de constitucionalidade).

Neste último caso, isto é, se der provimento ao recurso, o Tribunal revoga a decisão recorrida e os autos baixarão ao tribunal “a quo”, a fim de que este reforme a decisão (ou, se se tratar de um tribunal superior, a reforme ou mande reformar), agora em conformidade com o julgamento sobre a questão de constitucionalidade, ou seja, como se diz no Acórdão n.º 223/05, «a execução de qualquer acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional implica o reexercício do poder jurisdicional pelo tribunal “a quo” em conformidade com o que, sobre a compatibilidade constitucional da norma aplicável, tenha sido definido no processo pelo próprio Tribunal Constitucional».

As decisões do Tribunal Constitucional fazem, no respectivo processo, caso julgado formal, impedindo que a questão venha a ser retomada de novo nesse processo quando não possa mais ser impugnada (por exemplo, através de arguição de nulidade em certo prazo). Por outro lado, a decisão do Tribunal constitui caso julgado material no processo quanto à questão de constitucionalidade suscitada.

Além disso, se o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa. Isto quer dizer que o Tribunal Constitucional pode adoptar uma interpretação da norma com um sentido diferente daquele com que a norma foi interpretada e aplicada pelo tribunal recorrido, chegando por isso a conclusão diversa sobre a constitucionalidade da norma. O tribunal recorrido fica obrigado a seguir essa interpretação no processo em causa.

d) O órgão de justiça constitucional ordena ao juiz ou tribunal ordinário que proferiu a decisão que a anule e profira uma nova decisão de acordo com a sentença de constitucionalidade?

Resposta:

Não, pois o Tribunal Constitucional apenas se pronuncia, a título incidental sobre a constitucionalidade da norma relevante para a situação na sua aplicação ao caso “sub judice”, não sobre a questão controvertida em si mesma.

4.5 Qual a percentagem aproximada de casos nos quais o órgão de justiça constitucional conhece da constitucionalidade de decisões judiciais em relação ao número total de casos que deve resolver num ano?

Resposta:

O quadro estatístico dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional nos últimos três anos (excluindo, todavia, as chamadas “decisões sumárias” que foram, respectivamente, 555 em 2004, 417 em 2005, e 592 em 2006), é o seguinte:

- em 2004, para um total de 725 acórdãos, o Tribunal julgou 558 recursos de constitucionalidade e, dentro destes últimos, apreciou a questão de mérito em 243 acórdãos;

- em 2005, para um total de 723 acórdãos, o Tribunal julgou 506 recursos de constitucionalidade e, dentro destes últimos, apreciou a questão de mérito em 195 acórdãos;

- em 2006, para um total de 711 acórdãos, o Tribunal julgou 551 recursos de constitucionalidade e, dentro destes últimos, apreciou a questão de mérito em 197 acórdãos.

A percentagem das decisões de mérito do Tribunal Constitucional, em recursos de constitucionalidade relativamente ao total de acórdãos proferidos em fiscalização concreta (excluindo quer os recursos de constitucionalidade em que se limitou a apreciar questões processuais, quer, ainda, as chamadas “decisões sumárias”) é a seguinte:

- em 2004, a percentagem é de 33,51%;

- em 2005, a percentagem é de 26,97%;

- em 2006, a percentagem é de 27,70%.

II. RELAÇÃO ENTRE A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A JURISDIÇÃO ORDINÁRIA

5. A jurisdição ordinária participa na designação e/ou composição do órgão de justiça constitucional, e nesse caso, de que maneira?

Resposta:

Quanto à composição do Tribunal Constitucional, seis dos seus treze juízes têm de ser obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos tribunais (e os restantes sete entre juristas); quanto à designação, dez juízes são eleitos pelo Parlamento (a Assembleia da República), por maioria qualificada de dois terços; por seu turno, cabe a estes dez juízes cooptar os três restantes; o mandato é, em qualquer caso, de nove anos e não renovável.

A qualidade de juiz não é, assim, indiferente na perspectiva da composição do Tribunal Constitucional, mas trata-se de um relacionamento pessoal e não orgânico pois não é possível adquirir a qualidade de juiz do Tribunal Constitucional através das formas normais de progressão na carreira da magistratura judicial ou por inerência de funções desempenhadas em outros tribunais.

6. Tem havido conflitos entre a jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária? Explique brevemente, nesse caso, os possíveis conflitos.

Resposta:

A intervenção do Tribunal Constitucional não se faz, a título prejudicial, mediante o pedido formulado por um outro tribunal para que aprecie determinada questão de constitucionalidade, como acontece com o mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 234º do Tratado de Roma. Não existe assim qualquer possibilidade de “diálogo entre juízes”. No âmbito dos processos de fiscalização concreta, as questões de constitucionalidade são colocadas ao Tribunal Constitucional em via de recurso das decisões judiciais, interposto pelos particulares ou pelo Ministério Público, não podendo o juiz da causa suscitar oficiosamente qualquer questão de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional.

As decisões do Tribunal Constitucional não constituem precedente vinculativo para as restantes jurisdições, mas, nem por isso deixam de estar consagrados no direito constitucional português mecanismos tendentes a assegurar, no âmbito dos processos de fiscalização concreta, uma uniformização de jurisprudência quanto às decisões de inconstitucionalidade proferidas pelos vários tribunais e pelo próprio Tribunal Constitucional. Assim, se o Tribunal Constitucional tiver considerado inconstitucional uma certa norma, e se posteriormente um outro tribunal aplicar essa norma, há recurso obrigatório dessa decisão para o próprio Tribunal Constitucional. Além disso, se uma norma tiver sido julgada inconstitucional em três casos concretos, o Tribunal Constitucional pode vir a declará-la inconstitucional, com força obrigatória geral.

No que toca à questão de saber em que medida, no domínio dos processos de fiscalização concreta, os restantes tribunais acatam as decisões do Tribunal Constitucional, reformando as suas decisões em conformidade com o decidido por este quanto à questão de constitucionalidade, as decisões do Tribunal Constitucional revestem a força de caso julgado no processo quanto à questão de constitucionalidade que nele tenha sido suscitada. Apesar de se poder afirmar, de um modo geral, que a aceitação da jurisprudência do Tribunal Constitucional e o acatamento das suas decisões pelos tribunais recorridos se tem feito sem grandes dificuldades, não pode deixar de se reconhecer a existência de situações em que tal não se verifica, sobretudo quando o Tribunal procede à fixação da interpretação da lei conforme à Constituição num caso concreto..

No que respeita de um modo especial à questão do acatamento das decisões do Tribunal Constitucional pelo tribunal recorrido no domínio de um processo de fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal tem admitido recursos de constitucionalidade quando, tendo revogado a decisão do tribunal “a quo” e tendo-a mandado reformular em harmonia com o por si decidido quanto à questão de constitucionalidade, se venha a verificar um desrespeito daquilo que foi por si decidido quanto a esta questão. Existe, assim, a possibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento em violação de caso julgado relativo a decisão por ele anteriormente proferida. Ainda, no recente Acórdão n.º 223/05, o Tribunal Constitucional reiterou que «pode conhecer do eventual incumprimento do seu Acórdão n.º 379/04, pois não só é o tribunal competente para decidir definitivamente sobre a sua própria competência, como é de conhecimento oficioso a violação de caso julgado», pelo que em consequência, determinou o cumprimento integral do julgamento sobre a questão de constitucionalidade constante do em acórdão em causa.

III. COMENTÁRIOS ADICIONAIS

7. Junte qualquer informação que considere oportuna.  Podem resultar especialmente úteis para o debate, as reflexões sobre as virtudes e os riscos de cada modelo.