Conferências da Justiça Constitucional da Ibero-América

I Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América
Os orgãos de fiscalização da Constitucionalidade: funções, competências, organização e papel no Sistema Constitucional perante os demais poderes do Estado
Relatório do Tribunal Constitucional Português
Elaborado pelo Juiz Conselheiro Armindo Ribeiro Mendes (com a colaboração da Dra. Ana Paula Ucha, assessora do tribunal)

[Lisboa, Sala do Senado da Assembleia da República, 10-14 de Outubro de 1995]


I. Órgãos da Justiça Constitucional

1. Origens e antecedentes históricos, jurídicos e políticos

A. Introdução

A apreciação do tema dos órgãos da justiça constitucional exige algumas considerações prévias quanto às origens e antecedentes históricos, jurídicos e políticos do controlo jurisdicional da constitucionalidade das leis em Portugal.

Estruturado pela Constituição da República de 1976, o actual sistema de fiscalização da constitucionalidade resulta fundamentalmente das alterações nela introduzidas pela primeira revisão constitucional de 1982, aprovada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, que extinguiu o Conselho da Revolução e instituiu uma verdadeira e própria jurisdição constitucional autónoma: o Tribunal Constitucional.

As Constituições da Monarquia liberal portuguesa do Século XIX (Constituições de 1822 e 1838 e Carta Constitucional de 1826) não previam qualquer forma de apreciação da constitucionalidade das leis pelos tribunais, muito embora a questão tivesse sido discutida no voltar do século, a propósito dos decretos ditatoriais [1] ou decretos com força de lei dimanados do Governo, estando as Cortes dissolvidas, e que estas posteriormente confirmavam através da votação do bill de indemnidade.

Nos dois textos constitucionais anteriores à Constituição de 1976 (Constituições de 1911 e de 1933), já se encontram alguns exemplos de modalidades de garantia contenciosa da Constituição.

B. A Fiscalização da Constitucionalidade das Leis no período anterior à Constituição de 1976

A primeira Constituição republicana - a Constituição de 1911 - veio consagrar expressamente, pela primeira vez, o princípio do controlo jurisdicional da constitucionalidade das leis. Segundo o artigo 63º dessa Constituição, «o Poder Judicial, desde que, nos feitos submetidos a julgamento, qualquer das partes impugnar a validade da lei ou dos diplomas emanados do poder executivo ou das corporações com autoridade pública, que tiverem sido invocados, apreciará a sua legitimidade constitucional ou conformidade com a Constituição e princípios nela consagrados». Acolhia-se, assim, um sistema difuso ou não concentrado de fiscalização de constitucionalidade das leis, confiado à generalidade dos tribunais ordinários no quadro dos casos concretos que houvessem de decidir [2], por influência da Constituição norte-americana e da Constituição brasileira de 1891.

A Constituição de 1933, expressão normativa do regime corporativo que ficou conhecido como «Estado Novo», não aboliu por completo o princípio da fiscalização judicial da constitucionalidade das leis.

O texto que entrou em vigor em 11 de Abril de 1933 continuava a estabelecer, no seu artigo 122º, que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar leis, decretos ou quaisquer outros diplomas que infrinjam o disposto nesta Constituição ou ofendam os princípios nela consignados». Todavia, os §§ 1º e 2º restringiam fortemente a extensão do princípio, na medida em que atribuíam em exclusivo à Assembleia Nacional, composta por deputados indicados pelo partido único, a apreciação da constitucionalidade formal e orgânica das regras de direito emanadas dos órgãos de soberania. Caso viesse a ser decretada a inconstitucionalidade de normas por este órgão parlamentar, por sua iniciativa ou do Governo, a mesma Assembleia Nacional tinha o poder de determinar os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa, porém, das situações criadas pelos casos julgados.

A revisão constitucional de 1971 manteve o sistema primitivo, embora se previsse no § 1º do artigo 123º a possibilidade de a lei concentrar em algum ou alguns tribunais a competência para a apreciação da inconstitucionalidade de normas, nos casos não reservados à Assembleia Nacional, podendo então conferir às decisões desses tribunais força obrigatória geral [3].

Relativamente à prática constitucional, a fiscalização da constitucionalidade das leis no Estado corporativo não teve qualquer relevância, sendo muito raros os casos de desaplicação de uma norma pelos tribunais judiciais com fundamento em inconstitucionalidade material [4].

C. A Fiscalização da Constitucionalidade das Leis após a Revolução de 25 de Abril de 1974

Deposto o regime político anterior com a Revolução de 25 de Abril de 1974, levada a cabo pelo Movimento das Forças Armadas, que entregou o poder a uma Junta de Salvação Nacional, e aberto um novo ciclo institucional na história política e social portuguesa, encetou-se o processo constituinte que havia de conduzir à Constituição de 1976.

As leis constitucionais provisórias publicadas depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, quer da iniciativa da Junta de Salvação Nacional, quer posteriormente do Conselho da Revolução (a partir de Março de 1975), limitaram se a fazer referência a uma fiscalização política da constitucionalidade, sem nada disporem acerca da fiscalização jurisdicional, muito embora permanecesse em vigor o artigo 123º da Constituição de 1933, por força da ressalva feita pelo artigo 1º da Lei nº 3/74, de 14 de Maio, continuando confiada genericamente aos tribunais a fiscalização da constitucionalidade das leis, agora sem a limitação decorrente da reserva da fiscalização da constitucionalidade formal e orgânica de certas normas à Assembleia Nacional, constante do regime precedente.

A partir de 1975, a Assembleia Constituinte ocupou se da redacção da Constituição da República Portuguesa, tendo os partidos celebrado com o Movimento das Forças Armadas um compromisso que se destinava a ter tradução na Lei Fundamental, não só em matéria doutrinária, com a aceitação do princípio socialista, mas também em matéria de organização dos órgãos de soberania durante um período de transição de três a cinco anos (Primeira Plataforma ou Pacto Constitucional de 13 de Abril de 1975) [5].

O Primeiro Pacto entendeu reduzir drasticamente a fiscalização jurisdicional, numa linha de acumulação do poder no Conselho da Revolução e de esvaziamento da função normativa da Constituição, bem como de desconfiança perante a magistratura. Ao Conselho da Revolução, órgão político-militar, passaria, por regra, a competir deliberar sobre a inconstitucionalidade das leis e outros diplomas legislativos e aos tribunais apenas era deixado o poder de conhecer da respectiva inconstitucionalidade formal [6].

Mas o novo sistema de fiscalização da constitucionalidade só veio a ser definitivamente delineado quase um ano depois, quando foi celebrado entre o Movimento das Forças Armadas e cinco partidos representados na Assembleia Constituinte o Segundo Pacto ou a Segunda Plataforma de Acordo Constitucional, em 26 de Fevereiro de 1976 [7]. Ficou, então, definido que o Conselho da Revolução continuaria a ser um órgão de soberania com funções de fiscalização da constitucionalidade das leis, quer de forma preventiva, quer de forma sucessiva ou repressiva, e ainda de recomendação da publicação de normas necessárias ao cumprimento das normas constitucionais, de forma a evitar se a inconstitucionalidade por omissão. No Segundo Pacto surgiu pela primeira vez a referência a uma Comissão Constitucional, órgão de consulta obrigatória pelo Conselho da Revolução no domínio da fiscalização da inconstitucionalidade por acção ou omissão no plano abstracto e com funções de tribunal de recurso em última instância em questões de constitucionalidade.


D. A Fiscalização da Constitucionalidade das Leis na Constituição de 1976 até à Primeira Revisão Constitucional (1982)

O texto primitivo da Constituição da República Portuguesa de 1976 vigorou até 30 de Outubro de 1982. Nessa data, entrou em vigor a Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, que aprovou a primeira revisão constitucional. E, na mesma data, extinguiu-se o Conselho da Revolução. A Comissão Constitucional manteve-se até à entrada em funcionamento do Tribunal Constitucional, o que ocorreu em 6 de Abril de 1983 [8].

O Título I da Parte IV da Constituição de 1976, sob a epígrafe Garantia da Constituição, regulava, no seu Capítulo I, a matéria de fiscalização da constitucionalidade e, no seu Capítulo II, a Comissão Constitucional (artigos 277º a 285º).

O Conselho da Revolução, enquanto órgão de soberania, estava previsto nos artigos 142º a 149º da Constituição. Desempenhava funções de órgão de conselho do Presidente da República e de garante não só do regular funcionamento das instituições democráticas como do cumprimento da Constituição e de fidelidade ao espírito da Revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974 (artigo 142º). Em matéria militar, desempenhava as funções de órgão político e legislativo. O Conselho da Revolução era composto pelo Presidente da República e por diferentes entidades militares (o Chefe e Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, o Primeiro-Ministro, quando fosse militar, e catorze oficiais, sendo oito do Exército, três da Força Aérea e três da Armada, designados pelos respectivos ramos das Forças Armadas). Era assim um órgão político-militar que representava o Movimento das Forças Armadas na organização do Estado. O artigo 3º, nº 2, da Constituição falava em participação do MFA «em aliança com o povo, no exercício da soberania».

Nos termos do artigo 146º da Constituição de 1976, competia ao Conselho da Revolução, nas suas funções de garante do cumprimento da Constituição:

a) Pronunciar-se, por iniciativa própria ou a solicitação do Presidente da República, sobre a constitucionalidade de quaisquer diplomas, antes de serem promulgados ou assinados (fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por acção);
b) Velar pela emissão das medidas necessárias ao cumprimento das normas constitucionais, podendo para o efeito formular recomendações (fiscalização da inconstitucionalidade por omissão);
c) Apreciar a constitucionalidade de quaisquer diplomas publicados e declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281º (fiscalização abstracta sucessiva da inconstitucionalidade por acção).

No desempenho destas funções, o Conselho da Revolução carecia sempre de solicitar o parecer, embora meramente consultivo, da Comissão Constitucional.

A Comissão Constitucional foi o primeiro órgão específico de garantia da Constituição, instituído apenas para esse efeito, e a sua composição era análoga à composição corrente dos tribunais constitucionais.

Era um órgão presidido por um membro do Conselho da Revolução, por este designado, que dispunha de voto de qualidade, e por mais oito membros, tendo quatro de ser juízes de carreira (um designado pelo Supremo Tribunal de Justiça e três pelo Conselho Superior de Magistratura, dos quais um seria juiz de tribunal de segunda instância e dois juízes de tribunais de primeira instância) e sendo os restantes quatro cidadãos de reconhecido mérito, um designado pelo Presidente da República, um pela Assembleia da República e dois pelo Conselho da Revolução (artigo 283º). Todos os membros da Comissão Constitucional eram «independentes e inamovíveis e, quando no exercício de funções jurisdicionais», gozavam de garantias de imparcialidade e da garantia de irresponsabilidade própria dos juízes (artigo 283º, nº 3).

Não se tratava, no entanto, de um tribunal constitucional. Em primeiro lugar, porque desempenhava funções auxiliares de outro órgão. Em segundo lugar, porque, mesmo enquanto tribunal com concentração de competência em matéria de inconstitucionalidade (fiscalização concreta), aquela Comissão não estava investida de um poder exclusivo e genérico de decidir em última instância sobre a inconstitucionalidade de normas jurídicas.

Quanto ao sistema de fiscalização da constitucionalidade das normas traçado na Constituição de 1976, importa distinguir entre a fiscalização de normas no plano preventivo e no plano sucessivo ou a posteriori abstracto, isto é, a fiscalização de inconstitucionalidade abstracta por acção, por um lado, e a fiscalização sucessiva concreta da inconstitucionalidade por acção, por outro. Nos primeiros casos, a apreciação da inconstitucionalidade cabia ao Conselho da Revolução, depois de ouvido o parecer da Comissão Constitucional. No segundo caso, a fiscalização de constitucionalidade cabia a todos os tribunais, nos termos do artigo 207º da Constituição, segundo o qual «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas inconstitucionais, competindo-lhes, para o efeito, e sem prejuízo do disposto no artigo 282º, apreciar a existência da inconstitucionalidade». Na fiscalização concreta, porém, não se mantinha em toda a sua extensão o carácter difuso da fiscalização de constitucionalidade, diferentemente do que sucedia na Constituição de 1911. A decisão de qualquer tribunal que se recusasse a aplicar uma norma constante das principais fontes de direito (lei, decreto-lei, decreto regulamentar, decreto regional ou diploma equiparável), com fundamento em inconstitucionalidade, era susceptível de recurso gratuito, obrigatório quanto ao Ministério Público, e restrito à questão de inconstitucionalidade, a interpor para a Comissão Constitucional, a qual julgaria, como tribunal de última instância e de forma definitiva, o caso concreto. O artigo 282º da Constituição exigia que, neste caso, estivessem esgotados os recursos ordinários que no caso coubessem. Havia ainda lugar a recurso para a Comissão Constitucional relativamente às decisões dos tribunais que aplicassem uma norma anteriormente julgada inconstitucional por aquela Comissão. No que toca às decisões dos tribunais que julgassem inconstitucionais normas de fontes de direito hierarquicamente inferiores, eram as mesmas irrecorríveis para a Comissão Constitucional (artigo 282º, nº 3) [9].

A fiscalização preventiva de constitucionalidade incidia sobre todos os diplomas (decretos da Assembleia da República, decretos do Governo e decretos de aprovação de tratados internacionais) destinados a ser promulgados ou assinados pelo Presidente da República. A iniciativa cabia ao Conselho da Revolução ou ao Presidente da República (artigo 277º). No caso de o Conselho da Revolução se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma ou normas de qualquer diploma enviado para promulgação ou assinatura, o Presidente da República devia exercer o direito de veto. Só quanto aos decretos da Assembleia da República se previa a possibilidade de promulgação, desde que este órgão aprovasse de novo o diploma vetado por inconstitucionalidade por maioria de dois terços dos deputados presentes (artigo 278º, nº 2). Havia ainda fiscalização preventiva da constitucionalidade dos decretos regionais da Madeira e Açores por iniciativa do Ministro da República (artigo 235º, nº 4).

Quanto à inconstitucionalidade por omissão, a iniciativa cabia apenas ao Conselho da Revolução, depois de ouvida a Comissão Constitucional, através de recomendação aos órgãos legislativos para emissão em tempo razoável das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais (artigo 279º). Durante a vigência da versão primitiva da Constituição, o Conselho da Revolução fez apenas duas recomendações, em matéria de fiscalização de inconstitucionalidade por omissão [10].

A fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade por acção constituíu a área de maior actividade do Conselho da Revolução. Competia ao Conselho da Revolução, depois de obtido parecer da Comissão Constitucional, a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de quaisquer normas, precedendo solicitação do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, do Provedor de Justiça, do Procurador-Geral da República ou, nos casos previstos no nº 2 do artigo 229º, das assembleias regionais dos Açores e Madeira, as duas regiões autónomas previstas na Constituição (artigo 281º). Além disso, o Conselho da Revolução poderia declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de uma norma julgada inconstitucional em três casos concretos pela Comissão Constitucional.


E. Relações entre o Conselho da Revolução e a Comissão Constitucional

Entre 1976 e 1982, o Conselho da Revolução permaneceu substancialmente inalterado na sua composição, nomeadamente por não ter ocorrido qualquer substituição entre os catorze oficiais representantes dos três ramos das Forças Armadas, apesar de dois deles terem passado a desempenhar outras funções. Já a Comissão Constitucional conheceu várias substituições entre os seus oito vogais, quer em virtude de renúncias, quer por motivo de termo normal dos respectivos mandatos.

Salvo uma ou outra dificuldade, foi satisfatória a articulação entre o Conselho da Revolução e a Comissão Constitucional, com um realce crescente do papel desta última.

No domínio da fiscalização abstracta, de carácter preventivo ou sucessivo, de um modo geral, o Conselho da Revolução seguiu o parecer dado pela Comissão Constitucional. Durante a sua existência, a Comissão Constitucional foi chamada a elaborar 213 pareceres. Relativamente a 200, o Conselho da Revolução veio a deliberar em conformidade com o parecer da Comissão. Só em 13 casos, isto é em 6,1% do total, aquele órgão político-militar se afastou da orientação da Comissão Constitucional, isto é, não seguiu na totalidade as conclusões desses pareceres. E valerá a pena referir que, relativamente a esses 13 casos, apenas 10 revelaram a existência de um afastamento significativo da maioria da Comissão, nomeadamente em assuntos politicamente candentes. Por outro lado, em 8 dos 13 casos referidos em que o Conselho da Revolução divergiu da opinião da Comissão Constitucional, os pareceres desta foram tirados por 5 votos contra 4.

Nos apontados casos de divergência, importará destacar que em alguns deles estavam em causa problemas de ordem eminentemente militar ou que tinham a ver com o passado recente e as repercussões do processo político sobre a instituição militar. Assim, a propósito de diplomas anteriores à Constituição de 1976 que puniam os militares implicados em movimentos revolucionários (de 11 de Março e de 25 de Novembro de 1975), o Conselho da Revolução entendeu em 1978, no seguimento da opinião minoritária da Comissão, que carecia de competência para declarar a inconstitucionalidade de normas individuais e concretas [11], embora tivesse declarado inconstitucionais normas de carácter geral e abstracto desses diplomas. Em 1981, o Conselho da Revolução absteve-se de declarar a inconstitucionalidade orgânica e material de normas de diplomas legais emanados do próprio Conselho da Revolução sobre exercício de direitos sindicais nos estabelecimentos fabris das Forças Armadas ou de regulamentos de autoridades da hierarquia militar, não obstante o parecer no sentido da inconstitucionalidade material de uma delas recolher o voto de sete dos membros da Comissão, incluindo o respectivo presidente [12]. Por último, em finais de 1981, o Conselho da Revolução não se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas de um decreto-lei aprovado por aquele órgão e que extinguia o Fundo de Defesa Militar do Ultramar (fundo financeiro criado no anterior regime e que era gerido pela hierarquia militar), não obstante ter havido sete votos no sentido da declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º do diploma.

O Conselho da Revolução agiu, assim, de um modo geral com prudência e seguiu na esmagadora maioria dos casos o parecer da Comissão Constitucional, funcionando como um importante factor na democratização da vida institucional do regime e na construção da autonomia regional dos Açores e Madeira.

Quanto à fiscalização preventiva de diplomas do Governo ou da Assembleia da República, refira-se que nos seis anos de funcionamento do Conselho da Revolução, este órgão tomou tal iniciativa 35 vezes e o Presidente da República 29, correspondendo os diplomas sujeitos a fiscalização preventiva a cerca de 1,5% dos 4.060 diplomas enviados para promulgação ou assinatura do Presidente da República entre 1976 e 1982. Saliente-se que a consequência do juízo de inconstitucionalidade na fiscalização preventiva era a inutilidade de todo o diploma [13].


F. A Comissão Constitucional e a Fiscalização Concreta

A Comissão Constitucional foi um órgão de natureza inovadora no ordenamento jurídico português, prenunciando a criação de um Tribunal Constitucional. Na opinião jurídica nacional portuguesa, houve quem se insurgisse contra a solução de concentrar nas mãos de um órgão com funções consultivas do Conselho da Revolução, e presidido por um oficial das Forças Armadas membro desse mesmo Conselho, o poder de julgar em última instância as questões de inconstitucionalidade, ainda que tivessem sido objecto de decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. A verdade, porém, é que não houve qualquer rejeição da Comissão Constitucional por parte dos tribunais judiciais ou dos tribunais do contencioso administrativo, nem se verificaram conflitos graves entre esses órgãos [14].

Entre 1977 e 1983, a Comissão Constitucional proferiu 481 acórdãos, versando um número reduzido (cerca de 10%) de questões diferentes. Os recursos provinham dos tribunais judiciais, do contencioso administrativo e dos próprios tribunais militares. Como a Comissão só conhecia de casos em que o tribunal recorrido havia já julgado a norma como inconstitucional, verificou-se que a grande maioria dos processos se referia a questões relativas à organização, funcionamento e competência dos tribunais ou a questões de natureza processual com aquelas correlacionadas.

Ao nível da fiscalização concreta, a generalidade das decisões foi aprovada por unanimidade ou por significativas maiorias. Raras vezes as decisões da Comissão Constitucional em sede de fiscalização concreta tiveram repercussão pública.

As virtualidades do sistema de fiscalização da constitucionalidade no primeiro período de vigência da Constituição de 1976, tornaram inevitável a criação de um Tribunal Constitucional após a primeira revisão da Constituição, o qual veio a herdar as competências do Conselho da Revolução e da Comissão Constitucional na matéria, integrando o novo órgão seis antigos membros da Comissão.


G. O Tribunal Constitucional

O Tribunal Constitucional «ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (artigo 223º da Constituição na versão em vigor), criado na primeira revisão constitucional (1982), foi constituído em 6 de Abril de 1983, data em que tomaram posse os seus 13 juízes, 10 eleitos pela Assembleia da República e 3 cooptados pelos juízes. Como se tratou da primeira composição do Tribunal Constitucional, a Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, determinou que a posse de todos os juízes ocorreria simultaneamente, não obstante os juízes eleitos terem sido investidos por direito próprio na função de cooptarem os três restantes (artigo 246º, nºs 1 e 2).

Em Agosto de 1989, houve uma recomposição integral do Tribunal, no final do primeiro sexénio, tendo transitado para a actual composição cinco dos dez juízes em funções nesse momento [15].

Na versão da Constituição resultante da primeira revisão constitucional (1982), o Tribunal Constitucional era elencado no Título V da Parte II, consagrado aos Tribunais, aparecendo indicado como o primeiro entre as diferentes categorias de Tribunais (artigo 212º, nº 1, alínea a)). O artigo 213º estabelecia as suas competências: no seu nº 1, apareciam as competências específicas de controlo normativo (apreciação da inconstitucionalidade e da ilegalidade, nos termos dos artigos 277º e seguintes); no nº 2 apareciam outras competências (relacionadas com o cargo do Presidente da República, bem como com a verificação prévia da constitucionalidade e da legalidade das consultas directas aos eleitores a nível local), sendo-lhe atribuída ainda competência para «exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei» (artigo 213º, nº 2, alínea e)). A propósito da fiscalização da constitucionalidade previa-se a sua composição (artigo 284º) e a possibilidade de funcionar por secções (artigo 285º).

A sua lei orgânica foi aprovada ainda em 1982 (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, Lei sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, abreviadamente referida como Lei do Tribunal Constitucional, LTC).

Nos termos da Constituição revista, o Tribunal Constitucional concentrou em si as competências de controlo normativo antes distribuídas entre o Conselho da Revolução e a Comissão Constitucional. De harmonia com o artigo 1º LTC, «o Tribunal Constitucional exerce a sua jurisdição no âmbito de toda a ordem portuguesa e tem sede em Lisboa». A referência a «toda a ordem jurídica portuguesa» parece destinar-se a incluir o controlo de constitucionalidade de normas jurídicas vigentes em Macau, território sob administração portuguesa aé 1999, altura em que passará a constituir uma região de estatuto especial da República Popular da China.

Assim, passou a deter competência exclusiva no que toca à fiscalização abstracta por acção, preventiva ou sucessiva, e no que toca à verificação da inconstitucionalidade por omissão (artigos 277º, 278º, 281º, 282º e 283º). No que toca à fiscalização concreta, a Constituição continuou a considerar que todos os tribunais das diferentes ordens eram órgãos de fiscalização da constitucionalidade (artigo 207º - «Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados»), concentrando no Tribunal Constitucional a competência de tribunal de última instância em matéria de constitucionalidade e de certos tipos de legalidade (artigo 280º).

Em 1989, a segunda revisão da Constituição (Constituição da República Portuguesa, abreviadamente CRP) implicou que o Tribunal Constitucional passasse a estar regulado num título próprio do texto constitucional (Título VI da Parte II, artigos 223º a 226º), de onde consta a definição deste órgão acima referida («tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» - artigo 223º).

A respectiva lei orgânica foi alterada, na sequência da segunda revisão constitucional, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.

No presente relatório considerar-se-ão apenas os textos constitucional e legal em vigor.


2. Tribunal Constitucional

2.1. Composição

2.1.1.O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, dos quais seis têm de ser «obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais», e os restantes sete entre juristas. Acresce que dez deles são eleitos pelo órgão parlamentar, a Assembleia da República, por maioria qualificada de dois terços. Estes dez juízes, por seu turno, cooptam os três restantes, sendo o presidente do Tribunal eleito pelos respectivos juízes (artigo 224º, nºs 1, 2 e 4, CRP). Os juízes do Tribunal Constitucional são designados por seis anos (artigo 224º, nº 3, CRP) e não têm substitutos legais ou suplentes. Salvo causa de cessação de funções antes do termo do sexénio, os juízes "cessam funções com a posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar" (artigo 21º, nº 1, LTC). Os juízes do Tribunal Constitucional tomam posse perante o Presidente da República, no prazo de dez dias a contar da publicação da sua designação (artigo 20º, nº 1, LTC).
Atentando neste conjunto de soluções logo se vê que há uma combinação criteriosa de juízes oriundos dos restantes tribunais e de juízes oriundos de outros meios jurídicos (Universidade, advocacia, profissões políticas e administrativas)
[16].

A Constituição determina que, pelo menos, seis dos juízes do Tribunal Constitucional têm de ser escolhidos entre os juízes dos outros tribunais, devendo os restantes ser designados de entre juristas. Não está excluído que, teoricamente, a escolha pudesse recair sobre um não-jurista, na medida em que há juízes dos outros tribunais que não têm de ser obrigatoriamente juristas (caso dos juízes militares dos tribunais militares). Até agora, porém, todos os juízes do Tribunal Constitucional têm sido juristas de profissão, não sendo previsível que, no futuro, essa prática seja alterada.


2.1.2. A Lei do Tribunal Constitucional estabelece requisitos de elegibilidade para os juízes designados pela Assembleia da República: têm de ser cidadãos portugueses no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos que sejam doutorados ou licenciados em direito ou juízes dos restantes tribunais. Relativamente aos graus académicos, a lei esclarece que «só são considerados os doutoramentos e as licenciaturas por escola portuguesa ou oficialmente reconhecidas em Portugal» (artigo 13º, nº 2, LTC). Estes requisitos hão-de igualmente ser exigidos para os candidatos à cooptação (cf. artigo 18º, LTC). Não se exige, porém, qualquer requisito de idade mínima ou máxima, nem um certo tempo mínimo de exercício de outra actividade jurídica. Não podem, porém, ser designados juízes dos outros tribunais que, no momento da designação, já tiverem atingido o limite geral de idade da função pública (70 anos) [17].


2.1.3. Relativamente ao modo de designação, a Lei do Tribunal Constitucional regula o respectivo procedimento com detalhe.

Começar-se-á pelos juízes eleitos pela Assembleia da República.

As candidaturas têm de ser devidamente instruídas com os elementos de prova de elegibilidade dos candidatos e respectivas declarações de aceitação de candidatura. São apresentados por um mínimo de 25 e um máximo de 50 deputados, perante o Presidente da Assembleia da República, até 5 dias antes da reunião marcada para a eleição (artigo 14º, nº 1, LTC; artigos 280º a 284º do Regimento da Assembleia da República, na versão constante da Resolução da Assembleia da República nº 4/93, publicada no Diário da República, I Série-A, nº 51, de 2 de Março de 1993). No caso de não terem sido apresentadas candidaturas em número pelo menos igual ao de vagas a preencher, é fixado novo prazo de 3 dias para apresentação de outras candidaturas. Nenhum deputado pode subscrever candidaturas em número global superior ao de vagas a preencher. O Presidente da Assembleia da República dispõe de competência para verificar os requisitos de elegibilidade dos candidatos e demais requisitos de admissibilidade das candidaturas. Das suas decisões cabe recurso para o Plenário da Assembleia da República [18].

A relação nominal dos candidatos é organizada pelo Presidente da Assembleia da República até dois dias antes da reunião marcada para a eleição, devendo a mesma ser publicada no Diário da Assembleia da República.

Os boletins de voto contêm os nomes dos candidatos, ordenados alfabeticamente com identificação dos que são juízes dos restantes tribunais (artigo 16º, nº 1, LTC). «Cada deputado assinala com uma cruz os quadros correspondentes aos candidatos em que vota, não podendo votar num número de candidatos superior ao das vagas a preencher, nem num número de candidatos que não sejam juízes dos restantes tribunais que afecte a quota de lugares a estes reservada, sob pena de inutilização do respectivo boletim» (artigo 16º, nº 3, LTC). Consideram-se eleitos os candidatos que obtiverem «o voto de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções» (artigo 166º, alínea i), CRP; artigo 16º, nº 4, LTC) [19]. Existe uma regra muito importante, nos termos da qual a eleição de cada candidato só se torna definitiva depois de preenchidas todas as vagas [20].

A tramitação da designação através de cooptação consta dos artigos 17º a 19º da LTC. Havendo vagas de juízes eleitos pela Assembleia da República e de juízes cooptados, são aquelas preenchidas em primeiro lugar (artigo 17º, nº 3, LTC). Existe uma primeira fase de indicação de candidatos à cooptação pelos juízes eleitos pela Assembleia da República, não se exigindo a prévia declaração de aceitação dos candidatos. Depois da organização da relação de candidatos, passa-se à votação. Considera-se designado o indigitado que obtiver um mínimo de sete votos e que manifestar a aceitação da designação num prazo de 5 dias. Em caso de recusa, repete-se o processo de indigitação. Existem normas paralelas às previstas para a eleição de juízes na Assembleia da República (nºs 4 a 7 do artigo 19º, LTC). A cooptação de cada indigitado só se considera definitiva depois de preenchidas todas as vagas, à semelhança do que ocorre com a eleição de juízes pelo órgão parlamentar.

2.2. Estatuto dos membros do Tribunal

2.2.1. Nos termos do artigo 22º da LTC, os juízes do Tribunal Constitucional são independentes e inamovíveis, não podendo as suas funções cessar antes do termo do sexénio por que foram designados, salvo nos casos previstos no artigo subsequente (morte ou impossibilidade física permanente; renúncia; aceitação de lugar ou prática de acto legalmente incompatível com o exercício das suas funções; demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou criminal). Igualmente não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo nos termos e limites em que o são os juízes dos tribunais judiciais (artigo 24º, LTC).

2.2.2. Os juízes do Tribunal Constitucional têm honras, direitos, categoria, tratamento, vencimentos e regalias iguais aos dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 30º, LTC), tendo direito a usar trajo profissional (artigo 30º-A, LTC). Têm ainda direito a ajudas de custo (artigo 32º, LTC). O presidente tem direito a certos abonos complementares e ao uso de viatura oficial (artigo 31º, LTC). O presidente do Tribunal Constitucional tem ainda direito a passaporte diplomático e os restantes juízes a passaporte especial, nos termos da respectiva legislação (artigo 33º, LTC).

Como parte dos juízes do Tribunal Constitucional não são juízes dos outros tribunais, a respectiva lei cria normas especiais sobre garantia de direitos profissionais: o artigo 35º, nº 1, da LTC garante a estabilidade de emprego, estabelecendo que todos os juízes «não podem ser prejudicados na estabilidade do seu emprego, na sua carreira e no regime de segurança social de que beneficiem por causa do exercício das suas funções» [21]. Em matéria de segurança social, os juízes do Tribunal Constitucional «beneficiam do regime de previdência mais favorável aplicável ao funcionalismo público» (artigo 23º-A, LTC), podendo mesmo optar pelo regime de previdência social da sua actividade de origem. No caso de ser feita tal opção, cabe ao Tribunal Constitucional satisfazer os encargos que corresponderiam à entidade patronal. Por outro lado, os juízes podem requerer, nos 180 dias seguintes à cessação das respectivas funções, a aposentação voluntária por aquele cargo (aposentação do regime do funcionalismo público), independentemente de apresentação a junta médica, desde que preencham uma de duas condições em alternativa: ou terem doze anos de serviço, qualquer que seja a sua idade; ou terem dez anos de serviço para efeitos de aposentação, com uma idade de quarenta anos, no mínimo. Salvo no caso de cessação de funções por impossibilidade física permanente, a aposentação voluntária só pode ser requerida quando o interessado tiver exercido o cargo de juiz do Tribunal Constitucional até ao termo do respectivo sexénio [22].

No que respeita à responsabilidade civil e criminal, são aplicáveis aos juízes do Tribunal Constitucional «as normas que regulam a efectivação da responsabilidade civil e criminal dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, bem como as normas relativas à respectiva prisão preventiva» (artigo 26º, LTC).


2.2.3. O exercício das funções de juiz do Tribunal Constitucional é tendencialmente exclusivo, sendo incompatível com o exercício de funções em órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, bem como o exercício de qualquer outro cargo ou função de natureza pública ou privada. Exceptuam-se destas incompatibilidades apenas o exercício não remunerado de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica (artigo 27º, LTC). Os juízes do Tribunal Constitucional não podem exercer quaisquer funções em órgãos de partidos, de associações políticas ou de fundações com eles conexas, nem desenvolver actividades político-partidárias de carácter público. Para garantia da sua isenção política, a lei estabelece a suspensão, durante o período de desempenho, do estatuto decorrente da filiação em partidos ou associações políticas (artigo 28º, LTC).

Aos juízes do Tribunal Constitucional é aplicável o regime de impedimentos e suspeições dos juízes dos tribunais judiciais, competindo ao próprio Tribunal a verificação do impedimento e a apreciação da suspeição. A filiação em partido ou associação política não constitui fundamento de suspeição (artigo 29º LTC).


2.2.4. No que respeita à duração do mandato, os juízes do Tribunal Constitucional são designados por um período de 6 anos (artigo 224º, nº 3, CRP), contados da data da tomada de posse perante o Presidente da República, e cessam funções com a posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar. Os juízes dos restantes tribunais que forem designados para exercer funções no Tribunal Constitucional e que durante o período de exercício completem 70 anos mantêm-se em funções até ao termo do sexénio (artigo 21º, LTC). As funções dos juízes não podem cessar antes do termo do sexénio pelo qual foram designados, salvo quando se verifique alguma das seguintes situações: morte ou impossibilidade física permanente; renúncia; aceitação de lugar ou prática de acto legalmente incompatível com e exercício das suas funções; demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou criminal. A renúncia é declarada por escrito ao presidente do Tribunal, não dependendo de aceitação (artigo 23º, nºs 1 e 2, LTC). No caso de ocorrência de vaga, o preenchimento desta será efectuado pela Assembleia da República ou por cooptação dos demais juízes, conforme os casos, devendo igualmente observar-se a relação mínima exigida entre juízes oriundos de outros tribunais e juízes que o não são. Os juízes que venham a preencher as vagas são designados igualmente por 6 anos (e não apenas pelo período que restava ao juiz anterior). A Constituição não proíbe a recondução consecutiva dos juízes do Tribunal Constitucional, pelo que o respectivo mandato pode ser sucessivamente renovável, por períodos de 6 anos [23].


2.2.5. Em matéria disciplinar, o Tribunal Constitucional detém competência exclusiva no que toca ao exercício do poder disciplinar sobre os seus juízes, mesmo quando a acção disciplinar respeite a actos praticados no exercício de outras funções. Ao Tribunal Constitucional compete instaurar o processo disciplinar, nomear o respectivo instrutor de entre os seus membros, deliberar sobre a eventual suspensão preventiva e julgar definitivamente. O regime disciplinar aplicável aos juízes do Tribunal Constitucional é o estabelecido na lei para os magistrados judiciais. Das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional em matéria disciplinar cabe recurso para o próprio Tribunal (artigo 25º, LTC).

2.3. Presidente e Vice-Presidente do Tribunal

2.3.1. O presidente e o vice-presidente do Tribunal Constitucional são eleitos pelos próprios juízes. O primeiro por imposição da própria Constituição (artigo 224º, nº 4, CRP; artigo 37º, nº 1, LTC). A eleição do presidente precede a do vice-presidente quando os 2 lugares se encontrem vagos. O procedimento de eleição vem detalhadamente previsto no artigo 38º da LTC: o presidente ou o vice-presidente são eleitos por voto secreto, em sessão presidida, na falta do presidente ou do vice-presidente, pelo juiz mais velho e secretariada pelo mais novo, sem ser precedida de discussão ou debate (nº 1); cada juiz assinala um nome num boletim de voto que introduz na urna (nº 2); é eleito presidente o juiz que, na mesma votação, obtiver o mínimo de 9 votos; decorridas 4 votações sem que nenhum juiz tenha reunido esse número de votos, apenas são admitidos às votações seguintes os 2 nomes mais votados na quarta votação; se, após mais 4 votações, nenhum dos 2 tiver obtido aqueles votos, é eleito presidente o juiz que primeiro obtiver 8 votos na mesma votação (nº 3). De salientar que as referidas votações são realizadas sem interrupção da sessão (nº 4). Quanto ao vice-presidente, é eleito o juiz que obtiver o mínimo de 8 votos, efectuadas as votações que se mostrarem necessárias, nos termos descritos para o procedimento a seguir na eleição do presidente (nº 5). A eleição do presidente e do vice-presidente é tornada pública por declaração inserta no Diário da República.
2.3.2. O mandato do presidente e o do vice-presidente do Tribunal Constitucional têm a duração de 2 anos judiciais, sendo que os mesmos podem ser consecutivamente renovados por igual período de tempo (artigo 37º, nº 3, LTC). Os anos judiciais coincidem com os anos civis (artigo 9º, nº 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro).
2.3.3. Nos termos do artigo 39º, nº 1, alínea a), da LTC, ao presidente do Tribunal Constitucional compete, antes de mais, representar o Tribunal e assegurar a manutenção das relações entre este e os restantes órgãos e autoridades públicas. Para além da descrita, outras competências são atribuídas ao presidente, designadamente, a de receber as candidaturas e as declarações de desistência de candidatos a Presidente da República; a de presidir à assembleia de apuramento geral da eleição do Presidente da República; a de presidir às sessões do Tribunal Constitucional e dirigir os respectivos trabalhos; a de apurar o resultado das votações; a de convocar sessões extraordinárias; a de presidir à distribuição dos processos, assinar o expediente e ordenar a passagem de certidões; a de mandar organizar e afixar a tabela dos recursos e demais processos preparados para julgamento em cada sessão; a de distribuir as férias dos juízes, ouvidos estes em conferência; a de superintender na gestão e administração do Tribunal Constitucional, bem como na secretaria e nos serviços de apoio; a de dar posse ao pessoal do Tribunal Constitucional e exercer sobre ele o poder disciplinar, com recurso para o próprio Tribunal (alíneas b) a l) do nº 1 do artigo 39º, LTC).

2.3.4. Ao vice-presidente do Tribunal Constitucional compete substituir o presidente nas suas faltas e impedimentos, sendo que a lei determina que nas sessões que forem presididas pelo vice-presidente não poderão se apreciados quaisquer processos de que seja relator o próprio vice-presidente. (artigo 39º, nºs 2 e 3, LTC). Por outro lado, ao presidente não são distribuídos processos para relato (artigo 50º, nº 2, LTC).

 

3. Funcionamento do Tribunal Constitucional

3.1. No que diz respeito ao seu funcionamento, o Tribunal Constitucional reúne em sessões plenárias e em secções. A definição da periodicidade das reuniões do Tribunal Constitucional, quer em sessão plenária, quer em secção, é feita pelo regimento interno do Tribunal. O Tribunal Constitucional pode, ainda, reunir extraordinariamente sempre que o presidente o convocar, por iniciativa própria ou a requerimento da maioria dos juízes que se encontrem em efectividade de funções (artigo 40º, LTC).

Funcionam no Tribunal Constitucional duas secções, não especializadas, sendo cada uma das secções constituída pelo presidente do Tribunal e por mais 6 juízes. Cabe ao próprio Tribunal Constitucional, no início de cada ano judicial, proceder à distribuição dos juízes pelas 2 secções (artigo 41º, LTC).


3.2. Quer em plenário, quer em secção, para que o Tribunal Constitucional possa funcionar e deliberar mostra-se necessário que se encontre presente a maioria dos respectivos membros em efectividade de funções, incluindo o presidente, ou o vice-presidente. Cada juiz dispõe de um voto. Por seu turno, o presidente, ou o vice-presidente quando o substitua, dispõe de voto de qualidade. Acresce que as deliberações do Tribunal são tomadas à pluralidade dos votos dos juízes presentes, em secção ou plenário. Por fim, assiste ainda aos juízes do Tribunal Constitucional, sempre que o entenderem, o direito de lavrarem votos de vencido (artigo 42º, LTC). A prática mostra que, em alguns casos, vários juízes se associam, lavrando um único voto de vencido, ou se limitam, na sua declaração de voto, a remeter para os fundamentos de outro voto de vencido.


3.3. Nos processos e recursos de diferente natureza que são distribuídos a um relator no Tribunal Constitucional, o processo de formação da decisão está regulado na respectiva lei orgânica. A partir da distribuição, inicia-se um prazo-regra para o respectivo relator apresentar um memorando sobre as questões de constitucionalidade, de legalidade ou de outra natureza submetidas ao Tribunal (5 dias nos processos de fiscalização preventiva - artigo 58º, nº 2, LTC; 40 dias nos processos de fiscalização abstracta sucessiva e de fiscalização de inconstitucionalidade por omissão - artigos 65º e 67º LTC; 20 dias úteis nos processos de fiscalização concreta - artigo 79º-B LTC; prazos mais curtos em decisões e recursos em matéria eleitoral: artigo 100º, nº 3, LTC). A prática mostra que os memorandos são, por vezes, desenvolvidos, sendo apresentados como projectos de decisão final. Em face do memorando que lhe seja concluso, o presidente deve inscrever o processo na ordem do dia da sessão plenária ou da secção para a sua discussão (prazo de 10 dias a contar da recepção do pedido na fiscalização preventiva; prazo não inferior a 15 dias na fiscalização sucessiva, de inconstitucionalidade por omissão e fiscalização concreta; prazos mais curtos, de modo a que a decisão possa ser tomada no prazo legal, nos processos e recursos em matéria eleitoral). Admite-se que o presidente possa encurtar os prazos legais até metade, quando razões ponderosas o justifiquem (artigos 65º, nº 4, 67º e 79º-B, LTC; para a fiscalização preventiva, veja-se o artigo 60º LTC, o qual leva em conta a possibilidade de o Presidente da República encurtar o prazo normal de 25 dias para o Tribunal se pronunciar, por motivo de urgência - artigo 278º, nº 8, CRP).


Concluída a discussão e tomada a decisão do Tribunal, o processo é concluso ao relator, ou, no caso de este ter ficado vencido, ao juiz que deva substitui-lo, para elaboração do acórdão em prazos fixados na lei (7 dias na fiscalização preventiva; 30 dias na fiscalização sucessiva e de inconstitucionalidade por omissão; 15 dias nos processos de fiscalização concreta; em prazos curtos compatíveis com o prazo de decisão do Tribunal, em processos de natureza eleitoral). Nos termos do regulamento interno elaborado ao abrigo do artigo 36º, alínea b), da LTC, a escolha do novo relator recai, em regra, sobre o primeiro juiz integralmente vencedor que se encontre em lugar subsequente ao do primitivo relator, tendo em conta a ordem de precedência de juízes sorteada anualmente (essa ordem de precedência acha-se referida no artigo 50º, nº 2, LTC; vejam-se os artigos XV a XVIII do Regulamento do Funcionamento do Plenário e das Secções, aprovado em sessão plenária realizada em 18 de Fevereiro de 1992). Poderá, porém, o novo relator ser designado pelo presidente, ouvido o Tribunal, quando o relator ficar vencido apenas parcialmente.


3.4. Em matéria de férias, aplica-se o regime geral sobre férias judiciais [24] relativamente aos processos de fiscalização abstracta não preventiva da constitucionalidade ou legalidade de normas jurídicas e aos recursos de decisões judiciais. Quanto aos restantes processos (preventivos; eleitorais; respeitantes ao Presidente da República; aos partidos políticos; a referendos e consultas locais, etc.) não há férias judiciais (artigo 43º, nº 2, LTC). As férias dos juízes são fixadas de modo a assegurar a permanente existência de quórum de funcionamento do Tribunal, não havendo férias para a secretaria. Na prática, apenas nas férias de Verão, dada a sua extensão, é usual cada uma das secções ficar em funções durante cada um dos meses das férias, alternando-se anualmente o início do período de funções para cada secção, nos termos do regulamento interno sobre férias. Embora não esteja vedada a intervenção de juízes da secção em férias, por regra existe um compromisso tácito de não intervenção, salvo se necessário para assegurar o quórum de funcionamento (7 juízes nas sessões plenárias - artigo 42º, nº 1, LTC).

4. Competência do Tribunal Constitucional

4.1. Tipificação constitucional

4.1.1. Referiu-se acima que a Constituição reserva o Título VI da Parte III (artigos 223º a 226º) ao Tribunal Constitucional.
A sua competência típica está indicada no artigo que contém a definição do órgão: o Tribunal Constitucional "é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional" (artigo 223º). Trata-se da parcela da função jurisdicional confiada a este Tribunal, a saber, aquela que tem por objecto uma questão jurídica cujo núcleo reside na interpretação e aplicação da Constituição.
A autonomização do Tribunal Constitucional num título próprio, a partir da segunda revisão constitucional (1989), reveste-se de pleno significado. Os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira destacam nos seguintes termos a solução constitucional, chamando a atenção para o significado da autonomização:
"Em primeiro lugar, a concentração, num título separado, dos vários preceitos relativos ao TC permite um mais coerente tratamento sistemático do seu estatuto, reunindo as normas de organização e de competência, que anteriormente se achavam dispersas. Em segundo lugar, ao dedicar um título autónomo ao TC, destacado do título geral dos tribunais, a Constituição sublinha que ele, sendo embora um tribunal, em sentido verdadeiro e próprio, não é um tribunal como os outros, nem é apenas um tribunal, sendo um órgão constitucional autónomo de regulação do processo político-constitucional. Em terceiro lugar, deslocando o tratamento do TC em relação à disciplina da fiscalização da constitucionalidade, torna-se claro que, embora seja o órgão superior da justiça constitucional, ele não esgota nisso as suas tarefas constitucionais, que fazem dele igualmente um regulador essencial da vida institucional do Estado (atribuições em relação ao PR, aos partidos políticos, às eleições, etc.)" [25].

4.1.2. O artigo 225º da Constituição estabelece o quadro geral das competências deste Tribunal.
A competência nuclear consta do nº 1 deste artigo: apreciação da inconstitucionalidade e da ilegalidade, "nos termos dos artigos 277º e seguintes" da mesma Constituição.

O nº 2 do artigo 225º contém, em diferentes alíneas, competências características do Tribunal Constitucional como "órgão constitucional autónomo de regulação do processo político-constitucional":

- Verificação da morte e declaração da impossibilidade física permanente do Presidente da República, bem como a verificação dos impedimentos temporários do exercício das suas funções;
- Verificação da perda do cargo de Presidente da República, nos casos previstos no nº 3 do artigo 132º e no nº 3 do artigo 133º da Constituição (saída do território nacional sem o assentimento, quando constitucionalmente exigível, da Assembleia da República ou da sua Comissão Permanente, se aquela não estiver em funcionamento; condenação pela prática de crimes no exercício das suas funções);
- Julgamento em última instância da regularidade e da validade dos actos de processo eleitoral, nos termos da lei;
- Verificação da morte e declaração da incapacidade para o exercício da função presidencial de qualquer candidato a Presidente da República, para efeitos do disposto no artigo 127º, nº 3;
- Verificação da legalidade de constituição de partidos políticos e suas coligações, bem como apreciação da legalidade das suas denominações, siglas e símbolos, e determinação da respectiva extinção, nos termos da Constituição e da lei;
-Verificação prévia da constitucionalidade e da legalidade dos referendos e das consultas directas aos eleitores a nível local.

4.1.3. O nº 3 do artigo 225º estabelece que "compete ainda ao Tribunal Constitucional exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei".

A Constituição estabelece no seu artigo 127º, nº 2, a competência do Tribunal Constitucional para receber as candidaturas para Presidente da República.

A ampliação da competência do Tribunal Constitucional pode ocorrer através da via de lei. A LTC atribui competência a este Tribunal em matéria de extinção das organizações de ideologia fascista (artigo 10º) [26]. Também as Leis nºs 4/83, de 23 de Abril, alterada pela Lei nº 25/95, de 18 de Agosto, e 72/93, de 30 de Novembro, lhe atribuem competências em matéria de controlo da riqueza e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e de fiscalização das finanças partidárias, respectivamente [27].
Deve notar-se que, a partir da segunda revisão constitucional (1989), passou a revestir a forma de lei orgânica, lei de valor reforçado - sujeita a um regime especial de fiscalização preventiva de constitucionalidade quanto às entidades que a podem requerer (artigo 278º, nº 4, CRP) e a um regime exigente em caso de veto político do Presidente da República, uma vez que a confirmação parlamentar tem de ser feita pela maioria de dois terços dos Deputados, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (artigo 139º, nº 3, CRP) - a lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (artigos 167º, alínea c), e 169º, nº 2, CRP). Embora a Constituição não refira que a atribuição de novas competências ao Tribunal Constitucional tenha de revestir a forma de lei orgânica, tal exigência formal é sustentada por um argumento de maioria de razão pela doutrina e pela jurisprudência do próprio Tribunal [28].
4.2. Tipificação legal

4.2.1. A lei orgânica que regula a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LTC, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis nºs 143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de 7 de Setembro e 88/95, de 1 de Setembro) [29] estabelece, a partir do seu artigo 6º, as competências deste órgão, reproduzindo o que consta do artigo 225º da Constituição e desenvolvendo algumas matérias.

4.2.2. Assim, em especial, no que tocas às competências relativas a processos eleitorais (artigo 225º, nº 2, alínea c), CRP), o artigo 8º LTC explicita, a partir da sua alínea c), tais competências:

- julgar os recursos interpostos de decisões sobre reclamações e protestos apresentados nos actos de apuramento parcial, distrital e geral da eleição do Presidente da República, nos termos da respectiva lei eleitoral;
- julgar os recursos em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral relativamente às eleições para o Presidente da República, Assembleia da República, assembleias legislativas regionais e órgãos de poder local;
- receber e admitir as candidaturas relativas à eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu e julgar os respectivos recursos e, bem assim, julgar os recursos em matéria de contencioso eleitoral referente à mesma eleição;
- julgar os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos definitivos e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral.

4.2.3. O artigo 10º LTC consagra a competência para declarar, nos termos e para os efeitos da Lei nº 64/78, de 6 de Outubro (cfr. artigo 46º, nº 4, CRP), que uma qualquer organização perfilha a ideologia fascista e decretar a respectiva extinção. De facto, desde 1976 a Constituição não consente associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista. Não estando proibido que se possam defender ideias fascistas, não se admite a fundação de organizações que perfilhem e propagandeiem tal ideologia [30].

4.2.4. De harmonia com o artigo 11º LTC compete ao Tribunal Constitucional verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade das propostas de referendo nacional e de consultas directas a nível local, previstas respectivamente nos artigos 118º, nº 1, e 241º, nº 3, CRP, "e o mais que, relativamente à realização de uns e outros, lhe for cometido por lei" [31].

4.2.5. Em matéria de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, a Lei nº 72/93, de 30 de Novembro, alterada pela Lei nº 27/95, de 18 de Agosto, estabelece que o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a regularidade e a legalidade das contas apresentadas, anualmente e até ao fim do mês de Março, pelos partidos políticos, devendo o respectivo parecer ser publicado no jornal oficial (artigo 13º, nºs 2 e 3). Para tal apreciação, a lei admite que este Tribunal possa recorrer aos serviços de técnicos qualificados.

O mesmo Tribunal tem competência para aplicar coimas aos partidos que não cumprirem as obrigações impostas pela Lei nº 72/93 (artigo 14º), cabendo-lhe igualmente conhecer dos recursos de decisões do presidente da Comissão Nacional de Eleições que apliquem coimas aos partidos (artigo 26º, nº 3). Falta a aprovação de alteração à lei orgânica do Tribunal para poder ser instituído este regime, que é objecto de revisão na presente sessão legislativa (veja-se hoje a Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, que alterou a LTC - cfr. artigo 3º, nº 1, alínea h), artigos 102º-C e 103º-A e 103º-B).

4.2.6. A Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei nº 28/95, de 18 de Agosto, sobre o Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, atribui a competência ao Tribunal Constitucional para proceder à análise, fiscalização e sancionamento das declarações dos titulares de cargos políticos", que são depositadas neste Tribunal (artigo 10º).

Aguarda-se a publicação da lei orgânica do Tribunal Constitucional para se poder dar execução à nova regulamentação (cfr. Lei nº 88/95, de 1 de Setembro - artigos 111º a 113º LTC).

4.2.7. Desde 1983, a Lei nº 4/83, de 2 de Abril, alterada pela Lei nº 25/95, de 18 de Agosto,sobre «controlo público da riqueza dos titulares dos cargos políticos», impõe aos titulares de cargos polítcos nela enumerados a apresentação de uma declaração de património e de rendimentos no Tribunal Constitucional, cujo original fica ali depositado. Estas declarações passaram a ser abertas ao público, podendo o Tribunal Constitucional deliberar por acórdão a divulgação do conteúdo das mesmas, ou parte delas (v. artigos 19º e 20º do Decreto Regulamentar nº 74/83, de 6 de Outubro).
4.3. Competência nuclear
4.3.1. A competência central do Tribunal Constitucional consiste na apreciação da inconstitucionalidade e da ilegalidade de normas jurídicas, nos termos dos artigos 277º e seguintes CRP (artigo 225º, nº 1, CRP; artigo 6º LTC).

4.3.2. A fiscalização da inconstitucionalidade das normas jurídicas pode fazer-se de forma abstracta (a título preventivo ou a título sucessivo) e de forma concreta, através do conhecimento de recursos interpostos para o Tribunal Constitucional das decisões dos outros tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade ou que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. A Constituição portuguesa consagra ainda a competência para o Tribunal Constitucional apreciar e verificar o não cumprimento da Constituição "por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exigíveis as normas constitucionais" (artigo 283º, nº 1, CRP) [32].

Segundo o artigo 277º, nº 1, da Constituição, "são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados". Trata-se de uma referência à inconstitucionalidade por acção, a que a própria Constituição contrapõe a inconstitucionalidade por omissão. Nos termos do artigo 3º, nº 3, "a validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição" (princípio da preeminência ou da prevalência da Constituição). Já atrás se referiu que cada tribunal das diferentes ordens judiciárias é um órgão de fiscalização da constitucionalidade, estabelecendo a Constituição que, "nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados" (artigo 207º).

4.3.3. O Tribunal Constitucional tem ainda competência para fiscalizar a ilegalidade em casos bem delimitados, apenas em controlo abstracto sucessivo (artigo 281º CRP) e em controlo concreto (artigo 280º CRP).

São três os casos previstos na Constituição em que a apreciação de ilegalidade é da competência do Tribunal Constitucional:

- ilegalidade de norma decorrente de violação da lei com valor reforçado;
- ilegalidade de norma constante de diploma regional, por violação do estatuto da região autónoma respectiva (dos Açores ou da Madeira) ou de lei geral da República;
- ilegalidade de norma constante de diploma emanado de órgão de soberania por violação do estatuto de uma região autónoma.

4.3.4. A Lei do Tribunal Constitucional consagrou, a partir de 1989, utilizando a permissão do artigo 225º, nº 3, CRP, e apenas em relação à fiscalização concreta, um novo caso de recurso, não previsto na Constituição, relativamente às decisões de outros tribunais "que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional" (artigo 70º, nº 1, al. i)). De harmonia com o disposto nesta lei orgânica, este recurso "é restrito às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida" (artigo 71º, nº 2, LTC). A sua configuração suscita diversos problemas.

A inclusão desta nova alínea i) no nº 1 do artigo 70º LTC, visou resolver o problema da competência do Tribunal Constitucional para conhecer da desconformidade entre as leis internas e o direito internacional, nomeadamente o direito convencional, porque, entre 1984 e 1989, a 1ª Secção do Tribunal qualificava este vício como inconstitucionalidade (por violação do artigo 8º CRP), e a 2ª Secção qualificava o vício como mera ilegalidade (inconstitucionalidade indirecta) e, consequentemente, declarava-se incompetente para dele conhecer [33]. Como escreve Cardoso da Costa, o legislador de 1989 absteve-se "intencionalmente de qualificar a situação [de contrariedade entre o direito interno e o direito internacional convencional], assim, e desde logo, não tomando posição sobre o controverso problema da primazia do direito convencional. Este justamente será um ponto a decidir pelo Tribunal, nele residindo o núcleo da questão ou das questões «jurídico-constitucionais» que entram na sua competência; quanto às questões «jurídico-internacionais», nelas caberá antes de mais, certamente, a da vigência e da validade da convenção como instrumento jurídico-internacionalmente vinculante (cfr. cit. artigo 71º, nº 2). Face a uma sua tal configuração bem se poderá dizer que esta competência do Tribunal se aproxima de (se não rigorosamente se identifica com) uma competência de «qualificação normativa» (à semelhança de certa competência do Tribunal Constitucional Federal alemão, por vezes assim catalogada" [34].

4.3.5. O Tribunal Constitucional português não dispõe de competências destinadas à protecção contenciosa específica de direitos fundamentais, do tipo da Verfassungsbeschwerde alemã, do recurso de amparo espanhol, ou de diversos institutos desenvolvidos em países ibero-americanos (amparo; mandado de segurança; mandado de injunção; habeas corpus). Não obstante propostas de consagração na Constituição desde 1989, não logrou acolhimento até ao presente a ideia de um mecanismo de defesa contra actos judiciais ou administrativos inconstitucionais para a protecção específica de direitos fundamentais. Nos projectos de revisão constitucional apresentados em 1994, dois partidos propuseram a consagração de institutos deste tipo (recurso de amparo proposto pelo Partido Socialista; acção constitucional de defesa pelo Partido Comunista Português, retomando proposta feita por ocasião da segunda revisão constitucional).

4.3.6. O Tribunal Constitucional português não dispõe de competências para arbitrar conflitos entre órgãos supremos do Estado ou conflitos entre o poder central e poderes regionais ou locais (questões federais ou quase federais). O seu controlo sobre a constitucionalidade ou a legalidade do direito da República ou do direito das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira é meramente normativo.

4.3.7. Não são atribuídos poderes à jurisdição constitucional portuguesa em matéria criminal. Os titulares dos órgãos de soberania e dos outros órgãos de poder regional ou local estão sujeitos à jurisdição dos tribunais judiciais no que toca aos chamados crimes de responsabilidade previstos na Lei nº 34/87, de 16 de Julho.

Relativamente ao Presidente da República, as competências que o Tribunal Constitucional detém para verificar a perda do cargo desse titular por ausência do território nacional ou a destituição do mesmo por condenação transitada em julgado pela prática de crime cometido no exercício das suas funções revestem-se de natureza meramente declaratória (artigos 90º e 91º LTC, com referência aos artigos 132º, nº 3, e 133º, nº 3 CRP).

4.3.8. Em matéria de partidos políticos, suas coligações e frentes, e de outras organizações políticas, o Tribunal Constitucional dispõe de competências de natureza propriamente jurisdicional e de competências de outra natureza, de natureza materialmente não jurisdicional (por exemplo, registo dos partidos, anotação de coligações ou frentes, apreciação prévia da legalidade e identidade das respectivas denominações, siglas e símbolos; registo de alterações relativas a estatutos e órgãos estatutários dos partidos políticos, previstos no Decreto-Lei nº 595/74, de 7 de Novembro).
Cardoso da Costa considera que "entra, porém, no domínio jurisdicional a resolução de questões contenciosas que se suscitem a propósito da inscrição de partidos, ou seja, a competência do Tribunal para, em plenário, conhecer do recurso interposto da inscrição ou não inscrição de um partido [artigo 103º, ainda nº 1 e nº 3, alínea a), LTC, combinados com o artigo 5º, nº 8, do DL nº 595/74, na redacção do DL nº 195/76, de 16 de Março] (...); como entra nesse domínio, em particular, a extinção de um partido político - quando se verifique qualquer das circunstâncias que, nos termos da respectiva lei (artigo 21º do DL nº 595/74), a devam determinar - igualmente da competência do plenário do Tribunal [artigos 9º, alínea d), na redacção da Lei Orgânica nº 85/89, e 103º, nº 3, alínea c), LTC]" [35].

4.3.9. Já atrás se referiu, que o Tribunal Constitucional dispõe de competências em matéria de contencioso eleitoral, sendo o tribunal de última instância para apreciação da regularidade a validade dos actos de processo eleitoral, nos termos da lei (artigo 225º, nº 2, alínea c), conjugado com o artigo 116º, nº 6, CRP). Em alguns casos, só o Tribunal Constitucional dispõe de competências mesmo em matéria de apresentação de candidaturas e respectivo contencioso (caso das eleições para Presidente da República e para deputados ao Parlamento Europeu - cfr. artigos 92º a 100º LTC; artigo 102º-A LTC; bem como as respectivas leis eleitorais). Noutros casos, aprecia, como tribunal de última instância, recursos interpostos de decisões dos tribunais judiciais em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas em diversas eleições políticas [36]. Relativamente a diferentes actos de administração eleitoral, o Tribunal Constitucional conhece dos respectivos recursos contenciosos (artigo 102º-B, LTC). Por último, no contencioso eleitoral em sentido restrito, relativo a irregularidades da votação, a validade dos votos expressos e a ilegalidades que podem conduzir à anulação de eleições, o Tribunal Constitucional aprecia os recursos das decisões proferidas sobre reclamações ou protestos apresentados a determinados órgãos colegiais (mesas de assembleias ou secções de voto; assembleias de apuramento parcial ou geral - cfr. artigo 102º LTC).

4.3.10. Importa aludir ao regime dos referendos nacionais e às consultas directas aos eleitores a nível local, em que as respectivas leis consagram a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e legalidade das mesmas pelo Tribunal Constitucional (cfr. artigo 105º LTC).

Em relação aos referendos de âmbito nacional, introduzidos na revisão constitucional de 1989, o artigo 118º, nº 6, CRP, impõe que o Presidente da República submeta "a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido submetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo". Já quanto às consultas directas levadas a cabo pelos órgãos das autarquias locais aos cidadãos eleitores recenseados na respectiva área, por voto secreto e sobre matérias incluídas na sua competência exclusiva, a Constituição remete para a lei a regulamentação dos respectivos "termos e eficácia" (artigo 241º, nº 3). Porém, o artigo 225º, nº 2, alínea f), CRP, atribui ao Tribunal Constitucional competência para verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade dos referendos e das consultas directas aos eleitores a nível local.

A Lei nº 45/91, de 3 de Agosto, Lei Orgânica do Regime do Referendo, regula a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional (artigos 17º e seguintes). Em caso de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, o Presidente da República não pode promover a convocação do referendo, podendo a Assembleia da República ou o Governo reapreciar e reformular a respectiva proposta, expurgando-a da inconstitucionalidade ou de ilegalidade [37]. Neste caso, haverá nova submissão da proposta a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional (artigo 18º, nºs 2 e 3). Não foi até hoje iniciado qualquer processo de referendo em Portugal [38].

Por seu turno, a lei nº 40/90, de 24 de Agosto, sobre Consultas Directas aos Cidadãos Eleitores, consagra igualmente a fiscalização prévia da constitucionalidade e da legalidade da consulta a cargo do Tribunal Constitucional (artigos 11º a 17º). O contencioso da consulta cabe igualmente ao Tribunal Constitucional [39].

5. Natureza do Tribunal Constitucional

5.1. Já atrás se referiu que o artigo 223º da Constituição qualifica o Tribunal Constitucional como tribunal com competência específica para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico constitucional. A ele lhe cabe a competência de última instância para conhecer do recurso de decisões de outros tribunais em matéria de constitucionalidade (nesse ponto se aproximando do modelo da judicial review com origem nos Estados Unidos da América). Mas o Tribunal Constitucional procede também à fiscalização abstracta da inconstitucionalidade, apreciando verdadeiras acções de inconstitucionalidade propostas por certas entidades com legitimidade reconhecida pela própria Constituição.

5.2. O Tribunal Constitucional é não só um órgão jurisdicional como outros, mas é também um órgão constitucional autónomo. Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam, como se referiu, que, para além de órgão superior da justiça constitucional, o mesmo não esgota aí as suas funções e tarefas constitucionais, que o tornam "um regulador essencial da vida institucional do Estado". Cardoso da Costa põe em destaque que o Tribunal Constitucional "ocupa, logo pela natureza e relevância das matérias da sua jurisdição, e, depois, pela competência cassatória acabada de assinalar, o lugar de topo na hierarquia dos tribunais", sendo a sua inserção sistemática em título próprio na Lei Fundamental indiciadora da sua consideração "como órgão de soberania, a par (ou para além) dos classicamente enunciados (o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais - todos e cada um - em geral)" [40]. Luís Nunes de Almeida considera, por seu turno, que "designadamente pelas competências que possui, pela especial atenção que a Constituição lhe dedica e pela forma de designação dos seus membros, ele constitui um órgão constitucional autónomo que apresenta importantes especificidades relativamente aos restantes tribunais" [41].

5.3. Vale a pena pôr em destaque os elementos caracterizadores do estatuto específico do Tribunal Constitucional:

-Tratamento em título autónomo (Título VI da Parte III) na Constituição;
- Composição e núcleo de competências consagrados na Constituição (artigos 224º, 225º e 276º e seguintes);
- Inclusão da lei sobre a respectiva organização, funcionamento e processo na reserva absoluta (indelegável) da Assembleia da República e qualificação desta lei como lei orgânica (lei de valor reforçado) (artigos 167º, alínea c); 169º, nº 2, e 115º, nº 2, CRP);
- Particular autonomia no domínio administrativo e financeiro, escapando à gestão governamental a que os restantes tribunais estão subordinados, embora sem poder de auto-organização;
- Encarado como órgão constitucional autónomo, o seu presidente é membro nato do Conselho de Estado (artigo 145º, alínea c), LTC).

6. Lei reguladora do Trbunal Constitucional

6.1. Como foi várias vezes acentuado antes, o Tribunal Constitucional tem a sua definição como órgão jurisdicional, a composição e o núcleo essencial das competências regulados na Constituição (artigos 223º a 226º; artigos 277º a 283º).
Como consta do artigo 226º, nº 1, CRP, "a lei estabelece as regras relativas à sede, à organização e ao funcionamento" deste órgão. Igualmente a Constituição remete para a lei a organização do modo de funcionamento "por secções não especializadas para o efeito de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade ou de outras competências definidas nos termos da lei" (artigo 226º, nº 2, CRP). Deverá ainda a respectiva lei orgânica regular o recurso para o pleno do Tribunal Constitucional das decisões contraditórias das secções no domínio de aplicação da mesma norma [42].

6.2. A lei sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional é da competência exclusiva e indelegável da Assembleia da República (artigo 167º, alínea c), CRP), devendo revestir a forma de lei orgânica, espécie de lei de valor reforçado (artigo 169º, nº 2, CRP).

A doutrina e a jurisprudência constitucional (acórdão nº 59/95) consideram que as competências novas a atribuir ao Tribunal Constitucional devem constar de lei orgânica (por argumento por maioria de razão a partir da alínea c) do artigo 167º e nº 2 do artigo 169º CRP).

6.3.
Em contrapartida, é o Governo quem aprova o decreto-lei que regula a organização, composição e funcionamento da secretaria e dos serviços de apoio do Tribunal Constitucional (artigo 45º LTC).

Esse decreto-lei remonta a 1983, tendo sido alterado em 1984, 1990 e em 1992 (Decreto-Lei nº 149-A/83, de 5 de Abril, com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 172/84, de 24 de Maio, 72-A/90, de 3 de Março, e 91/92, de 23 de Maio) [43].

6.4. Ao próprio Tribunal Constitucional, através do plenário dos seus juízes, compete elaborar os regulamentos internos necessários ao seu bom funcionamento (artigo 36º, alínea b), LTC). Estão em vigor vários regulamentos relativos ao funcionamento do plenário e das secções, da biblioteca e do arquivo bibliográfico e jurisprudencial, ao uso das viaturas do Tribunal, às notificações de decisões, à publicação de decisões, às férias, ao acesso de estranhos às instalações do Tribunal e ao conselho administrativo.

Além disso, compete ao Tribunal Constitucional fixar, por deliberação interna, no início de cada ano judicial, os dias e as horas em que se realizam as sessões ordinárias (artigo 36º, alínea d), LTC).

 

7. Regime administrativo e financeiro do Tribunal Constitucional

7.1. O Tribunal Constitucional goza de autonomia administrativa (artigo 5º LTC), verdadeira garantia da sua independência face ao poder executivo.

Do ponto de vista administrativo, a secretaria do Tribunal Constitucional compreende uma secção de expediente e contabilidade e duas secções de processos (artigo 1º do Decreto-Lei nº 149-A/83, de 5 de Abril).

A secretaria é dirigida por um secretário de tribunal superior, com "categoria idêntica à do secretário do Supremo Tribunal de Justiça" (artigo 46º, nº 2, LTC). O pessoal da secretaria tem os direitos e regalias e está sujeito aos deveres e incompatibilidades do pessoal da secretaria do Supremo Tribunal de Justiça.

Além da secretaria, existem diferentes serviços de apoio: o gabinete do presidente (composto por um chefe de gabinete, três assessores e dois secretários pessoais), o gabinete dos juízes (com 12 assessores e 12 secretários pessoais), o gabinete do Ministério Público (2 assessores e 2 secretários pessoais) [44] e o núcleo de apoio documental e informação jurídica.

O provimento do pessoal da secretaria e dos serviços de apoio do Tribunal compete ao seu presidente (artigo 47º LTC; artigo 9º do Decreto-Lei nº 149-A/83, na redacção dada pelo Decretos-Leis nºs 72-A/90 e 91/92). A ele cabe ainda dar posse aos funcionários (artigo 39º, nº 1, alínea l), LTC).

Cabe ao presidente exercer sobre os funcionários do Tribunal Constitucional o poder disciplinar, com recurso para o próprio Tribunal (artigo 39º, nº 1, alínea l), LTC).

Ao presidente cabe superintender na gestão e administração do Tribunal, podendo autorizar a celebração de contratos de pessoal além do quadro e de tarefa ou requisitar pessoal para exercer funções nos serviços (artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 172/84, de 24 de Maio).

7.2. Em matéria orçamental, o Tribunal Constitucional dispõe de orçamento próprio, inscrito em capítulo próprio nos encargos gerais da Nação do Orçamento do Estado (artigo 5º LTC).

Compete ao próprio Tribunal aprovar a proposta do orçamento anual do Tribunal (artigo 36º, alínea c), LTC) [45].

7.3. Prevê-se na orgânica do Tribunal a existência de um conselho administrativo, constituído pelo presidente do Tribunal Constitucional, por dois juízes por este designados após prévia audiência do Tribunal, pelo secretário deste último e pelo secretário judicial (artigo 2º do Decreto-Lei nº 172/84) [46].

As atribuições específicas do conselho administrativo incluem a gestão financeira corrente do Tribunal e a elaboração do projecto de orçamento e o respectivo relatório. A ele lhe cabe igualmente elaborar as propostas de alterações orçamentais que se mostrem necessárias, bem como organizar e submeter a julgamento do Tribunal de Contas a conta de gerência referente às despesas efectuadas até 31 de Dezembro do ano anterior (artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 172/84).

No que toca à gestão orçamental, a lei confere ao Tribunal competência idêntica à de um ministro no âmbito do seu departamento ministerial (artigo 5º, nº 2, do Decreto-lei nº 172/84).

 

8. Serviços de apoio aos Juízes e ao Tribunal Constitucional

8.1. Como se referiu no ponto anterior, além da secretaria, o Tribunal Constitucional dispõe de serviços de apoio, que compreendem o gabinete do presidente, o gabinete dos juízes, o gabinete do Ministério Público e o núcleo de apoio documental e informação jurídica (artigo 10º do Decreto-Lei nº 149-A/83, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 72-A/90).

8.2. O presidente tem um chefe de gabinete, a partir de 1992 (cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 91/92, de 23 de Maio). Compete-lhe coordenar os serviços do gabinete e apoio técnico que lhe forem determinados, bem como as funções que o presidente nele delegar.

Tem ainda 3 assessores que prestam o apoio técnico que lhes for determinado pelo próprio presidente, bem como dois secretários pessoais. Um dos assessores deste gabinete tem necessariamente de ser jurista (artigo 11º, nº 8, do Decreto-Lei nº 149-A/83, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 91/92).

As remunerações dos membros do gabinete do presidente estão equiparadas às dos adjuntos ou secretários dos membros do Governo, embora os assessores não disponham de despesas de representação, ao contrário dos adjuntos dos gabinetes de membros do Governo.

8.3. Cada um dos outros doze juízes dispõe de um assessor e de um secretário pessoal, cujas remunerações são idênticas às dos assessores e secretários do presidente.


Os membros do gabinete dos juízes - tal como os dos restantes gabinetes - são livremente providos e exonerados pelo presidente do Tribunal Constitucional, após prévia audição do respectivo juiz (artigo 11º, nº 3, do Decreto-Lei nº 149-A/83, na redacção do Decreto-Lei nº 72-A/90). Cada juiz designa, pois, elementos da sua confiança pessoal para integrarem o seu gabinete, como os membros do Governo.

Os assessores dos gabinetes dos juízes e do Ministério Público têm de ser juristas, não podem exercer a advocacia, podendo desempenhar funções docentes ou de investigação científica no ensino superior, com um regime favorável (art 11º, nºs 8 e 9, do Decreto-Lei nº 149-A/83, na redacção do Decreto-Lei nº 91/92) [47].

8.4. Ao núcleo de apoio documental e informação jurídica - em cujo quadro há dois técnicos licenciados do pessoal técnico superior e diferentes funcionários administrativos - compete organizar a biblioteca e inventariar as publicações recebidas e adquiridas, organizar e manter um arquivo bibliográfico e jurisprudencial das matérias atinentes às funções do Tribunal, manter o ficheiro das decisões do Tribunal, preparar a edição da colectânea anual de acórdãos do Tribunal e superintender na respectiva publicação (artigo 12º do Decreto-Lei nº 149-A/83).

 

II -Âmbito, objecto e padrões da fiscalização da constitucionalidade

1. Âmbito e objecto do controlo

1.1. Actos normativos objecto de controlo: leis e outros actos normativos do poder público

1.1.1. Indicou-se atrás que o Tribunal Constitucional tem como competência nuclear o controlo de normas, em regra o controlo de constitucionalidade de normas jurídicas, em casos contados o controlo de legalidade (ilegalidade por violação de lei de valor reforçado; ilegalidade de norma constante de diploma regional dos Açores e da Madeira, por violação do respectivo estatuto ou de lei geral da República; ilegalidade de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento em violação do estatuto de uma das duas regiões autónomas).

Ter-se-á agora em consideração apenas o controlo de constitucionalidade.

1.1.2. As normas objecto dos diferentes tipos de fiscalização de constitucionalidade podem constar de leis ou de outros actos normativos do poder público, quando se esteja no domínio da fiscalização abstracta sucessiva ou no da fiscalização concreta.

Relativamente à fiscalização abstracta preventiva, o objecto da apreciação de constitucionalidade tem por objectivo normas ainda não eficazes, por constarem de tratados internacionais submetidos a ratificação do Presidente da República ou de decretos da Assembleia da República ou do Governo enviados ao Presidente da República para promulgação como lei ou decreto-lei ou ainda de acordos internacionais (acordos em forma simplificada) cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura.

Refira-se ainda que o Ministro da República nas duas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira [48] pode igualmente requerer a apreciação preventiva de constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto legislativo regional ou de decreto regulamentar de lei geral da República que lhe tenham sido enviados para assinatura (artigo 278º, nº 2, CRP).

1.1.3. Observadas as particularidades postas em relevo, pode-se dizer que estão sujeitos ao controlo de constitucionalidade normas constantes de:

- tratados internacionais e acordos internacionais em forma simplificada;
- actos legislativos ou com força de lei: leis da Assembleia da República, decretos-leis do Governo [49], decretos legislativos regionais (das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira); diplomas de natureza legislativa emanados dos órgãos de governo do Território de Macau até 1999;
- actos de natureza regulamentar, provenientes do Governo, dos governos regionais das Regiões Autónomas, dos órgãos de poder local, de certos magistrados administrativos (caso dos governadores civis nos distritos de Portugal continental), de certas pessoas colectivas públicas com poderes regulamentares, e mesmo de entidades não públicas, em certos casos, desde que lhes sejam atribuídos poderes normativos públicos [50].

1.1.4. Em especial no que toca às fontes de direito regional, relativamente às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, importa referir que estão sujeitas a controlo de constitucionalidade as normas constantes de actos legislativos (decretos legislativos regionais) ou de actos de natureza regulamentar (decretos regulamentares regionais, portarias ou despachos normativos do Governo regional respectivo).

Segundo o artigo 115º, nº 3, da CRP, os decretos legislativos regionais "versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra as leis gerais da República, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 229º". A partir da revisão de 1989, as assembleias legislativas regionais passaram a poder legislar, sob autorização da Assembleia da República, "em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (artigo 229º, nº 1, alínea b), CRP). A legislação emanada das assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira tem, assim, de respeitar a Constituição e as leis gerais da República [51], têm de versar matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania. Esta legislação pode ainda desenvolver, em função do interesse específico das regiões, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República ou mesmo em matérias reservadas de certo tipo (artigo 229º, nº 1, alínea c), CRP) [52].

1.2. Noção de norma para efeito de controlo da constitucionalidade

1.2.1. A jurisprudência constitucional acolhe uma noção de norma muito ampla, utilizando um critério simultaneamente funcional e formal para o efeito. No acórdão nº 26/85, o plenário do Tribunal Constitucional negou que a noção de norma jurídica postulada pelo sistema de controlo de constitucionalidade português, e utilizada para determinação da competência de controlo de constitucionalidade, se revestisse de carácter material, assente nas características típicas da generalidade e da abstracção. Estava em causa a fiscalização preventiva de constitucionalidade de dois decretos do Governo que extinguiam duas empresas públicas, contendo, pois, preceitos de carácter individual e concreto. Depois de negar que todos os actos de poder público de carácter concreto (como sejam as decisões judiciais e os actos administrativos sem carácter normativo) pudessem ser sujeitos ao controlo de constitucionalidade previsto nos artigos 277º a 282º CRP, o Tribunal Constitucional afirmou:

«Onde, porém, um acto do poder público for mais do que isso, e contiver uma regra de conduta para os particulares ou para a Administração ou um critério de decisão para esta última ou para o juiz, aí estaremos perante um acto «normativo», cujas injunções ficam sujeitas ao controlo de constitucionalidade.

Ora, isto é o que justamente acontece com os preceitos legais de conteúdo individual e concreto, ainda mesmo quando possuam eficácia consuntiva. Podem, eles, na verdade, conter ou esgotar a sua própria execução; nem por isso, no entanto deixam de credenciá-la normativamente (legalmente) e de fornecer o critério para a sua apreciação sub specie juris [...]

Ao fim e ao cabo, o que sucede é que também os preceitos com a natureza agora considerada têm como parâmetro de validade imediato, não a lei («outra» lei), mas a Constituição. Nada justifica, por consequência, que o seu exame escape ao controlo específico da constitucionalidade - é dizer, à jurisdição e à competência deste Tribunal» [53].

1.2.2. Desde então, e com relevante aplauso doutrinal, o Tribunal Constitucional considera-se competente para apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas públicas, independentemente do seu carácter geral e abstracto, ou individual e concreto, e bem assim de possuirem - quando se trate de normas individuais e concretas - eficácia consuntiva (ou seja, quando seja dispensável um acto de aplicação). «Necessário e suficiente, por outras palavras, é que se esteja perante um preceito constante desse «acto normativo» público (maxime, lei ou regulamento), e não perante um mero acto administrativo, judicial ou político» [54].

1.2.3. A aplicação desta doutrina suscita, por vezes, dificuldades, face às diversas situações concretas.

O Tribunal considerou que possuíam a característica de normatividade leis-medida e leis individuais e concretas, tratados-contrato internacionais e resoluções da Assembleia da República que suspendiam a vigência de decretos-leis [55]. Por outro lado, considerou que um regulamento estabelecido por um tribunal arbitral voluntário podia ser apreciado em função da Constituição, funcionando esta como seu parâmetro directo [56]. Em contrapartida, em jurisprudência recente e já citada sobre a invocada contrariedade entre um diploma legal e uma convenção internacional (Convenção de Genebra que aprovou uma Lei Uniforme sobre Letras e Livranças), o Tribunal Constitucional considerou que a norma de direito interno não poderia violar directamente a Constituição, dada a interposição da convenção internacional (acórdãos nºs 351/92 e 162/93, proferidos por cada uma das secções, publicados no Diário da República, II Série, nºs 62, de 23 de Março de 1993, e 84, de 10 de Abril de 1993).

1.2.4.
Relativamente às convenções colectivas de trabalho, existe jurisprudência contraditória das duas secções do Tribunal. Tendo negado a qualidade de norma para efeitos de controlo de constitucionalidade a preceitos contidos em actos de autonomia privada (norma de regulamento de uma empresa pública sobre a prevenção e combate do alcoolismo - acórdão nº 156/88, in Acórdãos, 11º vol., págs. 1057 e segs.; ou normas de estatutos e de um regulamento disciplinar de uma federação desportiva - acórdão nº 472/89, in Acórdãos, 14º vol., págs. 7 e segs., ou os estatutos de uma cooperativa - acórdão nº 92/94, inédito), o Tribunal dividiu-se quanto a saber se as convenções colectivas de trabalho continham, ou não, normas provenientes da autonomia privada que se transformavam através do reconhecimento normativo pelo Estado (cfr. artigo 57º, nº 4, CRP) [57]. Tem-se entendido que são objecto de fiscalização de constitucionalidade as normas constantes dos estatutos de associações públicas (cfr. artigo 267º, nº 3, CRP), os regulamentos por estas emitidos e as normas produzidas por sociedades ou outras entidades privadas por devolução de poderes de entidades públicas (por exemplo, regulamentos produzidos por concessionários de obras ou serviços públicos).

1.2.5. Relativamente aos assentos, normas interpretativas de carácter geral e abstracto emitidas pelo Supremo Tribunal de Justiça [58], o Tribunal Constitucional tem pacificamente entendido que os mesmos podem ser objecto de controlo de constitucionalidade (vejam-se acórdãos nºs 40/84, 8/87, 340/90, 359/91 e 299/95, estando inédito o último e publicados os restantes, in Acórdãos, 3º vol., pág. 241, 9º vol., pág. 229, 17º vol., pág. 349, e Diário da República, I Série-A, nº 237, de 15 de Outubro de 1991; o acórdão nº 359/91 acha-se igualmente publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 409, pág. 170).
1.3. Norma e preceito normativo

Objecto de controlo de constitucionalidade são as normas jurídicas e não os preceitos normativos que as contêm.

O juízo de (in)constitucionalidade tem por objecto frequentemente partes de um mesmo preceito normativo, quando este contém mais de uma norma, ou mesmo quando o preceito contém uma única norma, se só estiver em causa uma parte ou um segmento ideal da norma. Remete-se para o que se referirá a seguir (III.3.2.).

Não está excluído que possam ser objecto de fiscalização de constitucionalidade meras normas consuetudinárias, na medida e nos domínios em que são admitidas como fonte de direito interno (cfr. artigos 3º, nº 1, e 348º do Código Civil). Relativamente às normas consuetudinárias, não tem aplicação o conceito de preceito normativo, o qual pressupõe uma fonte escrita de direito.


1.4. Direito Internacional e direito supranacional

1.4.1. O artigo 8º, nº 1, CRP dispõe que «as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português».

Segundo o entendimento generalizado da doutrina, trata-se de uma norma de recepção automática do direito internacional geral ou comum pela ordem jurídica portuguesa. Existe aqui uma cláusula geral de recepção plena, havendo incorporação dessas normas e princípios no direito interno português, sem que tenham de ser observadas regras constitucionais especiais que regulam a vinculação do Estado ao direito internacional, como sucede com o direito internacional convencional [59]. Além do costume internacional de âmbito geral, estão ainda previstos os princípios fundamentais de direito internacional público, em regra «reconhecidos no direito interno dos Estados e que, em virtude da sua radicação generalizada na consciência jurídica das colectividades, acabam por adquirir sentido normativo no plano do direito internacional (por ex.: princípio da boa fé, cláusula rebus sic stantibus, proibição do abuso de direito, princípio da legítima defesa)» [60].

Tem-se entendido de modo pacífico que, pela natureza das coisas, as normas de direito internacional geral ou comum não podem violar a Constituição portuguesa [61].

1.4.2. O nº 2 do artigo 8º CRP prevê o direito internacional convencional: «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.»

Trata-se igualmente de uma cláusula de recepção automática, embora condicionada: a Constituição impõe que os tratados e acordos internacionais hajam sido regularmente ratificados ou aprovados, de acordo com as regras constitucionais (cfr. artigos 138º, alínea b), 164º, alínea j), 200º, nº 1, alíneas b) e c), CRP) e que os mesmos tenham sido oficialmente publicados no Diário da República (artigo 122º, nº 1, alínea b), CRP) [62].

As convenções (tratados e acordos) internacionais que vigorem na ordem jurídica portuguesa podem ser objecto de fiscalização de constitucionalidade.

Existe uma limitação importante à relevância de certos vícios de natureza procedimental para efeitos de julgamento ou declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral: segundo o nº 2 do artigo 277º, «a inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental» [63].

A possibilidade de as normas de direito internacional convencional contrariarem a Constituição e poderem ser sujeitas a fiscalização de constitucionalidade resulta não só deste nº 2 do artigo 277º, como ainda dos artigos 278º, nº 1, 279º, nº 4, e 280º, nº 3, da CRP. Têm sido raros os casos de fiscalização de constitucionalidade de convenções internacionais [64]. Não exclui a fiscalização de constitucionalidade o carácter não normativo da convenção (convenção-contrato - cfr. o acórdão nº 168/88, in Acórdãos, 12º vol., págs. 194 e segs.).

1.4.3. A relevância interna do chamado direito supranacional passou a ser regulada, desde a primeira revisão constitucional (1982), no nº 3 do artigo 8º CRP, tendo em vista a futura adesão do País às Comunidades Económicas Europeias (adesão que ocorreu a partir de 1 de Janeiro de 1986, juntamente com o Reino de Espanha).

De harmonia com esse preceito, «as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.»

Maioritariamente, a doutrina portuguesa tem entendido que o direito comunitário derivado não pode contrariar o direito constitucional português, estando sujeito à fiscalização abstracta sucessiva e à fiscalização concreta da constitucionalidade (Gomes Canotilho - Vital Moreira; Jorge Miranda). Cardoso da Costa, por seu turno, chama a atenção para a dificuldade de resolução da questão de saber «se a competência de controlo do Tribunal [Constitucional] abrange ainda as normas do chamado direito comunitário europeu «derivado» - isso, atenta, por um lado, a natureza específica da Comunidade Europeia e do seu ordenamento jurídico e, por outro, a competência própria do Tribunal de Justiça das Comunidades (sobretudo a exercida através do procedimento do «reenvio prejudicial», previsto no artigo 177º do Tratado da CEE) e a missão que lhe é atribuída de assegurar, nesse quadro, a realização de uma «comunidade de direito»» [65].

A jurisprudência do Tribunal Constitucional não tem sido chamada a apreciar questões de inconstitucionalidade de normas de direito comunitário derivado [66]. No acórdão nº 163/90 (in Acórdãos, 16º vol., págs. 301 e segs.), a propósito da questão da invocada inconstitucionalidade de uma norma de direito interno sobre alçadas dos tribunais em processo civil, o recorrente suscitou a necessidade de se submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nos termos do artigo 177º do Tratado de Roma, a questão de saber se do artigo 168º-A do Tratado CEE emanava um princípio geral, segundo o qual, para defesa dos direitos fundamentais e restrito a matérias de direito, os Estados-membros tinham o dever de consagrar no seu direito interno o princípio do duplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional entendeu que, no caso concreto, era impertinente a questão do pedido para reenvio, mas não negou em abstracto que o Tribunal Constitucional pudesse submeter ao Tribunal de Justiça questões no âmbito do artigo 177º do Tratado de Roma, quando estivesse em causa a interpretação de uma norma comunitária [67]. O problema era, porém, o de averiguar se o direito interno infraconstitucional era ou não conforme a um tratado internacional (cfr. artigo 70º, nº 1, alínea i), LTC).

1.4.4. Num plano diferente, o Tribunal Constitucional pode ser chamado a apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas estrangeiras aplicáveis no país por força das normas de conflitos portuguesas [68].

1.5. Omissões legislativas


1.5.1. Na fiscalização abstracta, preventiva e sucessiva, e na fiscalização concreta de constitucionalidade, não é admissível a suscitação de questões de omissões legislativas contrárias à Constituição (artigos 277º, nº 1, 278º, nºs 1 e 2, 279º, nº 1, 280º, nº 1, 281º, nº 1, alínea a), LTC).

1.5.2. Desde a versão originária da Constituição, prevê-se a inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais. A pedido das entidades indicadas no nº 1 do artigo 283º CRP, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição decorrente dessa omissão.

Se o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão - o que pressupõe que haja um dever jurídico-constitucional de legislar [69] - deverá dar conhecimento da omissão ao órgão legislativo competente (artigo 283º, nº 2, CRP).

O artigo 283º CRP parece ter tido a sua origem no artigo 377º da Constituição jusgolava de 1974, quadrando bem ao carácter programático e orientador da actual Constituição [70], e estando, porventura, na origem da figura, na Constituição brasileira de 1988, onde aparece o mandado de injunção (artigos 5º, LXXI, 102º, I, q) e II a), 105º, I, h). Todavia, no caso português, trata-se de uma acção de inconstitucionalidade de natureza abstracta, ao passo que no direito constitucional brasileiro este mandado é uma modalidade de fiscalização concreta.

1.5.3. A «deverosidade» da criação legislativa ocorre, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, «quando a Constituição: (a) estabelece uma ordem concreta de legislar; (b) define uma imposição permanente e concreta dirigida ao legislador (criação do Serviço Nacional de Saúde, criação do ensino básico, obrigatório e gratuito); (c) consagra normas que, não se configurando expressamente como ordem de legislar ou imposições constitucionais permanentes e concretas, pressupõem, porém, para obterem imperatividade prática, a mediação legislativa (ex. lei sobre o exercício do direito de oposição, lei sobre os crimes de responsabilidade política, etc.)" [71].

1.5.4. A omissão existe não só quando faltam em absoluto as medidas legislativas exigidas pela Constituição como quando essas mesmas medidas são incompletas, inadequadas ou inexequíveis em si mesmas.

1.6. Actos políticos

Os actos políticos são insusceptíveis de fiscalização de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, ainda que sejam contrários à Constituição.

Como põe em relevo Cardoso da Costa, faltam no elenco das competências do Tribunal Constitucional «algumas áreas de competências típicas da jurisdição constitucional de outros países, como sejam, designadamente, a da resolução dos litígios constitucionais em sentido estrito, bem como dos litígios entre o poder central do Estado e os poderes federados ou regionais que eventualmente o integrem [...], a do sancionamento de violações da Constituição cometidas por titulares dos órgãos de soberania, a de protecção específica dos direitos fundamentais através de um instituto processual do tipo de "queixa constitucional" ou equivalente: todos estes são domínios desconhecidos ou, de todo o modo, não incluídos a se no âmbito da jurisdição constitucional portuguesa» [72].

Exceptuam-se da exclusão do controlo de constitucionalidade a declaração do estado de sítio e do estado de emergência, pois que são actos que revestem natureza normativa (cfr. artigos 19º, 137º, alínea d) e 141º CRP) bem como os actos de convocação de referendos ou de consultas populares locais, que estão sujeitos a fiscalização preventiva obrigatória (por imposição constitucional - artigos 118º, nº 6, e 137º, alínea c); artigo 225º, nº 2, alínea f) [73].

1.7. Actos administrativos

1.7.1. Relativamente aos actos administrativos de natureza não normativa está excluída a respectiva fiscalização de constitucionalidade, não existindo ainda em Portugal um recurso de queixa, recurso de amparo ou acção constitucional de defesa (cfr. supra, II.1.2).

1.7.2. Em contrapartida, os actos de natureza regulamentar, enquanto actos normativos provenientes do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, estão sujeitos a fiscalização de constitucionalidade, como se referiu. Do mesmo modo, estão sujeitos a fiscalização de constitucionalidade actos normativos de natureza «pararegulamentar» [74], como sejam resoluções de certos órgãos (do Conselho de Ministros, por exemplo), instruções, directivas, despachos e avisos, desde que se possa dizer que contêm normas.

1.7.3. Como atrás se viu, desde o acórdão nº 26/85 que se admite pacificamente que actos administrativos contidos em lei formal possam ser objecto de fiscalização de constitucionalidade [75].


1.8. Decisões jurisdicionais

1.8.1. Por não existir um recurso de queixa, de amparo ou uma acção constitucional de defesa, as decisões jurisdicionais não podem ser objecto de fiscalização de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.

1.8.2. Como se referiu supra (II.1.2.), apenas as decisões dos tribunais de natureza normativa podem ser objecto de fiscalização de constitucionalidade. No presente, são indiscutivelmente sujeitos a esse tipo de controlo os assentos do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 2º do Código Civil; artigos 763º e seguintes do Código de Processo Civil), independentemente do juízo que se possa fazer sobre a sua constitucionalidade, enquanto actos normativos com força obrigatória geral, a partir de 1982 [76].

1.8.3. Parecem igualmente poder ser objecto de fiscalização de constitucionalidade, no que toca à sua conformidade material com a Constituição, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, emitidos nos termos do artigo 437º do Código de Processo Penal de 1987, embora as respectivas interpretações não tenham força obrigatória geral. Está, aliás, pendente no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização abstracta de constitucionalidade quanto ao acórdão nº 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça (publicado no Diário da República, I Série-A, nº 150, de 2 de Julho de 1992). No plano de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional, através da 2ª Secção, fiscalizou a constitucionalidade do acórdão nº 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão nº 279/95, ainda inédito).


1.9. Actos jurídico-privados

1.9.1. Os actos jurídico-privados, nomeadamente os negócios jurídicos, não podem ser objecto de controlo de constitucionalidade. Igualmente não podem ser objecto de controlo os estatutos de associações privadas, sociedades e cooperativas ou fundações submetidas ao direito privado.

1.9.2. Já atrás se viu que certos actos normativos de natureza privada poderão vir a ser objecto de controlo de constitucionalidade. Referiu-se o caso das convenções colectivas de trabalho e da controvérsia existente entre as duas secções do Tribunal quanto à possibilidade de as suas normas serem objecto de controlo.

O mesmo se diga dos regulamentos de empresas e de federações desportivas, quando sejam objecto de homologação (remete-se para os acórdãos nºs 156/88 e 472/89, acima citados, supra II.1.2).

 

2. Padrões de controlo

2.1. Constituição

2.1.1. Na fiscalização de constitucionalidade existente em Portugal, o padrão de controlo é a Constituição e os princípios nela consagrados (artigo 277º, nº 1, CRP; artigo 207º da mesma Constituição). Assim, são inconstitucionais as normas que violem as normas da Constituição (normas-preceito; normas-disposição, ainda que programáticas) ou os princípios constitucionais, expressos (normas-princípio) ou apenas implícitos. São princípios expressos na Constituição o princípio da universalidade dos direitos (artigo 12º CRP), o princípio da igualdade (artigo 13º CRP), o princípio da imparcialidade da administração (art 266º, nº 2, CRP). Pode considerar-se que o princípio de proibição do excesso ou o princípio da proporcionalidade são deduzíveis de diferentes normas da Constituição (artigos 18º, nº 2, 19º, nº 6, e 272º, nº 2), bem assim como o princípio da precisão ou da determinação das leis [77].

2.1.2. Importa chamar a atenção para a circunstância de a própria Constituição receber certos complexos normativos anteriores, atribuindo-lhes valor constitucional.

Assim, no artigo 292º, nº 2, CRP, dispõe-se que «o estatuto do território de Macau, constante da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, continua em vigor, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 53/79, de 14 de Setembro». Os dois números subsequentes deste artigo prevêem o modo de alteração do Estatuto Orgânico de Macau (que foi efectivamente alterado pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio). Este estatuto foi, assim, objecto de recepção pela Constituição (cfr. artigo 290º CRP). Foi igualmente recebida pela Constituição a legislação penal que sancionava os agentes da Polícia Política (PIDE/DGS) do Regime corporativo deposto em 25 de Abril de 1974 (artigo 294º). Houve, assim, uma constitucionalização da legislação anterior, embora se preveja a sua alteração por lei ordinária (nºs 2 e 3 do artigo 294º; esta legislação de excepção dotada de retroactividade, nunca foi até hoje alterada).

2.1.3. Importa reter que o nº 2 do artigo 16º da Constituição estabelece que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem» [78].

Por outro lado, o nº 1 do mesmo artigo 16º consagra uma perspectiva aberta dos direitos fundamentais ao estabelecer que «os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional» [79].


A melhor doutrina sustenta que o nº 2 do artigo 16º CRP não opera a constitucionalização da Declaração Universal dos Direitos do Homem, antes esta é vista como um «parâmetro exterior» (Gomes Canotilho e Vital Moreira; António Vitorino).

2.2 Os Tratados Internacionais - Convenções e Pactos Internacionais de carácter geral ou regional em matéria de direitos do Homem

2.2.1. Acabou de se referir o disposto no nº 2 do artigo 16º CRP. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, que vigora em Portugal como direito internacional convencional (artigo 8º, nº 2, CRP), serve de parâmetro exterior às normas sobre direitos fundamentais, as quais devem ser interpretadas em conformidade com aquela.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, o alcance útil do artigo 16º, nº 2, CRP é o seguinte: «(a) no caso de polissemia ou plurissignificação de uma norma constitucional de direitos fundamentais, deve dar-se preferência àquele sentido que permita uma interpretação conforme à Declaração Universal; (b) na «densificação» dos conceitos constitucionais relativamente indeterminados referentes a direitos fundamentais (ex: dignidade humana, direito de asilo, direito a existência digna) deve recorrer-se ao sentido desses conceitos na Declaração Universal, salvo se esse sentido for contra constitutionem» [80].

2.2.2. Excluído o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual se acha contemplada no próprio texto constitucional, as convenções e pactos internacionais, de carácter geral ou regional, não têm valor constitucional, nem são expressamente ressalvadas no texto da Constituição.

Também é certo que nenhuma norma da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ou da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - convenções internacionais que vigoram na ordem jurídica portuguesa, nos termos do nº 2 do artigo 8º da CRP - foi até hoje objecto de fiscalização de constitucionalidade, a título preventivo ou sucessivo.

O Tribunal Constitucional tem sido «confrontado com a temática de projecção na ordem interna do Direito Internacional Convencional», importando «sublinhar que na esmagadora maioria dos casos a questão colocada reportava-se a normas do direito interno, estando então em causa saber se as regras das pertinentes convenções internacionais integravam ou não o «bloco de constitucionalidade» enquanto parâmetro aferidor da validade dos actos normativos internos» [81].
A resposta a tais questões tem sido negativa, não considerando o Tribunal Constitucional que tais normas convencionais integrem o bloco de constitucionalidade, ainda que a sua desconformidade com o direito interno possa abrir a via do recurso prevista no artigo 70º, nº 1, alínea i), da LTC, desde que verificados os respectivos pressupostos.

III - Modalidades e vias processuais de fiscalização da constitucionalidade de normas jurídicas

1. Os momentos de controlo

1.1. Preventivo ou «a priori»

1.1.1. A Constituição portuguesa de 1976 acolheu, por influência da Constituição francesa de 1958, um controlo preventivo de constitucionalidade, tendo por objecto normas ainda não existentes, em processo de formação. Trata-se de uma forma de fiscalização abstracta.

O Presidente da República pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva de qualquer norma «constante de tratado internacional que lhe tenha sido submetido para ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei ou decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura» (artigo 278º, nº 1, CRP).

Relativamente ao direito regional dos Açores e da Madeira, o nº 2 do artigo 278º da CRP prevê que os Ministros da República dessas duas regiões possam «igualmente requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto legislativo regional ou de decreto regulamentar de lei geral da República que lhes tenham sido enviados para assinatura».


1.1.2. Noutro plano - o de falta de normas legais exigidas pela Constituição - põe-se a questão da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283º CRP). Quanto a esta modalidade, não se pode falar de fiscalização preventiva, podendo dizer-se que o controlo é sucessivo (verificação da omissão pré-existente).

1.2. Sucessivo ou «a posteriori»

Quer na fiscalização abstracta sucessiva, quer na fiscalização concreta, o objecto dessa fiscalização são normas já existentes, ou, em casos mais raros, normas que já não estão em vigor (normas revogadas ou cuja vigência cessou por caducidade) ou normas de eficácia suspensa [82].

Na fiscalização abstracta sucessiva, o Tribunal Constitucional só fiscaliza a constitucionalidade de normas cuja vigência cessou (por revogação ou caducidade), quando exista interesse jurídico na eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado que não existe interesse jurídico relevante que justifique o conhecimento do pedido quando a eventual declaração de inconstitucionalidade se não revista de conteúdo prático apreciável, tornando-se inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole geral e abstracta como é a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (formulação do acórdão nº 17/83, in Acórdãos, 1º vol., págs. 93 e segs., retomado no acórdão nº 120/95, in Diário da República, II Série, nº 88, de 13 de Abril de 1995). Por outro lado, a mesma jurisprudência considera que, não tendo normalmente a revogação de uma norma efeitos retroactivos, diferentemente do que sucede, por regra, na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (artigo 282º, nº 1, CRP), pode haver interesse na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, se há efeitos produzidos medio tempore que devam ser eliminados. Mas «não existe interesse jurídico relevante no conhecimento de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral naqueles casos onde não se vislumbre qualquer alcance prático em tal declaração por, se hipoteticamente tal declaração viesse a ter lugar, razões de segurança jurídica ou de equidade - tal como previsto no nº 4 do artigo 282º da Constituição - levarem à conclusão de que se impunha, de modo necessário, efectuar a limitação dos respectivos efeitos» (acórdão nº 806/93, in Diário da República, II Série, nº 24, de 29 de Janeiro de 1994, formulação retomada no acórdão nº 119/95, no mesmo jornal e série, nº 83, de 7 de Abril de 1995; de forma mais detalhada, veja-se o acórdão nº 57/95, no mesmo jornal e série, nº 87, de 12 de Abril de 1995, onde, a propósito de normas revogadas do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares se reafirmam as orientações tradicionais do Tribunal e se analisa a evolução da jurisprudência anterior).

2. Os modos de controlo

2.1. Controlo abstracto prévio

2.1.1. Já se referiu que a Constituição de 1976 consagrou, desde a sua versão originária, a fiscalização preventiva de constitucionalidade quanto a normas constantes de certos actos normativos em vias de formação (artigos 278º e 279º), por influência do controlo «a priori» de constitucionalidade pelo Conseil constitutionnel francês, consagrado na Constituição de 1958 deste país.

Importará descrever as sub-modalidades desta fiscalização preventiva.

2.1.2. Em primeiro lugar, importa começar por distinguir três casos diversos de fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas jurídicas, consoante os órgãos que aprovaram os respectivos diplomas [83]:

- Normas contidas em diplomas provenientes da Assembleia da República e do Governo, incluindo as convenções internacionais aprovadas por estes órgãos (artigo 278º, nº 1, CRP);

- Normas contidas em diplomas regionais aprovados pelas assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira (artigo 278º, nº 2, CRP);

- Normas contidas em leis aprovadas pela Assembleia Legislativa de Macau e que, tendo sido enviadas para promulgação ao Governador, este se recuse a fazê-lo, vetando-as, com fundamento em que as normas violam «regra constitucional ou estatutária» (ou «norma dimanada de órgão de soberania da República que os órgãos de governo próprio do Território não possam contrariar»), depois de confirmado o diploma por essa Assembleia Legislativa (artigo 40º, nº 3, do Estatuto Orgânico de Macau, na versão da Lei nº 13/90, de 10 de Maio; não houve até ao presente qualquer pedido nestes termos).


2.1.2.1. O Presidente da República, por regra, excepcionalmente outras entidades no que toca aos decretos da Assembleia da República que contenham leis orgânicas (artigo 169º, nº 2, da CRP), podem requerer a fiscalização preventiva de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional de normas jurídicas contidas em diplomas provenientes da Assembleia da República ou do Governo [84].

O Presidente da República pode requerer a fiscalização preventiva relativamente a:
- convenções internacionais aprovadas pela Assembleia da República e pelo Governo;
- decretos da Assembleia da República e do Governo que lhe tenham sido enviados para promulgação como lei ou como decreto-lei.

No caso de decretos da Assembleia da República que contenham diplomas que devam ser promulgados como leis orgânicas, podem ainda requerer a fiscalização preventiva, além do Presidente da República, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções (artigo 278º, nº 4, da CRP).

Em especial no que toca ás convenções internacionais, o nº 1 do artigo 278º da Constituição distingue entre tratados internacionais que tenham sido submetidos ao Presidente da República para ratificação e acordos internacionais cujo decreto de aprovação (do Governo) lhe tenha sido remetido para assinatura. A doutrina chama a atenção para o desajustamento entre esta norma e a do artigo 164º, alínea j), da Constituição, a partir da segunda revisão constitucional [85]. De facto, a Assembleia da República tem competência hoje para aprovar não só tratados solenes sujeitos a ratificação, como também acordos em forma simplificada, devendo tal aprovação ser feita através de resolução (artigo 169º, nº 5, CRP, esclarecendo o nº 6 deste artigo que as «resoluções são publicadas independentemente de promulgação do Presidente da República»).

Ora, se, relativamente aos tratados solenes aprovados pela Assembleia da República, a respectiva resolução é publicada logo no jornal oficial, não carecendo de promulgação do Presidente da República (artigo 169º, nº 6, CRP), podendo o Presidente da República submeter o tratado a fiscalização preventiva antes da ratificação, quanto aos acordos internacionais em forma simplificada, que não são ratificados, o Presidente da República há-de intervir na sua aprovação, devendo nesse momento poder sujeitar as respectivas normas a fiscalização preventiva da constitucionalidade. Tal intervenção ocorre a partir do momento de submissão à sua assinatura da respectiva resolução parlamentar (artigo 137º, alínea b), CRP). Este caso não se acha, porém, contemplado no artigo 278º, nº 1, da CRP.

Relativamente aos tratados e acordos internacionais aprovados pelo Governo, essa aprovação tem de constar de decreto (artigo 200º, nº 2). O Presidente da República pode submeter a fiscalização preventiva as normas constantes destas convenções internacionais quando lhe sejam remetidos para assinatura os respectivos decretos do Governo (artigo 137º. alínea b), da CRP) [86].

O controlo em fiscalização preventiva só pode ter por objecto as normas cuja apreciação a entidade competente para requerer essa mesma fiscalização indicar como objecto do pedido, devendo a mesma especificar as normas e os princípios constitucionais tidos por violados ou que se suspeita que hajam sido violados (artigo 51º, nº 1, LTC). O Tribunal está vinculado pelo princípio do pedido, só podendo declarar a inconstitucionalidade das normas constantes do objecto do pedido, embora possa fazê-lo «com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada» (artigo 51º, nº 5, LTC).

2.1.2.2. Segundo o nº 2 do artigo 278º da CRP, o Ministro da República pode requerer a fiscalização preventiva de normas constantes de decretos legislativos regionais ou de decretos regulamentares de lei geral da República (cfr. artigo 229º, nº 1, alínea d), 2ª parte, CRP), aprovados pela respectiva Assembleia Legislativa Regional, e que lhe tenham sido mandados para assinatura.

A extensão do controlo é a mesma do que a prevista na fiscalização preventiva de normas emanadas dos órgãos de soberania (artigo 51º, nº 1, LTC).

2.1.2.3. Relativamente à fiscalização preventiva de constitucionalidade ou de legalidade de normas aprovadas pela Assembleia Legislativa de Macau, o respectivo Estatuto Orgânico é omisso quanto ao regime, pelo que se há-de entender que deverão ser aplicadas as normas dos artigos 57º a 61º da LTC.


2.1.3.
Relativamente à legitimidade para desencadear os processos de fiscalização preventiva, importa dizer que, no caso do nº 1 do artigo 278º da CRP, o Presidente da República pode requerer essa fiscalização, ao passo que , no caso do nº 2 do mesmo artigo, é o Ministro da República na respectiva região autónoma (dos Açores ou da Madeira) quem tem essa legitimidade.

Nos termos do nº 4 do artigo 278º da CRP, o Primeiro-Ministro e um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções podem, além do Presidente da República, desencadear a fiscalização preventiva de constitucionalidade relativamente aos decretos da Assembleia da República que devam ser promulgados como lei orgânica.

2.1.4. Em matéria de prazos para desencadear a fiscalização preventiva, a Constituição indica os mesmos: 8 dias a contar da data de recepção do diploma pelo Presidente da República ou pelo Ministro da República (artigo 278º, nº 3). Este prazo conta-se continuamente [87], devendo o pedido entrar na secretaria do Tribunal Constitucional até à hora do fecho da secretaria ao público (17 horas) [88].

No caso de decretos da Assembleia da República que devam ser promulgados como lei orgânica, impõe-se ao Presidente da Assembleia da República que dê conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da República da data do envio desse decreto à Presidência da República, começando então a contar o prazo constitucional de oito dias (artigo 278º, nº 6, CRP).

O artigo 56º, nº 2, da LTC estabelece que ao prazo constitucional acresce a dilação de 2 dias «quando os actos respeitem a órgão ou entidade sediados fora do continente da República». O Tribunal tem aceite que esta dilação se aplica não só às respostas dos órgãos autores da norma submetida a fiscalização preventiva, mas mesmo aos pedidos de fiscalização formulados pelos Ministros da República (acórdãos nºs 26/84, 278/89 e 328/92, publicados nos Acórdãos, 2º vol., pág. 71, 13º vol., I, pág. 7, e Diário da República, I Série-A, nº 262, de 12 de Novembro de 1992).

2.1.5. Quanto à tramitação, depois de entrado na secretaria do Tribunal, o pedido é submetido ao presidente do Tribunal Constitucional, o qual, no prazo de um dia, deve decidir sobre a sua admissão, podendo notificar o requerente para suprir deficiências, no caso de falta, insuficiência ou manifesta obscuridade das indicações sobre as normas objecto de apreciação e as normas ou os princípios constitucionais violados (artigos 57º, nº 2, e 51º, nºs 2 e 3). No caso de entender que o pedido deve ser rejeitado, o presidente tem de submeter o processo à conferência no mesmo prazo de um dia. No caso de haver deficiências, o requerente dispõe de um prazo de 2 dias, para as suprir. Se o presidente do Tribunal admitir o pedido, essa decisão não preclude a possibilidade de o Tribunal vir, mais tarde, a rejeitá-lo em definitivo (artigo 51º, nº 4, LTC). Se o presidente do Tribunal entender que o pedido não deve ser admitido por razões de natureza processual (por ilegitimidade do requerente; por não suprimento das deficiências apresentadas pelo requerimento; por extemporaneidade), deve submeter os autos ao plenário do Tribunal («à conferência» - artigo 52º, nº 2), mandando simultaneamente entregar cópias do requerimento aos restantes juízes. O Tribunal deve decidir no prazo de 2 dias, sendo a decisão que não admita o pedido notificada à entidade requerente.

Não havendo razões para rejeitar o pedido ou mandar suprir deficiências, deve o processo ser distribuído por sorteio a um relator, no prazo de um dia. É notificado o órgão de que emanou o diploma para responder ao pedido, se assim o entender [89], no prazo de 3 dias (artigo 54º LTC).

O relator deve elaborar um memorando «contendo o enunciado das questões sobre que o Tribunal deverá pronunciar-se e da solução que para elas propõe, com indicação sumária dos respectivos fundamentos» (artigo 58º, nº 2, LTC), no prazo de cinco dias, prazo em que lhe há-de ter sido entregue a resposta do órgão autor da norma.

Aos restantes juízes serão entregues cópias do pedido, da resposta do órgão autor da norma e do memorando do relator.

O presidente do Tribunal deve inscrever o processo na ordem do dia da sessão plenária no prazo de dez dias a contar do recebimento do pedido e logo que lhe seja entregue cópia do memorando do relator (artigo 59º, nº 1, LTC). A decisão constará de acórdão do plenário do Tribunal.

A decisão não deve ser proferida antes de decorridos 2 dias sobre a entrega do memorando a todos os juízes.

«Concluída a discussão e tomada de decisão do Tribunal, será o processo concluso ao relator ou, no caso de este ficar vencido, ao juiz que deva substituí-lo para elaboração do acórdão, no prazo de 7 dias, e sua subsequentemente assinatura» (artigo 59º, nº 3, LTC). Até ao presente, o Tribunal Constitucional proferiu a sua decisão no prazo legal ou no prazo encurtado, embora, por vezes, a decisão seja registada no chamado «livro de lembranças» (livro de registo de decisões, quando não é assinado logo o acórdão), e o acórdão só seja elaborado após o termo do prazo (em regra, quando ocorreu mudança de relator).

Quando o Presidente da República tiver encurtado o prazo para o Tribunal Constitucional se pronunciar (o prazo normal é de vinte e cinco dias - artigo 278º, nº 8, da CRP), todos os prazos previstos na lei serão encurtados pelo presidente do Tribunal (artigo 60º da LTC).

Anote-se que a entidade requerente, em fiscalização preventiva de constitucionalidade, pode desistir do pedido (artigo 53º LTC).


2.1.6. Em situações em que começou por haver um veto «político», seguido de nova aprovação com alterações do diploma pelo órgão de que emanara, e depois fiscalização preventiva, o Tribunal Constitucional foi levado a questionar-se sobre se era admissível a fiscalização preventiva e em que circunstâncias.

Relativamente a três decretos da Assembleia da República vetados pelo Presidente da República, nos termos do artigo 139º da CRP, e que, depois de alterados, foram enviados para promulgação e, depois, submetidos pelo Presidente da República a fiscalização preventiva, o Tribunal Constitucional considerou que não havia qualquer obstáculo que impedisse a sua apreciação pelo Tribunal, entendendo que bastava que tivesse havido alterações no articulado para não se exigir a confirmação por maioria qualificada nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 139º da Constituição (acórdãos nºs 320/89, 13/95 e 59/95, publicados in Acórdãos, 13º vol., I, págs. 29 e segs., Diário da República, II Série, nº 34, de 9 de Fevereiro de 1995, e I Série-A, nº 59, de 10 de Março de 1995). Admitiu que, ainda que não tivesse havido alterações no articulado, podia ser o mesmo decreto submetido a fiscalização preventiva, se estivesse em debate a maioria necessária para a respectiva confirmação (acórdão nº 320/89). Por outro lado, relativamente a um decreto do Governo, enviado para promulgação ao Presidente da República, devolvido por este ao Governo e por este enviado de novo para promulgação, o Tribunal entendeu, relativamente a um pedido de fiscalização preventiva desse decreto, que não tinha de apreciar o mesmo, visto o diploma ser inexistente, do ponto de vista jurídico-constitucional: o veto do Presidente da República quanto a decretos do Governo era definitivo, só restando ao Governo apresentar esse diploma como projecto [90].

O Tribunal Constitucional entendeu, num pedido de fiscalização de constitucionalidade de um diploma regional requerido pelo Ministro da República dos Açores, não dever conhecer do pedido, uma vez que este teria sido formulado extemporaneamente: o Ministro da República devolvera o diploma sem assinatura à Assembleia Regional e esta confirmara-o integralmente, alterando apenas duas datas que constavam do seu articulado, em virtude do atraso na respectiva publicação. O Ministro da República submeteu então o diploma a fiscalização preventiva, mas o Tribunal entendeu que, tratando-se substancialmente do mesmo diploma, o exercício da fiscalização preventiva devia anteceder o veto político, pelo que não devia conhecer do objecto do pedido (acórdão nº 58/85, in Acórdãos, 5º volume, pág. 83; sobre este ponto, vejam-se GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição, págs. 1005-1006; solução diversa está consagrada no artigo 40º, nº 3, do Estatuto Orgânico de Macau, já referido).

2.1.7. Para além de decisões de natureza processual (não conhecimento do pedido por extemporaneidade, por exemplo) o Tribunal Constitucional pode proferir um de dois tipos de decisão, em fiscalização preventiva de inconstitucionalidade: pronunciar-se pela inconstitucionalidade ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade da totalidade ou de parte das normas submetidas a apreciação.

No caso de o Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante de qualquer decreto ou acordo internacional, o diploma deve ser obrigatoriamente vetado pelo Presidente da República ou pelo Ministro da República. No que toca ao nº 3 do artigo 40º do Estatuto Orgânico de Macau (abreviadamente E.O.M.), deve acentuar-se que este preceito dispõe que a Assembleia Legislativa e o Governador devem acatar a decisão do Tribunal Constitucional (no caso de ser no sentido da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, o Governador não deverá assinar o respectivo diploma, ao menos sem expurgação da norma inválida) [91]. Se o Tribunal não se pronunciar pela inconstitucionalidade, esta decisão não faz caso julgado, podendo em processo de fiscalização abstracta sucessiva vir a ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral (tais situações têm sucedido, embora raramente: vejam-se os acórdãos nºs 187/88 e 225/95; ou os acórdãos nºs 256/90 e 473/92, o segundo ainda inédito e os primeiro, terceiro e quarto in Acórdãos, 12º vol., págs. 55 e segs., 16º vol., págs. 7 e segs. e Diário da República, I Série-A, nº 18, de 22 de Janeiro de 1993).

O decreto, no caso de veto por inconstitucionalidade, não pode ser promulgado ou assinado sem que o órgão que o tiver aprovado haja expurgado a norma julgada inconstitucional ou, quando for caso disso, «o confirme por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções» (artigo 279º, nº 2, da CRP). É duvidoso que a possibilidade de confirmação se deva aplicar também aos diplomas regionais, mas a jurisprudência do Tribunal aceitou-a no acórdão nº 151/93 [92].

No caso de confirmação do diploma, o Presidente da República (ou o Ministro da República) não é constitucionalmente obrigado a promulgar (ou a assinar) o decreto (por isso, foi declarada a inconstitucionalidade de duas normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lei nº 39/80, de 5 de Março, revista pela Lei nº 9/87, de 26 de Março, quando impunham a assinatura do Ministro da República relativamente a diplomas confirmados pela Assembleia Regional, prevendo mesmo a substituição dessa assinatura, em caso de inércia, pela do presidente da Assembleia Legislativa Regional - v. acórdão nº 183/89, in Acórdãos, 13º vol., I, págs. 157 e segs., comentado por Jorge Miranda, in O Direito, ano 121º, II, págs. 380 e segs.. Situação diversa ocorre na confirmação do diploma vetado politicamente pelo Presidente da República, ou pelo Ministro da República, casos em que é obrigatória a promulgação ou assinatura - artigos 139º, nºs 2 e 3, e 235º, nº 3, da CRP).

Se, porém, o órgão autor do diploma onde se achava a norma objecto de pronúncia de inconstitucionalidade a expurgar ou reformular o diploma, poderá «o Presidente da República ou o Ministro da República, conforme os casos, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas» (artigo 279º, nº 3, da CRP. Tal situação já ocorreu em 1994: vejam-se os acórdãos nºs 456/93 e 334/94, publicados no Diário da República, I Série-A, nº 212, de 9 de Setembro de 1993, e II Série, nº 200 - Suplemento, de 30 de Agosto de 1994; no segundo acórdão aborda-se a questão das eventuais diferenças de regime entre a expurgação e a reformulação).

Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante de tratado, o Presidente da República só pode ratificá-lo - embora não seja obrigado a fazê-lo nunca, visto a ratificação ser um acto livre do Presidente - se a Assembleia da República o vier a aprovar por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (artigo 279º, nº 4, da CRP). Pode admitir-se que a formulação de reservas quanto ao Tratado possa equivaler a uma expurgação.

Se o Tribunal Constitucional não se pronunciar pela inconstitucionalidade do diploma, deverá o Presidente da República ou o Ministro da República promulgar ou assinar os decretos em causa, se não exercerem o direito de veto político (exemplos de veto político que se seguiram a pronúncias de não inconstitucionalidade em fiscalização preventiva ocorreram relativamente aos acórdãos nºs 1/91 e 13/95, publicados nos Acórdãos, 18º vol., pág. 7, e Diário da República, II Série, nº 34, de 9 de Fevereiro de 1995, respectivamente).

2.1.8. Sobre o apuramento da decisão em fiscalização preventiva, o acórdão nº 13/95 revelou uma situação curiosa: o Tribunal Constitucional não se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas do decreto da Assembleia da República que visavam alterar a Lei de Imprensa, tendo havido seis votos no sentido da respectiva inconstitucionalidade material e sete votos no sentido da conformidade constitucional, embora um dos juízes que se não pronunciara pela inconstitucionalidade material dessa norma a considerasse formalmente inconstitucional, por violação do artigo 139º, nº 2, da Constituição. O Presidente da República veio arguir, assim, a nulidade do acórdão, considerando que o Tribunal devia ter «somado», quanto àquela norma, os votos no sentido da inconstitucionalidade material e da inconstitucionalidade formal. O Tribunal Constitucional considerou, por decisão unânime, que se não verificava a aludida nulidade processual, não se podendo «somar» o voto pela inconstitucionalidade formal (apenas 4 juízes se haviam pronunciado pela inconstitucionalidade formal, contra 9 no sentido da não inconstitucionalidade) com os votos no sentido da inconstitucionalidade material (acórdão nº 58/95, in Diário da República, II Série, nº 58, de 9 de Março de 1995; em sentido diverso, veja-se Vital Moreira, comentário ao acórdão nº 13/95, in Revista do Ministério Público, ano 16º, nº 61, 1995, págs. 51 e segs.).

 

2.2. Controlo abstracto sucessivo por via de acção


2.2.1. Nos termos do artigo 281º, nº 1, alínea a), da CRP, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, «a inconstitucionalidade de quaisquer normas». Podem cumular-se, no mesmo requerimento, vários pedidos quanto a diferentes normas, nomeadamente normas revogadas que seriam repristinadas, no caso de procedência da declaração de inconstitucionalidade quanto às normas em vigor (artigo 282º, nº 1, CRP).

Já atrás se referiu (II.1.1. e II.1.2.) em que sentido deve ser entendida a expressão «quaisquer normas». Remete-se para o que então se deixou escrito. Não é, assim, admissível a fiscalização abstracta sucessiva de normas não promulgadas ainda (veja-se o acórdão nº 809/93, inédito), visto tais normas não serem ainda normas perfeitas. Em contrapartida, podem constituir objecto de controlo normas de direito ordinário anterior à Constituição vigente, quando sejam materialmente contrárias a esta (não podem, porém, ser objecto de controlo vícios procedimentais referidos a uma Constituição já revogada - cfr. Miguel Galvão Teles, «Inconstitucionalidade Pretérita», in Nos Dez Anos da Constituição, ob. colect., Lisboa, 1986, págs. 267 e segs.).

Na fiscalização abstracta sucessiva vigora igualmente o princípio do pedido (artigo 51º, nº 1, LTC): a entidade requerente deve dirigir o requerimento ao presidente do Tribunal Constitucional, especificando, além das normas cuja apreciação de inconstitucionalidade requer, as normas ou os princípios constitucionais violados. Trata-se de um controlo directo de normas, independentemente da sua aplicação num caso concreto, tal como sucede, de resto, na fiscalização preventiva acima analisada. Tal como se viu para a fiscalização preventiva, o Tribunal está vinculado também aqui pelo princípio do pedido quanto às normas impugnadas, mas pode declarar a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade, quando seja o caso) com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada (artigo 51º, nº 5, LTC).

Diferentemente do que sucede com a fiscalização preventiva, não é admitida a desistência do pedido pelo requerente (artigo 53º LTC).

2.2.2. No Estatuto Orgânico de Macau atribui-se competência ao Tribunal Constitucional para a fiscalização abstracta sucessiva: o Governador pode promover a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade e da ilegalidade de quaisquer normas dimanadas da Assembleia Legislativa (artigo 11º, nº 1, alínea e), E.O.M.); por outro lado, compete à Assembleia Legislativa vigiar pelo cumprimento no Território das regras constitucionais e estatutárias e das leis, «promovendo a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade e ilegalidade de quaisquer normas dimanadas do Governador» (artigo 30º, nº 1, alínea a), E.O.M.). No acórdão nº 292/91 (publicado no Diário da República, II Série, nº 250, de 30 de Outubro de 1991), o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (fiscalização abstracta sucessiva por via de acção) de um diploma de Macau, por ter sido formulado pelo Procurador-Geral da República, com fundamento em falta de legitimidade processual do requerente, não obstante o disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 281º da CRP, por ter considerado que, quanto ao Território de Macau, prevalecia o sistema especial de fiscalização de constitucionalidade constante do respectivo Estatuto [93].

2.2.3. A Constituição estabelece no nº 2 do artigo 281º quais as entidades que têm legitimidade para requerer a fiscalização abstracta sucessiva por via de acção (excluindo a situação particular das normas emanadas de órgãos do Território de Macau):

- O Presidente da República;
- O Presidente da Assembleia da República;
- O Primeiro-Ministro;
- O Provedor de Justiça [94];
- O Procurador-Geral da República;
- Um décimo dos Deputados à Assembleia da República;
- Os Ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os presidentes destas assembleias, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional, «quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República».

A Constituição prevê ainda um caso especial de fiscalização abstracta sucessiva no nº 3 do artigo 281º da CRP: o Tribunal aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade, nos casos em que pode fazê-lo) de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional (ou ilegal) em três casos concretos, em processos de fiscalização concreta.

Trata-se, pois, de um processo de «generalização» de julgamentos de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) sem força obrigatória geral. Neste caso, têm legitimidade para formular o pedido de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) os representantes do Ministério Público junto do Tribunal (o Procurador-Geral da República ou, por delegação, o vice-procurador-geral ou os procuradores-gerais adjuntos) ou qualquer dos juízes do Tribunal (artigo 82º LTC). Até ao presente não houve qualquer processo requerido por um dos juízes.

O Tribunal Constitucional (plenário) não está vinculado pelas decisões nos casos concretos (em regra, proferidas nas secções), podendo decidir no sentido de que não ocorre tal inconstitucionalidade (veja-se uma decisão em processo de generalização que se afasta dos julgamentos de inconstitucionalidade na fiscalização concreta - acórdão nº 1/92, in Diário da República, I Série-A, nº 43, de 20 de Fevereiro de 1992).


2.2.4. Os pedidos de apreciação de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade, nos termos do artigo 281º, nº 1, alíneas b) a d), da CRP) podem ser apresentados a todo o tempo.

Já acima se viu que podem ser apresentados mesmo com referência a normas cuja vigência cessou ou está suspensa, embora o Tribunal Constitucional só aprecie a questão de inconstitucionalidade se houver interesse jurídico nessa apreciação [95].

2.2.5. Em matéria de tramitação, a acção de inconstitucionalidade, na fiscalização abstracta sucessiva, estrutura-se segundo um modelo comum a todas as fiscalizações abstractas, seja a preventiva, seja a sucessiva. Bastará acentuar que as regras comuns a estas duas modalidades se encontram na secção inicial do subcapítulo dedicado aos processos de fiscalização abstracta (artigos 51º a 56º), residindo nos prazos a principal diferença entre as mesmas modalidades.

O pedido é dirigido ao presidente do Tribunal Constitucional, devendo o requerente especificar, além das normas cuja apreciação se requer, as normas ou os princípios constitucionais violados.

O processo é apresentado pela secretaria ao presidente, no prazo de 2 dias, o qual decide sobre a sua admissão no prazo de 6 dias, podendo convidar o requerente a suprir deficiências em 8 dias, nos casos de falta, insuficiência ou manifesta obscuridade da fundamentação e identificação das normas. A circunstância de o Presidente do Tribunal proferir decisão a admitir o pedido não impossibilita uma futura decisão do Tribunal de rejeição em definitivo do mesmo (artigos 51º, nº 4, e 62º LTC).

Tal como na fiscalização preventiva, se o presidente do Tribunal entender que o pedido deve ser rejeitado liminarmente por razões de natureza processual (isto é, quando tiver sido «formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade; quando as deficiências que apresentar não tiverem sido supridas»), deve submeter no prazo de 6 dias o processo ao plenário do Tribunal («à conferência»), mandando simultaneamente entregar cópia do requerimento aos restantes juízes. O Tribunal decide no prazo de 8 dias (artigo 52º, nºs 2 e 3, LTC).

O contraditório está assegurado. Uma vez admitido o pedido e antes da distribuição, por sorteio, a um relator (artigo 63º LTC), o presidente notifica o órgão de que tiver emanado a norma impugnada para, se o desejar, se pronunciar sobre o pedido de declaração de inconstitucionalidade, no prazo de 30 dias (artigo 54º LTC). Salvo o caso da Assembleia da República, é usual o órgão autor da norma responder, sustentando a conformidade constitucional da norma e, eventualmente, suscitando meios de defesa ou excepções de natureza processual.

Nos processos de fiscalização abstracta sucessiva, os prazos contam-se do mesmo modo que em processo civil, isto é, não continuamente (suspendem-se aos sábados, domingos, feriados e durante as férias judiciais - artigo 144º do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão do artigo 56º, nº 1, LTC). Esta solução de contagem dos prazos de forma não contínua não se aplica, pela natureza dos prazos constitucionais envolvidos, na fiscalização preventiva, como tem sido uniformemente decidido pelo Tribunal, não obstante o teor do artigo 56º, nº 1, da LTC.

Em matéria de prazos, importa referir que a lei prevê a dilação de 10 dias quando os actos respeitem a órgão ou entidade sediados fora do continente da República (portanto, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores ou no Território de Macau).

No que toca às notificações a fazer ao requerente ou à entidade requerida, as mesmas realizam-se por protocolo ou por via postal, telegráfica ou telex [96], sendo acompanhadas, conforme os casos, de cópia do despacho do presidente ou da decisão do Tribunal, com os respectivos fundamentos, ou de cópia apresentada do requerimento do peticionante. Tratando-se de órgão colegial ou seus titulares, «as notificações são feitas na pessoa do respectivo presidente ou de quem o substitua» (artigo 55º, nº 3, LTC) [97].

O artigo 64º da LTC prevê a possibilidade de serem incorporados no mesmo processo, onde foi admitido um certo pedido, outros pedidos «com objecto idêntico» (nº 1). Fica igualmente assegurado o contraditório quanto aos pedidos subsequentes, salvo se o presidente do Tribunal ou o relator entenderem que deve ser dispensada a audição do órgão autor da norma, se for considerada desnecessária (nº 2). Quando não seja dispensada a nova audição, os prazos são encurtados (prazo novo de 10 dias; ou prorrogação do prazo em curso por 8 dias). A junção de novos pedidos implica a prorrogação por 10 dias do prazo para o relator elaborar o memorando, se aquela ocorrer após a distribuição do primitivo pedido (nº 4).

Admite-se que o relator, através de despacho, ou o Tribunal, por acórdão, requisitem elementos instrutórios («necessários ou convenientes para a apreciação do pedido e decisão do processo») a quaisquer órgãos ou entidades (artigo 64º-A, LTC; nos termos do artigo 4º da mesma lei, o Tribunal Constitucional tem direito, no exercício das suas funções, à coadjuvação dos restantes tribunais e das outras autoridades).

O prazo para o relator elaborar o memorando é de 40 dias úteis. Tal como na fiscalização preventiva, o memorando deve conter o enunciado das questões sobre as quais o Tribunal deve pronunciar-se e da solução proposta para as mesmas, com indicação sumária dos respectivos fundamentos (artigo 65º, nº 1, LTC). Depois de elaborado o memorando e de distribuídas cópias aos outros juízes, o presidente deve inscrever na ordem do dia da sessão plenária o processo para apreciação, decorridos 15 dias, pelo menos, sobre a distribuição das cópias do memorando do relator. A prática mostra que é muito lenta a discussão dos processos de fiscalização abstracta sucessiva. Depois de tomada a decisão pelo Tribunal, é o processo concluso ao relator, ou, no caso de este ter ficado vencido, ao juiz que o deva substituir - de harmonia com as regras gerais já referidas - para elaboração da decisão final (acórdão), no prazo de 30 dias. O nº 4 do artigo 66º da LTC, admite que o presidente possa, ouvido o Tribunal, encurtar até metade os prazos acima indicados, «quando ponderosas razões o justifiquem». Na prática do Tribunal, a discussão dos memorandos (ou projectos de acórdão) é feita pela ordem da sua apresentação, não estando excluído que o Tribunal possa deliberar que discutirá com prioridade um certo processo. Nos termos de deliberação interna, têm prioridade na apreciação os processos de fiscalização abstracta sucessiva relativos a normas orçamentais, dada a vigência anual do orçamento, ou a generalizações de julgamentos de inconstitucionalidade na fiscalização concreta, nos termos do artigo 281º, nº 3, da CRP. Deve notar-se que a Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, aditou um nº 2 ao artigo 65º LTC, com o seguinte teor: "Havendo solicitação fundamentada do requerente nesse sentido e acordo do órgão autor da norma, o Presidente, ouvido o Tribunal, decidirá sobre a atribuição de prioridade à apreciação e decisão do processo".

2.2.6. No que respeita as decisões finais, podem as mesmas ser de acolhimento da tese da inconstitucionalidade ou da ilegalidade (decisões positivas), declarando a inconstitucionalidade ou ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma ou normas que constituem o objecto do pedido, ou de rejeição da inconstitucionalidade ou da ilegalidade (decisões negativas).

Publicada a decisão de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) com força obrigatória geral na 1ª Série do jornal oficial (cfr. artigos 122º, nº 1, alínea g), CRP e 3º, nº 1, al. a), LTC) a mesma produz efeitos, em regra, «desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente haja revogado» (artigo 282º, nº 1, CRP). A regra geral é, pois, a invalidade ab initio ou ex tunc (nulidade), embora fiquem ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a direito sancionatório público (matéria penal, disciplinar, ou de ilícito administrativo, ou seja, «ilícito de mera ordenação social») e for de conteúdo menos favorável ao arguido (artigo 282º, nº 3, da CRP). Tratando-se de uma inconstitucionalidade (ou ilegalidade) superveniente - isto é, por infracção de norma inconstitucional (ou legal) posterior, portanto, de norma introduzida por uma revisão constitucional (ou por lei posterior) - a declaração só produz efeito a partir da entrada em vigor da norma infringida (artigo 282º, nº 2, CRP).

Por último - e como se verá à frente - o próprio Tribunal pode fixar os efeitos da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade) com um alcance mais restrito do que o previsto nas regras gerais dos nºs 1 e 2 do artigo 282º da CRP, «quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem» (nº 4 do mesmo artigo).

Acrescente-se, por último, que as decisões que não declaram a inconstitucionalidade ou a ilegalidade, com força obrigatória geral, não fazem caso julgado, podendo a questão ser reposta no futuro (é o que aconteceu com a questão da propriedade das farmácias e com as indemnizações por nacionalizações e expropriações, em que, não obstante os acórdãos nºs 76/85 e 39/88, publicados in Acórdãos, 5º vol., págs. 71 e segs. e 11º vol., págs. 233 e segs. não se terem pronunciado pela inconstitucionalidade de certas normas, foram apresentados novos pedidos de apreciação abstracta de constitucionalidade das mesmas, tendo, no segundo caso, sido já confirmada a anterior decisão do Tribunal pelo acórdão nº 452/95, ainda inédito).

2.3. Acção popular de inconstitucionalidade

Não está consagrada no direito constitucional português, embora na revisão abortada de 1994 tenham sido apresentadas propostas de revisão no sentido de permitir que um número mínimo de cidadãos pudesse requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade ou legalidade [98].

2.4. Controlo abstracto por omissão

2.4.1. Referiu-se atrás que a Constituição portuguesa consagra desde a versão originária uma fiscalização de inconstitucionalidade por omissão (artigo 283º CRP; cfr. supra, II, 1.5), nisso se afastando do comum das constituições europeias. Não há qualquer processo de fiscalização da ilegalidade por omissão de medidas regulamentares.

Está prevista exclusivamente a fiscalização «por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais» (artigo 283º, nº 1, CRP).

2.4.2. Três entidades têm competência para requerer a apreciação e verificação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade por omissão:

- Presidente da República;
- Provedor de Justiça;
- Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, mas apenas «com fundamento em violação de direitos das regiões autónomas».

Até ao presente, apenas o Provedor de Justiça requereu em cinco ocasiões ao Tribunal Constitucional a apreciação e verificação da inconstitucionalidade por omissão (cfr. supra II.1.5.).


2.4.3. A competência para apreciação e verificação da inconstitucionalidade por omissão pertence ao plenário do Tribunal Constitucional.

Ao respectivo processo, é aplicável o regime estabelecido para o processo de fiscalização abstracta sucessiva, salvo quanto aos efeitos (artigo 67º LTC). Há, assim, contraditório, devendo notificar-se o órgão ou órgãos que deveriam estabelecer a legislação em falta.

Cabe ao Tribunal apreciar se determinada norma necessita de mediação legislativa para ser exequível, e se as normas legais porventura existentes são suficientes para assegurar tal exequibilidade.

2.4.4. O Tribunal Constitucional pode proferir decisões positivas (de verificação da inconstitucionalidade por omissão) ou decisões negativas (não verificação da inconstitucionalidade por omissão).

No primeiro caso, o Tribunal deve dar conhecimento da omissão ao(s) órgão(s) legislativo(s) competente(s) (artigo 283º, nº 2, da CRP), embora não formule recomendações a esse órgão legislativo, como o fazia o extinto Conselho da Revolução (artigo 279º da versão originária da CRP).

A declaração de inconstitucionalidade não possui nenhuma eficácia jurídica directa [99], não podendo o Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na criação do regime legal em falta.

No acórdão nº 39/84 (in Acórdãos, 3º vol., págs. 95 e segs.), o Tribunal Constitucional decidiu que a revogação da legislação necessária para tornar exequíveis as normas constitucionais sobre o direito à saúde, garantido através da existência de um Serviço Nacional de Saúde, configurava uma inconstitucionalidade por acção, não podendo falar-se, nesse caso, de uma mera inconstitucionalidade por omissão futura, que desse lugar ao processo do artigo 283º da CRP.

 

2.5. Controlo concreto ou incidental

2.5.1.1. O artigo 280º da CRP prevê a chamada fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade de normas jurídicas.

No âmbito deste capítulo interessa apenas a fiscalização concreta de constitucionalidade, embora as regras aplicáveis a esta se apliquem, quanto aos pressupostos de admissiblidade e à tramitação, aos processos de fiscalização de legalidade.

Trata-se de uma fiscalização que é feita, em regra, pelas duas secções do Tribunal [100]. Excepcionalmente pode ser feita pelo plenário, imediatamente (artigo 79º-A, LTC) ou em recurso de decisão proferida em divergência com decisão anteriormente adoptada quanto à mesma norma por qualquer das secções do Tribunal (artigo 79º-D, LTC).

De harmonia com o nº 1 do artigo 280º da CRP, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:

- que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (decisões de desaplicação);
- que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (decisões de aplicação).

Por outro lado, o nº 5 do mesmo artigo 280º prevê uma nova via de recurso para o Tribunal Constitucional, obrigatório para o Ministério Público, "das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional".

Pelo que se deixa referido, logo se vê que o sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade é um sistema misto: difuso, na medida em que todos os tribunais são órgãos de fiscalização de constitucionalidade a quem cabe proferir decisões sobre questões de constitucionalidade, oficiosamente ou por suscitação das partes, as quais se tornam definitivas, se não forem impugnadas por recurso, nos termos gerais; concentrado, na medida em que o Tribunal Constitucional é o supremo tribunal em questões de constitucionalidade, cabendo-lhe conhecer dos recursos para ele interpostos de decisões de aplicação ou de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade (ou de ilegalidade nos casos das três primeiras alíneas do nº 2 do artigo 280º, como se viu atrás), proferidas pelos restantes tribunais das diferentes ordens ou espécies (tribunais judiciais; tribunais administrativos e fiscais; tribunais militares; Tribunal de Contas; tribunais da organização judiciária de Macau). Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) - artigo 280º, nº 6, CRP. Não foi, assim, acolhido um tipo de reenvio, a título incidental, da questão de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional, com suspensão da instância no tribunal a quo.


A Constituição distingue os regimes relativamente aos recursos de decisões de desaplicação, por um lado, e aos recursos de decisões de aplicação por outro, em matéria de constitucionalidade (e de legalidade):

- quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada por qualquer tribunal constar de fonte de direito hierarquicamente mais elevada (de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar do Governo, sendo este último promulgado pelo Presidente da República - artigo 137º, alínea b), CRP), o respectivo recurso é obrigatório para o Ministério Público (artigo 280º, nº 2, da CRP);

- quando a norma é aplicada apesar de a inconstitucionalidade (ilegalidade) ter sido suscitada por uma das partes, o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão, "devendo a lei regular o regime de admissão destes recursos" (artigo 280º, nº 5, CRP) [101].


2.5.1.2. No domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, a Lei do Tribunal Constitucional regula com detalhe as modalidades dos recursos de constitucionalidade e de legalidade no seu artigo 70º, nº 1.

Podem ser objecto de recurso de constitucionalidade, a interpor para o Tribunal Constitucional, em secção, as decisões dos tribunais:

- que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade (alínea a);
- que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (alínea b));
- que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (ou ilegal) pelo próprio Tribunal Constitucional (alínea g)) [102] [103];
- que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, «nos precisos termos em que seja requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional» (alínea h)).


Confrontando o disposto no artigo 280º CRP com estas alíneas, logo se observa que o último caso de recurso (aplicação de norma pelos tribunais que já tinha sido anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional) não tem correspondência naquele, muito embora se destine a parificar a Comissão Constitucional - que funcionava como tribunal supremo de constitucionalidade na fiscalização concreta (veja-se supra, I.D)) - ao próprio Tribunal Constitucional, mostrando a substancial identidade dos dois órgãos. Deve notar-se que, nos casos dos recursos das alíneas g) e h), o recurso é obrigatório para o Ministério Público (artigo 72º, nº 3, LTC).

A fiscalização concreta de constitucionalidade pressupõe, por isso, que se esteja perante a decisão de um tribunal, em que tenha sido resolvida (ao menos, implicitamente) uma questão de constitucionalidade de normas jurídicas. A decisão pode provir de qualquer tribunal público, ou também de um tribunal arbitral que venha a julgar stricto jure, mas já não quando julgue ex aequo et bono, por não haver, neste último caso, aplicação de qualquer norma jurídica cuja constitucionalidade possa estar em causa [104]. A jurisprudência mais recente do Tribunal admite que sejam ainda decisões recorríveis as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas em matéria de vistos (num primeiro momento, o Tribunal Constitucional considerou que não podia conhecer de recursos interpostos de decisões não jurisdicionais do Tribunal de Contas: acórdãos nºs 211/86 e 266/86, in Acórdãos, 7º vol. II, pág. 1011 e 8º vol., pág. 359; mais recentemente, os acórdãos nºs 214/90, 251/90 e 253/90 - de que está apenas publicado o primeiro in Acórdãos, 16º vol., pág. 581 - afastaram-se do primitivo entendimento quanto aos vistos do Tribunal de Contas; ver quanto à recusa de vistos do Tribunal de Contas de Macau, os acórdãos nºs 75/95 e 76/95, in Diário da República, II Série, nºs 135, de 12 de Junho de 1995, e 136, de 14 de Junho do mesmo ano).

A jurisprudência do Tribunal é controvertida sobre a questão de saber se se exige que se esteja perante decisões sem carácter provisório (debate-se, por isso, se nos procedimentos cautelares pode haver recurso para o Tribunal Constitucional), para abertura da via de recurso (vejam-se os acórdãos nºs 151/85 e 267/91, in Acórdãos, 6º vol., pág. 351 e Diário da República, II Série, nº 244, de 23 de Outubro de 1991; em sentido diverso, acórdão nº 92/87, in Acórdãos, 9º vol., pág. 625 e 466/95, inédito, este último admitindo a recorribilidade de uma decisão proferida num procedimento cautelar, em oposição ao primeiro acórdão agora indicado).

2.5.2. Como se trata de recursos, aplicam-se as normas próprias da Lei do Tribunal Constitucional e, supletivamente, as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (artigo 69º LTC). Os recursos de constitucionalidade são irrenunciáveis (artigo 73º, LTC), embora possa haver desistência deles (artigo 78º-B, LTC).

Têm legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão recorrida foi proferida, tenham legitimidade para dele interpor recurso (isto é, tenham ficado vencidos) - artigo 72º, nº 1, da LTC.

Nos recursos de decisões de desaplicação, o Ministério Público tem sempre legitimidade para interpor o recurso de constitucionalidade, o qual deve ser interposto directamente para o Tribunal Constitucional, independentemente dos recursos que coubessem da decisão para tribunais de hierarquia superior dentro da respectiva ordem de tribunais (judiciais, administrativos e fiscais, militares). Não é, porém, admitido recurso imediato para o Tribunal Constitucional, quando as respectivas decisões estejam sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual, a interpor pelo Ministério Público (artigo 70º, nº 3, da LTC). O recurso de constitucionalidade a interpor pelo Ministério Público só é obrigatório quando as normas desaplicadas constem de diplomas hierarquicamente superiores (convenções internacionais, leis e decretos-leis; decretos regulamentares do Governo - artigos 280º, nº 3, CRP e 72º, nº 3, LTC).

Em contrapartida, nos recursos de decisões de aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, só tem legitimidade para interpor o recurso de constitucionalidade a parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou de (ilegalidade) - artigo 72º, nº 2, da LTC [105].


2.5.3.1. Relativamente aos tipos de recurso de constitucionalidade atrás indicados, importa ver os pressupostos de admissibilidade relativamente a cada uma dessas espécies.

- Recurso de decisão de desaplicação (artigo 280º, nº 1, alínea a), CRP; artigo 70º, nº 1, alínea a), LTC) - Salvo havendo lugar a recurso obrigatório da decisão, nos termos da respectiva lei processual, cabe recurso directo da decisão para o Tribunal Constitucional, obrigatório para o Ministério Público quando se trate de normas contidas em diplomas hierarquicamente mais solenes. A interposição do recurso de constitucionalidade implica a interrupção dos prazos para interposição dos recursos ordinários que coubessem na respectiva ordem de tribunais (artigo 75º, nº 1, LTC). O pressuposto específico deste recurso é, pois, a desaplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade [106]. O entendimento da norma é o entendimento amplo acima referido (supra, II, 1.2.). No requerimento de interposição o recorrente tem de indicar a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade.

- Recurso de decisão de aplicação (artigo 280º, nº 1, alínea b), CRP; artigo 70º, nº 1, alínea b), LTC) - só pode interpor-se desde que o recorrente tenha suscitado a questão de inconstitucionalidade durante o processo, a norma impugnada tenha sido aplicada pela decisão recorrida e se mostrem esgotados os recursos ordinários que no caso coubessem. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente deve indicar todos os elementos necessários para a verificação destes pressupostos (artigo 75º-A, nºs 1 e 2, LTC: deve ser indicada a alínea ao abrigo da qual se recorre, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade). Note-se que são interpostos inúmeros recursos ao abrigo desta alínea, alguns de natureza meramente dilatória, tendo o Tribunal Constitucional desenvolvido uma abundante jurisprudência, de carácter exigente, sobre estes pressupostos.

Assim, a necessidade de ter suscitado a questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 70º LTC) durante o processo é entendida de um ponto de vista funcional e não meramente formal: exige-se que a questão tenha sido suscitada durante o processo, de forma a que o juiz ou tribunal tivesse podido e devido tomar posição sobre ela, devendo a suscitação ocorrer num momento processualmente idóneo (assim, vejam-se acórdãos nºs 2/88 e 232/94, o primeiro publicado nos Acórdãos, 11º vol., pág. 49, e o segundo no Diário da República, II Série, nº 193, de 22 de Agosto de 1994). São em regra momentos inidóneos para suscitar a questão de constitucionalidade os actos processuais da parte posteriores à decisão final (pedidos de aclaração, arguição de nulidades, o próprio requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade) [107]. Admite-se, porém, que esta exigência não valha para os casos em que o recorrente não tenha tido oportunidade processual de suscitar a questão antes da decisão de que se pretende recorrer (nomeadamente, surpresa pela aplicação de uma norma com que se não podia razoavelmente contar) [108].

Exige-se que a impugnação de constitucionalidade se dirija a uma norma legal e não ao acto judicial propriamente dito, embora, em certos casos, o Tribunal Constitucional admita a impugnação de uma interpretação ou entendimento da norma feita pela decisão recorrida (como não há um recurso de queixa ou de amparo, é vedado impugnar o puro acto de aplicação, ainda que, por vezes, as situações possam ser dificilmente distinguíveis - vejam-se, a título exemplificativo, acórdãos nºs 106/92, 238/94, 612/94 e 342/95, o último inédito e os outros publicados no Diário da República, II Série, nºs 161, de 15 de Julho de 1992, nº 173, de 28 de Julho de 1994, e nº 9, de 11 de Janeiro de 1995).

Tem também de verificar-se o esgotamento ou exaustão dos recursos ordinários que no caso couberem. Certos modos de impugnação específicos têm sido considerados recursos ordinários (reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, em caso de não admissão ou de retenção de recurso; reclamações contra decisões do juiz relator para o órgão colegial). É controvertido saber se a exaustão implica a efectiva interposição e a obtenção de uma decisão de mérito sobre a questão de constitucionalidade dos tribunais da respectiva ordem ou se basta deixar passar o prazo desse recurso sem recorrer (ou, tendo sido interposto o recurso ordinário, não chegar a haver decisão de mérito) [109].

Por último, pode sustentar-se que a viabilidade do recurso ainda é um pressuposto processual, na medida em que a lei determina que não possam ser admitidos pelo tribunal recorrido os recursos manifestamente infundados (cfr. acórdão nº 501/94, in Diário da República, II Série, nº 284, de 10 de Dezembro de 1994). São raras as situações de rejeição com esse fundamento, sendo certo que o Tribunal Constitucional pode controlar, em última análise, a correcção do juízo sobre o carácter manifestamente infundado de um recurso, através da reclamação prevista no artigo 76º, nº 4, LTC [110].

- Recurso de decisões de aplicação de normas já julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional ou pela Comissão Constitucional (artigo 280º, nº 5, CRP; artigo 70º, nº 1, alíneas g) e h), LTC). Nestes recursos - que são obrigatórios para o Ministério Público - o recorrente, que tenha legitimidade para o fazer, deve, no respectivo requerimento de interposição (artigo 75º-A, nº 3, LTC) identificar a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou a norma aplicada pela decisão recorrida inconstitucional (este recurso aplica-se também às decisões que hajam aplicado norma já julgada ilegal pelo Tribunal Constitucional) [111]. A partir de 1989, a criação de um recurso de uniformização de jurisprudência (artigo 226º, nº 3, CRP, artigo 79º-D LTC) e a possibilidade de se obter a uniformização prévia através do mecanismo do artigo 79º-A da LTC, facilitaram o cumprimento pelo Ministério Público do ónus de interposição do recurso obrigatório , eliminando divergências na jurisprudência do Tribunal Constitucional [112].

2.5.3.2. A tramitação dos recursos de constitucionalidade acha-se estabelecida na LTC.

O requerimento de interposição do recurso deve ser dirigido ao juiz ou tribunal que proferiu a decisão que se pretende impugnar, contendo os elementos indicados nos nºs 1 a 4 do artigo 75º-A LTC. É interposto no prazo de 8 dias a contar da notificação da decisão. Se o requerimento não contiver esses elementos, o juiz deve convidar o requerente a indicá-los, podendo - segundo orientação uniforme do Tribunal Constitucional - tal convite ser ordenado pelo relator neste último Tribunal, se não tiver sido determinado no tribunal a quo.

Tem de haver uma decisão de admissão ou de rejeição no tribunal a quo. No caso de a decisão ser de rejeição, pode ser impugnada por reclamação a interpor num prazo curto (5 dias) para o Tribunal Constitucional, em secção (artigos 76º, nº 4, e 77º LTC).

O processo é enviado ao Tribunal Constitucional, sendo distribuído por sorteio a um relator.

Se o relator entender que não pode conhecer do objecto do recurso por razões processuais [113] ou que a questão de constitucionalidade é simples, deverá fazer uma exposição sucinta escrita do seu parecer, ouvindo as partes em prazo curto, após o que o Tribunal, em secção, decidirá (artigo 78º-A LTC).

Não se verificando esta hipótese, o relator manda alegar as partes, por escrito. As partes têm de ser representadas por advogado, quando o recurso não seja interposto pelo Ministério Público ou por certas entidades administrativas representadas por juristas do Estado (artigo 83º LTC). Os restantes juízes de secção têm vista do processo, antes de o relator elaborar o seu memorando (artigo 79º-B, LTC).

Não há audiência oral no julgamento dos recursos.

O Tribunal Constitucional está vinculado pelo princípio do pedido: só pode julgar inconstitucional (ou ilegal) a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou haja recusado aplicação, podendo fazê-lo, porém, «com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada» (artigo 79º-C, LTC. Trata-se de norma paralela à do artigo 51º, nº 5, LTC, aplicável aos processos de fiscalização abstracta).

A decisão final é proferida, em regra, pela secção respectiva do Tribunal Constitucional. Excepcionalmente, pode ser proferida pelo plenário, se tal for determinado pelo presidente do Tribunal, com a concordância deste último (artigo 79º-A, LTC). Note-se que, no comum dos processos, a afectação a plenário só ocorre no final da tramitação, por ocasião do visto do presidente (nº 2 do artigo 79º-A). Tratando-se de recursos interpostos em processo penal, a garantia do juiz natural (artigo 32º, nº 7, CRP) inspira a solução constante da primeira parte do nº 2 deste artigo: a afectação deve ser decidida "antes da distribuição do processo" a um relator.

Das decisões proferidas pelas secções, pode haver recurso para o plenário para uniformização de jurisprudência, obrigatório para o Ministério Público, no caso de haver divergência com decisão anterior de qualquer das secções, quanto à questão de constitucionalidade ou de legalidade (mas já não quanto a questões processuais) - artigo 79º-D da LTC.

Quando se trate de uma decisão de plenário, nos casos dos artigos 79º-A ou 79º-D da LTC, a mesma vale como precedente persuasivo, sendo acatada pelos juízes que intervieram na sua feitura, ainda que tendo manifestado discordância na altura. Esta orientação interna tem sido seguida pelo Tribunal a partir da entrada em vigor da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro (alteração da LTC).

2.5.4. As decisões proferidas nos recursos de fiscalização concreta não têm força obrigatória geral, nem eficácia erga omnes. Valem apenas para as partes do recurso e para terceiros no processo a quem possam aproveitar (artigo 74º, nºs 1, 2 e 3, LTC) [114]. De facto, segundo o nº 1 do artigo 80º da LTC, a decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou de ilegalidade suscitada.

No caso de o recurso merecer provimento total ou parcial, o Tribunal Constitucional revoga a decisão recorrida (sistema cassatório), devendo o tribunal recorrido reformar a decisão - ou mandá-la reformar a um tribunal de hierarquia inferior - em conformidade com o julgamento sobre a questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) - artigo 80º, nº 2, da LTC.

O artigo 80º, nº 3, da LTC prevê a possibilidade de o próprio Tribunal Constitucional fixar uma interpretação da norma aplicada pelo tribunal recorrido ou daquela a que este recusou aplicação, de forma a evitar que haja inconstitucionalidade (ou ilegalidade). Essa interpretação conforme à Constituição (ou à lei) vincula o tribunal recorrido [115].

3. Conteúdos das decisões

3.1. Os tipos simples ou extremos

3.1.1. Antes de analisar os tipos de decisões declarativas de inconstitucionalidade e das decisões não declarativas, importa recordar as diferentes modalidades de fiscalização de constitucionalidade admitidas na Constituição portuguesa e as decisões possíveis de mérito (positivas ou negativas) que podem ser tomadas nos correspondentes processos:

- fiscalização abstracta preventiva de constitucionalidade: o Tribunal Constitucional pode pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas (imperfeitas) que lhe foram submetidas, ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade (artigo 279º, nº 1, CRP) [116];

- fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade: o Tribunal Constitucional pode declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma ou normas objecto do pedido, ou não declarar essa inconstitucionalidade (artigos 281º e 282º CRP);

- fiscalização concreta sucessiva de constitucionalidade: o Tribunal pode julgar a(s) norma(s) objecto do recurso inconstitucional(ais) ou não julgar a(s) mesma(s) norma(s) inconstitucional(ais) (artigo 280º CRP, artigos 79º-C, 80º, nº 2 e 3, LTC);

- fiscalização da inconstitucionalidade por omissão: o Tribunal Constitucional verifica a existência de uma inconstitucionalidade por omissão ou não verifica tal existência (artigo 283º, nº 2, CRP).


3.1.2. Na fiscalização abstracta sucessiva, como se viu, o Tribunal Constitucional pode declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma ou normas objecto do pedido (decisão positiva ou de acolhimento) ou pode não declarar tal inconstitucionalidade, invocando uma interpretação conforme à Constituição, ou não o fazendo. No primeiro caso (decisão positiva de inconstitucionalidade), e como atrás se referiu (v. III.2.2.), a decisão tem força obrigatória geral, implicando, em princípio, a declaração de nulidade de norma desde a sua entrada em vigor (ex tunc). Há, porém, a possibilidade de essa declaração ter efeitos temporais mais limitados (artigo 282º, nºs 2 a 4, CRP) [117]. No caso de se tratar de uma decisão de não declaração (decisão negativa ou de rejeição), a mesma não dispõe de força obrigatória geral, nem faz caso julgado. Não há, no direito constitucional português, decisões declarativas de constitucionalidade (cfr. acórdão nº 318/89, in Acórdãos, 13º vol., I, pág. 315: na espécie, o Tribunal não conheceu do pedido quanto a um segmento de norma, por já ter sido declarado esse segmento inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo anterior acórdão nº 218/89, limitando-se a reiterar o juizo de não inconstitucionalidade quanto ao outro segmento, embora não houvesse caso julgado material).

3.2. Os tipos intermédios


3.2.1. O direito comparado mostra que diferentes Tribunais Constitucionais proferem decisões interpretativas, quer essa possibilidade esteja prevista na respectiva legislação orgânica, quer se haja firmado na prática jurisprudencial dos mesmos.

No caso do direito português, o Tribunal Constitucional tem proferido decisões de natureza interpretativa, baseando-se a sua prática jurisprudencial na norma do nº 3 do artigo 80º da LTC (norma já acima referida e que se aplica à fiscalização concreta - veja-se supra, III, 2.5.4.).

Não são muito numerosas as decisões interpretativas do Tribunal. Como nota LUÍS NUNES DE ALMEIDA, embora se configurem como decisões intermédias entre as de inconstitucionalidade e as de não inconstitucionalidade, acabam por assumir sempre uma dessas duas formas extremas:

«Em sede de fiscalização concreta, o Tribunal tanto tem proferido decisões interpretativas sob a forma de decisões de inconstitucionalidade, como sob a forma de decisões de não inconstitucionalidade. E tem, igualmente, afirmado que, para fazer interpretação conforme à Constituição, lhe compete determinar quais as interpretações que invalidam a norma e quais as que lhe garantem subsistência válida no ordenamento jurídico, julgando, expressa ou implicitamente, algumas interpretações inconstitucionais ou outras não inconstitucionais [...]» [118].

Mas também na fiscalização abstracta, o Tribunal tem proferido decisões interpretativas. Assim, no acórdão nº 1/92, o Tribunal declarou, com força obrigatória geral, «a inconstitucionalidade superveniente, com efeitos a partir da entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, da norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 39/81, de 7 de Março, quando entendida com o sentido de atribuir aos ministros nela mencionados competência para interpretarem autenticamente, através de despacho conjunto, as disposições do referido diploma legal, por violação do artigo 115º, nº 5, da Constituição» [119]. E utilizou a mesma técnica no acórdão nº 151/94 ao considerar inconstitucional certa norma de competência jurisdicional que fazia referência a tribunais comuns «quando interpretada no sentido de que os tribunais comuns a que se faz referência são os tribunais cíveis» [120]. Deve notar-se que qualquer destes acórdãos foi tirado em processos de generalização previstos no nº 3 do artigo 281º da CRP, razão por que se faz referência a uma interpretação jurisprudencial que tornava as normas em causa inconstitucionais. No comum dos casos, dado o plano de abstracção em que se coloca, a actividade interpretativa do Tribunal sobre a norma questionada revela muitas vezes a hesitação sobre a vantagem de se avançar para interpretação conforme à Constituição. Em regra, o Tribunal pende para uma declaração de inconstitucionalidade parcial. Como refere LUÍS NUNES DE ALMEIDA, esta última solução preferencial «é ditada, porventura, mais por razões de ordem pragmática do que por qualquer motivação de ordem técnica: é que, com efeito, só as declarações de inconstitucionalidade dispõem de força obrigatória geral» [121].
Por maioria de razão, na fiscalização preventiva, o Tribunal Constitucional não se pronuncia pela inconstitucionalidade de uma norma numa certa interpretação, embora tenha de fixar um sentido interpretativo prévio à formulação de um juízo de valor sobre a respectiva constitucionalidade (veja-se o acórdão nº 13/95 já citado e as críticas de Vital Moreira aos esforços interpretativos do Tribunal Constitucional nessa ocasião; cfr. supra, III.2.1.).


3.2.2.
É frequente na fiscalização concreta (artigo 80º, nº 2, LTC) e na fiscalização abstracta sucessiva, o Tribunal proferir decisões de inconstitucionalidade parcial, não estando excluído, claro, que possa pronunciar-se também, em processo de fiscalização abstracta preventiva, pela mesma inconstitucionalidade parcial de uma certa norma ainda não perfeita. Ao decidir no sentido de uma inconstitucionalidade parcial, o Tribunal opera uma redução da norma primitiva.

No direito constitucional português vigente, como se viu, a fiscalização de constitucionalidade ocorre sempre quanto a normas e não quanto aos preceitos ou mesmo aos diplomas que as contêm.

Como refere LUÍS NUNES DE ALMEIDA, o Tribunal Constitucional «não só já admitiu que a parte inconstitucional da norma pode corresponder a um segmento ou secção ideal do preceito [veja-se acórdão nº 143/85, in Acórdãos, 6º vol., pág. 153], como ainda admitiu que é possível distinguir entre inconstitucionalidade parcial horizontal ou quantitativa e inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa [acórdão nº 12/84, in Acórdãos, 2º vol. pág. 303]» [122].

Fala-se de inconstitucionalidade parcial horizontal quando o preceito encerra uma norma com partes distintas, em que só uma está afectada por inconstitucionalidade e em que a decisão de inconstitucionalidade opera por cisão ou expurgação de uma expressão verbal distinta. A inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa ocorre quando a norma abrange várias situações ou categorias de destinatários, sendo inconstitucional só quanto a uma dessas situações ou categorias, não autonomizada na previsão. Em qualquer caso, a inconstitucionalidade parcial só pode verificar-se quanto a normas que não sejam indivisíveis ou incindíveis.

Indicar-se-ão alguns exemplos de declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de natureza parcial, tirados da jurisprudência mais recente:

- da norma do artigo 9º do Decreto-Lei nº 318-D/76, de 30 de Abril, «na parte em que, além da residência habitual que é exigida no território da Região [Autónoma da Madeira], exige ainda que esta dure há mais de um ano» (acórdão nº 136/90, in Acórdãos, 15º vol., pág. 93);

- da norma constante do artigo 5º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 327/83, de 8 de Julho, na parte em que excede a previsão contida no artigo 384º do Código Penal (acórdão nº 223/90, in Acórdãos, 16º vol., pág. 113);

- da norma do nº 4 da base V da Lei nº 7/70, de 9 de Junho, «na medida em que proíbe a concessão de assistência judiciária aos ofendidos que queiram constituir-se assistentes no exercício da acção penal por crimes públicos» (acórdão nº 400/91, in Diário da República, I Série A, nº 263, de 15 de Novembro de 1991);

- da norma do artigo 162º do Regulamento Geral de Edificações Urbanas, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 463/85, de 4 de Novembro, «mas apenas no segmento em que estabelece, para as coimas nele previstas aplicadas a pessoas singulares, um limite máximo superior ao fixado no regime geral do ilícito de mera ordenação social» (acórdão nº 329/92, in Diário da República, I Série-A, nº 264, de 14 de Novembro de 1992);

- da norma «que deflui do artigo 5º do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, em conjugação com a alínea b) do mapa VI anexo a este diploma, na parte em que restringe a competência do Tribunal de Família e de Menores de Faro, relativamente à área territorial do círculo judicial de Faro, com exclusão da comarca sede desse círculo, ao julgamento das questões de facto nas «acções de família, cujo valor seja superior ao da alçada da relação» (acórdão nº 367/92, in Diário da República, I Série-A, nº 290, de 17 de Dezembro de 1992).

Há casos na jurisprudência do Tribunal Constitucional em que a inconstitucionalidade é parcial no que toca à aplicação da norma em certo período temporal (inconstitucionalidade ratione temporis). Assim, no acórdão nº 148/94 (sobre a Lei das Propinas do Ensino Universitário Público, Lei nº 20/92, de 14 de Agosto), foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 6º, nº 2, desse diploma «na parte em que, conjugado com o artigo 16º, nº 2, da mesma lei, permite que, para os anos lectivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, a percentagem para a determinação do montante das propinas seja fixada acima de 25%», (in Diário da República, I Série-A, nº 102, de 3 de Maio de 1994) [123].

3.2.3. Não se afigura constitucionalmente admissível que o Tribunal profira decisões apelativas, ou de delegação, ou construtivas. Na doutrina, fala-se ainda, em sentido próximo, de decisões injuntivas ou directivas.

O Tribunal Constitucional julga ou declara a inconstitucionalidade, total ou parcialmente, ou abstém-se de o fazer. Não parece, porém, que possa decidir no sentido da não inconstitucionalidade, embora diagnosticando a existência de uma inconstitucionalidade, optando apenas por convidar o legislador, em certo prazo, a revogar ou alterar a norma suspeita [124].

3.2.4. Tão-pouco parece admissível em Portugal que o Tribunal Constitucional possa proferir decisões de simples apreciação ou de mero reconhecimento de inconstitucionalidade, sem daí tirar as consequências previstas nos artigos 280º a 282º da CRP. Neste último artigo e no que se refere à fiscalização abstracta sucessiva, admite-se apenas a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mas não a supressão total desses efeitos.

No que toca à fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional tem de confirmar ou revogar a decisão do tribunal recorrido, quando conhece do objecto do recurso, não podendo, em regra, limitar-se a reconhecer a existência de constitucionalidade, mas sem daí tirar as necessárias consequências. Note-se que, se o Tribunal Constitucional entender que a sua decisão seria inútil quanto ao objecto do recurso, extingue este, fazendo apelo à natureza instrumental do recurso de constitucionalidade (por exemplo, se estiver em discussão a constitucionalidade de uma norma penal incriminadora, a superveniência de uma amnistia que extinga a responsabilidade criminal do recorrente ou do recorrido implica, em regra, a extinção do recurso por inutilidade superveniente, não se chegando a uma decisão final de simples reconhecimento de inconstitucionalidade). Em caso de dúvida sobre a necessidade ou utilidade da decisão de mérito quanto à constitucionalidade de uma norma, o Tribunal conhece do objecto do recurso, ainda que possa reconhecer que a procedência do mesmo não venha a implicar a alteração da decisão do tribunal recorrido [125].

Apenas no que toca à fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, a decisão final do Tribunal Constitucional traduz-se num mero reconhecimento da existência ou da inexistência da omissão legislativa (artigo 283º, nº 2, CRP). Luís Nunes de Almeida considera problemática a eventual possibilidade de o Tribunal Constitucional adoptar uma decisão intermédia do tipo da de «não verificar a existência actual da inconstitucionalidade por omissão, embora esteja em vias de existir», uma vez que tal possibilidade pressuporia resposta afirmativa à questão de saber se existe uma competência do Tribunal «para apreciar a questão do tempo ou da oportunidade das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais» [126].

 

3.3. Decisões integrativas e substitutivas

3.3.1. A CRP e a LTC não prevêem a possibilidade de o Tribunal Constitucional se substituir ao legislador ou proceder à integração de lacunas decorrentes de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.


3.3.2. A verdade é que, em certos casos, embora não muito frequentes o Tribunal tem proferido decisões de carácter normativo, que integram lacunas de regulamentação (decisões integrativas, acumulativas ou aditivas), em fiscalização abstracta sucessiva.

Assim:

- no acórdão nº 143/95 (in Acórdãos, 6º vol., págs. 153 e segs.), foi requerido ao Tribunal que declarasse a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do Estatuto da Ordem dos Advogados que previa a incompatibilidade entre o exercício da profissão de advogado e a actividade de funcionário ou agente de qualquer serviço público, com excepção do exercício de funções docentes de disciplinas jurídicas. O Tribunal apenas declarou a inconstitucionalidade da norma no segmento em que criava uma incompatibilidade com o exercício da advocacia para a função docente de disciplinas que não sejam de direito. O efeito prático desta declaração de inconstitucionalidade parcial foi o de ampliar a excepção contida na parte final da norma;

- no acórdão nº 103/87 (in Acórdãos, 9º vol., págs. 83 e segs.), foi declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma que privava os agentes militarizados da Polícia de Segurança Pública de apresentarem queixas ao Provedor de Justiça, por acções ou omissões dos poderes públicos responsáveis por essa Polícia, quando essas queixas não tivessem por objecto a violação dos seus direitos, liberdades e garantias ou prejuízo que os afectasse. Daí resultou um alargamento normativo da possibilidade de apresentação de queixas pelos agentes da PSP [127];

- no acórdão nº 12/88 (in Acórdãos, 11º vol., págs. 135 e segs.), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, em processo de generalização do artigo 281º, nº 3, da CRP, da norma que determinava que certas pensões por acidente de trabalho fossem actualizadas de harmonia com certas disposições legais, conforme tivessem sido fixadas antes ou depois de certa data, abrangendo essa declaração a disposição menos favorável aplicável aos beneficiários antes da data limite. Houve, assim, na prática, aumento de certas pensões.

3.4. Vinculatividade das decisões: os destinatários das decisões; a extensão da sua força obrigatória

3.4.1. As decisões do Tribunal Constitucional, como as decisões dos restantes tribunais, fazem, no respectivo processo, caso julgado formal, impedindo que a questão venha a ser retomada de novo nesse processo quando não possa mais ser impugnada (por exemplo, através de arguição de nulidade em certo prazo) [128].

Nos termos da LTC, as decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades (artigo 2º; cfr. artigo 208º, nº 2, CRP).

Importa sintetizar o que atrás já se referiu, relativamente às diferentes decisões proferidas nas modalidades previstas de fiscalização de constitucionalidade.

3.4.2. Na fiscalização abstracta preventiva, a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade impede o Presidente da República (ou o Ministro da República) de praticar o acto necessário para que se siga a publicação do respectivo diploma (decreto, convenção internacional, decreto-legislativo regional), implicando o veto por inconstitucionalidade.

No caso de tratados internacionais, tendo havido pronúncia de inconstitucionalidade quanto a certas normas, o Presidente da República não pode conceder a ratificação aos mesmos.

A Assembleia da República ou a respectiva Assembleia Legislativa Regional (dos Açores ou da Madeira) podem expurgar as normas consideradas inconstitucionais ou reformular o próprio diploma. Relativamente ao Governo, o veto por inconstitucionalidade parece ser definitivo, visto não estar prevista a expurgação das normas inconstitucionais ou a confirmação do mesmo.

Os mesmos órgãos parlamentares podem confirmar o diploma vetado por inconstitucionalidade «por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções» (artigo 279º, nº 3, CRP). No sentido da aplicação do instituto da confirmação pela assembleia legislativa regional aos decretos legislativos regionais ou decretos regulamentares de lei geral da República, vetados por inconstitucionalidade, veja-se o citado acórdão nº 151/93 (in Diário da República, I Série-A, nº 72, de 26 de Março de 1993, com comentário concordante de Jorge Miranda, na crónica sobre Portugal no Annuaire International de Justice Constitutionnelle, 1993, pág. 629).

Em caso de confirmação pelo órgão parlamentar, o Presidente da República ou o Ministro da República não são obrigados a promulgar ou a assinar o respectivo diploma.

No caso de haver pronúncia no sentido da não inconstitucionalidade, a respectiva decisão não produz caso julgado material, podendo no futuro o Tribunal Constitucional vir a declarar ou julgar a norma inconstitucional, em fiscalização abstracta sucessiva ou em fiscalização concreta, respectivamente (houve já casos, como se referiu supra, III.2.1.7.). Mas o Presidente da República ou o Ministro da República são obrigados a promulgar ou assinar os respectivos diplomas nos prazos constitucionais, se não exercerem o veto político.


3.4.3. Na fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, produz efeitos erga omnes (artigo 281º, nº 1, CRP). A decisão positiva faz caso julgado material e a norma inconstitucionalizada é eliminada do ordenamento jurídico. Por isso, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, é aplicada nos processos pendentes, em fiscalização concreta. Deve notar-se a possibilidade de serem restringidos ou ampliados os efeitos desta declaração, nos termos do artigo 282º da CRP.

Deve notar-se que, com alguma frequência, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma acarreta a declaração de inconstitucionalidade consequencial de outras normas dependentes daquela (veja-se, entre muitos, o acórdão nº 246/90, in Acórdãos, 16º vol., págs 133 e segs.).

A decisão de não acolhimento (de não declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral) não produz caso julgado material. Tal significa que, no futuro, pode ser requerida de novo a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, quanto à mesma norma.

3.4.4. Na fiscalização concreta, a decisão do Tribunal Constitucional constitui caso julgado material entre as partes do recurso, quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada (artigo 80º, nº 1, LTC). Se houver julgamento de inconstitucionalidade e a decisão recorrida tiver sido de não-acolhimento, a decisão do Tribunal Constitucional implicará, em princípio, a revogação da decisão recorrida (veja-se, porém, solução diversa nos acórdãos nºs 810/93, 376/94, 407/94 e 410/94, o primeiro já citado, sobre a questão de inconstitucionalidade dos assentos, só havendo revogação quando a decisão recorrida haja sido proferida pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça).

Além disso, obriga o Ministério Público a recorrer para plenário, em caso de divergência com anterior decisão quanto à questão da constitucionalidade ou da legalidade da mesma norma (artigo 79º-D LTC), bem como obriga ainda o Ministério Público a interpor recurso no caso de decisões dos outros tribunais contrárias ao julgamento (artigo 70º, nº 1, alínea g), LTC) [129]. No caso de o julgamento ser no sentido da inconstitucionalidade, e a decisão recorrida ser de acolhimento da inconstitucionalidade, a decisão recorrida é confirmada, no que toca ao julgamento de constitucionalidade.

3.4.5. No caso da fiscalização de inconstitucionalidade por omissão, as decisões do Tribunal Constitucional são desprovidas de efeito vinculativo, como se viu.

3.4.6. Pode, pois, dizer-se que, salvo nas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional não fica juridicamente vinculado às suas próprias decisões.

Relativamente às decisões tomadas pelo plenário, em fiscalização concreta (artigos 79º-A e 79º-D da LTC), as mesmas funcionam como precedente persuasivo, relativamente aos juízes que intervieram no respectivo julgamento. A alteração de composição do Tribunal ou uma evolução subsequente da sua jurisprudência em matéria conexa poderá levar a uma reanálise da jurisprudência uniformizada, por "alteração de circunstâncias".

3.5. Eficácia temporal das decisões

3.5.1. Na fiscalização abstracta sucessiva, a regra geral é a de as decisões de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produzirem efeitos desde o início da vigência da norma inconstitucionalizada (eficácia ex tunc), se se tratar de uma inconstitucionalidade originária, implicando a repristinação das normas eventualmente revogadas pela norma objecto da referida declaração (artigo 282º, nº 1, CRP). Ficam, em princípio, ressalvados os casos julgados (salvo a excepção da 2ª parte do artigo 282º, nº 3).

Tratando-se de uma inconstitucionalidade superveniente, a declaração só produz efeitos a partir da entrada em vigor da norma constitucional infringida (artigo 282º, nº 2, CRP).

O Tribunal tem entendido que pode restringir os efeitos da repristinação em matéria penal, para impedir a aplicação das normas repristinadas, se forem mais desfavoráveis para o arguido, durante o período de vigência das normas declaradas inconstitucionais (vejam-se os acórdãos nºs 56/84, 91/85, 177/86 e 414/89, publicados in Acórdãos, 3º vol. pág. 153, 5º vol., pág 277, 7º vol., I, págs. 237, 13º vol., I, pág. 487) [130].

Por outro lado, em matéria sancionatória (matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social), o Tribunal pode afectar os casos julgados, quando a norma inconstitucionalizada for de conteúdo menos favorável ao arguido (2ª parte do nº 3 do artigo 282º CRP). Ocorre aqui uma ampliação dos efeitos «normais» da inconstitucionalidade.


3.5.2. O Tribunal Constitucional pode limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade nos termos do nº 4 do artigo 282º, isto é, quando «a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem. Essa limitação consiste, no comum dos casos, em conceder eficácia a partir da publicação do respectivo acórdão (eficácia ex nunc) [131].

3.5.3. Não está previsto na Constituição que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral só possa produzir efeitos, por decisão do Tribunal, depois de decorrido um prazo suspensivo da cessação de vigência (eficácia pro futuro).


IV - Modalidades e vias processuais de protecção jurisdicional de direitos fundamentais

Não estão consagradas quaisquer modalidades específicas de protecção jurisdicional de direitos fundamentais do tipo do recurso de amparo, do habeas corpus (existe o instituto de habeas corpus, previsto no artigo 31º da CRP, a cargo dos tribunais judiciais, «contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal», regulamentado pelos artigos 220º e seguintes do Código de Processo Penal; das decisões proferidas nos processos de habeas corpus pode haver recurso de constitucionalidade nos termos gerais), do mandado de segurança ou do mandado de injunção.

Referiu-se antes que há propostas de consagração, em futura revisão constitucional, de um recurso de amparo ou de uma acção constitucional de defesa.


V - O Tribunal Constitucional e outros poderes de Estado

1. O Tribunal Constitucional, os Partidos Políticos, as Eleições e os Referendos (nacionais e locais)

1.1. Relembrando o que atrás se deixou descrito em matéria de competências do Tribunal Constitucional (cf. supra, I.4), repete-se que este órgão jurisdicional tem a seu cargo os processos respeitantes ao registo e ao contencioso relativos a partidos políticos e coligações ou frentes de partidos, ainda que constituídas para fins meramente eleitorais, tendo recebido as competências atribuídas, pela legislação sobre partidos anterior à criação deste Tribunal, ao presidente e ao Supremo Tribunal de Justiça (artigo 103º, nºs 2 e 4, LTC), bem como certas competências anteriormente atribuídas à Comissão Nacional de Eleições e até aos tribunais comuns pelas diferentes leis eleitorais (artigo 103º, nº 3, LTC) [132].

1.2. Ao Tribunal Constitucional compete igualmente conhecer dos processos relativos à declaração de que uma qualquer organização perfilha a ideologia fascista e à consequente extinção, nos termos da Lei nº 64/78, de 6 de Outubro (competência já exercida através do acórdão nº 17/94, atrás citado).

1.3. Em matéria eleitoral, o Tribunal Constitucional pratica actos nos processos de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral, em sentido amplo, no que toca às eleições para Presidente da República e para Deputados ao Parlamento Europeu e desempenha as funções de tribunal supremo em matéria eleitoral, no que toca às restantes eleições políticas (artigos 101º a 102º-B, LTC). Até ao presente já proferiu cerca de quatro centenas de acórdãos nessa matéria.

1.4. Cabe-lhe, por último, praticar diferentes actos, nomeadamente a fiscalização preventiva de constitucionalidade e de legalidade, no que toca aos referendos nacionais e locais (artigo 105º, LTC).

2. O Tribunal Constitucional e os equilíbrios constitucionais entre os diferentes poderes do Estado

Nos termos expostos, o Tribunal Constitucional tem uma posição central no sistema político:

- relativamente ao Presidente da República, desempenha competências desde a apresentação de candidaturas às eleições para este órgão, regulando todo o processo eleitoral, incluindo o respectivo contencioso (artigos 92º a 100º LTC);

- ainda relativamente ao Presidente da República, compete-lhe conhecer de diferentes processos relativos a vicissitudes do respectivo titular desse órgão de soberania (morte, impossibilidade física permanente, impedimento temporário, perda de cargo e destituição) - artigos 86º a 95º, LTC;

- através da fiscalização preventiva de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional pronuncia-se, a requerimento do Presidente da [ARepública, sobre a constitucionalidade de diplomas legislativos da Assembleia da República e do Governo, acabando por decidir litígios sobre entendimentos antagónicos de questões de constitucionalidade, sustentados por diferentes órgãos de soberania (dos quais, o Presidente da República e a Assembleia da República são eleitos por sufrágio directo e universal);

- ainda no domínio da fiscalização preventiva, intervém na resolução de situações potencialmente conflituais entre os representantes da República e os órgãos legislativos das Regiões Autónomas de Açores e de Madeira e do Território de Macau;

- como supremo tribunal em matéria de constitucionalidade e de certos tipos de legalidade «reforçada» ou «qualificada», o Tribunal Constitucional intervém, no domínio da fiscalização abstracta sucessiva, na composição de situações conflituais entre o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os órgãos de autonomia regional;

- no domínio da fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional, como supremo tribunal de constitucionalidade, aprecia , em última instância, as decisões de todos os tribunais, nomeadamente dos supremos tribunais das diferentes ordens de tribunais, podendo entrar em situações conflituais com os mesmos tribunais, no caso de revogação das decisões destes e da sua reforma (veja-se, em especial, a utilização do mecanismo de fixação de uma interpretação conforme à Constituição, nos termos do artigo 80º, nº 3, LTC);

- no domínio do controlo de rendimentos e património dos titulares de cargos políticos, o Tribunal Constitucional exerce competências que afectam os diferentes titulares de cargos políticos e equiparados;

- em matéria de financiamento dos partidos políticos, o Tribunal Constitucional exerce competências que afectam por igual partidos maioritários e minoritários, partidos do poder e da oposição.

3. O Tribunal Constitucional como garante da repartição de competências entre Estado e Munícipios

3.1. No que toca às Regiões Autónomas, o Tribunal Constitucional garante- através dos processos de fiscalização abstracta preventiva de constitucionalidade, ou de fiscalização abstracta sucessiva, ou de fiscalização concreta de constitucionalidade e de legalidade, - a repartição de competências entre o Estado e as Regiões Autónomas (artigos 6º, nº 2, 115º, nº 3 e 4, 227º a 235º, da CRP). É muito numerosa a jurisprudência do Tribunal neste domínio, tendendo a adoptar um entendimento estrito das repartições constitucionais de competências [133].

3.2. Igualmente no que toca às repartições de competências entre o Poder Central o Poder local dos municípios, a actuação do Tribunal Constitucional faz-se através de fiscalização abstracta sucessiva ou de fiscalização concreta de constitucionalidade [134].

4. O Tribunal Constitucional e o poder legislativo

O Tribunal Constitucional, quando declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral actua como um «legislador negativo», eliminando do ordenamento jurídico as normas inconstitucionalizadas.

Todos os tribunais têm o dever de recusar a aplicação de normas que reputem inconstitucionais. Mas o Tribunal Constitucional, em especial através da fiscalização abstracta preventiva e sucessiva, intervém no ordenamento jurídico, podendo impedir a "perfeição" de certas normas jurídicas em vias de criação (no caso de pronúncia pela inconstitucionalidade) ou a eliminação (com efeitos ex tunc ou ex nunc) de normas existentes no ordenamento jurídico (podendo, até por iniciativa dos seus juizes, passar do plano da fiscalização concreta para o da fiscalização abstracta de constitucionalidade - artigo 281º, nº 3, CRP e 82º LTC).

Através da manipulação do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 282º da Constituição, o Tribunal acaba por moldar, em certos casos, as próprias soluções do legislador, alterando pontualmente as suas opções.

Mas está-lhe vedado, nos termos expostos, dar indicações ou directivas ao legislador sobre o modo como há-de legislar ou o preenchimento das lacunas decorrentes das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

5. O Tribunal Constitucional e os Tribunais em geral

Nos termos expostos, quer se trate de matéria de constitucionalidade ou de legalidade "qualificada", quer se trate de matéria eleitoral, o Tribunal Constitucional age como supremo tribunal, encontrando-se no topo dos supremos tribunais das diferentes ordens de tribunais. Vimos atrás que esta posição propicia - embora com pouca frequência - situações de potencial colisão com os supremos tribunais das diferentes ordens de tribunais, uma vez que as decisões do Tribunal Constitucional prevalecem sobre as de todos os outros tribunais (artigo 2º LTC).

Como nota LUIS NUNES DE ALMEIDA, "cabe-lhe em exclusivo determinar quais as concretas matérias da sua competência - ou seja, delimitar em cada caso concreto a sua competência face à dos restantes tribunais, os quais, também aí, têm de acatar as decisões do Tribunal Constitucional" [135].

Para além da delimitação da sua competência - que pressupõe, em regra, uma decisão sua sobre se certa norma foi - ou não-aplicada, de forma expressa ou tácita, pela decisão recorrida (recordam-se, entre muitos, os casos dos acórdãos nºs 481/94, 637/94, 163/95 e 327/95, já atrás citados), o próprio Tribunal, na fiscalização concreta e abstracta, tem analisado a questão de constitucionalidade material de assentos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, para além de ter julgado inconstitucional a parte final do artigo 2º do Código Civil, norma que conferia força obrigatória geral aos próprios assentos (acórdão nº 810/93, já citado, seguido de outros acórdãos, estando pendente o correspondente processo de generalização, nos termos do artigo 281º, nº 3, da CRP, e anunciado o propósito de revogação do artigo 2º do Código Civil).

Já atrás se notou que, em anos recentes, têm sido interpostos novos recursos de constitucionalidade de decisões dos tribunais que reformaram as suas anteriores decisões, revogadas pelo Tribunal Constitucional num primeiro recurso de constitucionalidade (veja-se o acórdão nº 163/95, já citado). Existe uma pressão das partes para que o Tribunal Constitucional controle o modo de execução pelos outros tribunais das decisões por aquele proferidas, nos processos de fiscalização concreta.

VI - O Tribunal Constitucional e os Tribunais internacionais e supranacionais

Como refere António Vitorino, "em função das características próprias do sistema de controlo de constitucionalidade em Portugal e atento até o limitado número de casos em que as decisões de instâncias judiciais nacionais foram objecto de apreciação pelos órgãos internacionais de controlo, bem se poderá dizer que até ao momento o juiz constitucional português não foi posto em causa por decisões daqueles órgãos internacionais" [136].

Por outro lado, não se verificou até ao presente qualquer situação de potencial conflito entre o Tribunal Constitucional e os tribunais comunitários, a propósito da compatibilidade da apreciação de normas internas com os tratados constitutivos das Comunidades Europeias ou o Tratado de União Europeia ou com normas emanadas das Instituições Europeias e que devam vigorar directamente na ordem interna portuguesa (artigo 8º, nº 3, CRP).