Conferências da Justiça Constitucional da Ibero-América

II Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América
Critérios, condições e procedimentos de admissão no acesso à Justiça Constitucional na perspectiva da sua racionalidade e funcionalidade
Relatório do Tribunal Constitucional Português
Elaborado pelos Assessores do Tribunal António de Araújo, José Casalta Nabais e José Manuel Vilalonga,
revisto pelo Juiz Conselheiro Messias Bento.
Na revisão tiveram-se em conta as alterações entretanto verificadas, quer na Constituição da República, na última revisão de que foi objecto (Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), quer na Lei do Tribunal Constitucional, através da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
[Madrid, Janeiro de 1998]

I - Introdução geral: breve exposição da justiça constitucional portuguesa

A justiça constitucional portuguesa, no recorte da Constituição da República (CRP), resultante da 1ª revisão constitucional (de 1982) [1], tem como núcleo essencial o controlo da constitucionalidade [2].

O controlo da constitucionalidade revela um sistema original, que não encontra paralelo no direito comparado [3]. Num plano, este sistema segue o "modelo austríaco", concretizado na existência de um Tribunal Constitucional (TC), um órgão constitucional que, ao lado de diversas outras competências, tem a seu cargo o controlo concentrado da constitucionalidade (Verfassungsgerichtsbarkeit). Noutro plano, apresenta uma solução de compromisso entre aquele modelo e o "modelo norte-americano" do controlo difuso (judicial review of legislation) [4].


Com efeito, enquanto a fiscalização abstracta (preventiva e sucessiva) se acha concentrada no Tribunal, na fiscalização concreta, todos os tribunais têm o acesso directo à Constituição [5], havendo recurso das suas decisões para o Tribunal Constitucional, restrito à matéria de constitucionalidade. Assim, na fiscalização abstracta, seguiu-se o modelo da Verfassunsgerichtsbarkeit; a fiscalização concreta orientou-se por um esquema de controlo “misto”, que é difuso na base e concentrado no topo. “Difuso na base”, porque todos os juízes portugueses têm o poder-dever de fiscalizar a constitucionalidade das normas, na esteira de uma tradição do constitucionalismo português, iniciada com a Constituição de 1911 [6]. “Concentrado no topo”, porque a “palavra final” em matéria de constitucionalidade cabe, ou pode caber, ao Tribunal Constitucional, “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (CRP, artigo 223º).

1 - Competências, composição e funcionamento do Tribunal Constitucional

1.1 - Competências

A - O controlo normativo

A competência de controlo da constitucionalidade de normas pelo Tribunal Constitucional encontra-se regulada na Constituição e na Lei do Tribunal Constitucional (LTC) [7]. Esta competência é muito diversificada e completa, abrangendo o controlo preventivo, o controlo abstracto sucessivo, o controlo concreto e, finalmente, o controlo da inconstitucionalidade por omissão. Além do controlo de constitucionalidade, prevê-se ainda a fiscalização de certas formas de ilegalidade qualificada. Assim:

i) - O controlo preventivo da constitucionalidade (CRP, artigo 278º) incide sobre normas constantes de convenções internacionais que o Estado português vá subscrever ou de decretos a ser promulgados como leis ou como decretos-lei, e é feito a requerimento do Presidente da República ou, tratando-se de diplomas regionais, dos respectivos Ministros da República. No caso das leis orgânicas [8], o controlo preventivo também pode ser requerido pelo Primeiro-Ministro ou por 1/5 dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções (CRP, artigo 278º, nº 4).

ii) - O controlo abstracto sucessivo da constitucionalidade (CRP, artigo 281º) incide sobre todas e quaisquer normas do ordenamento jurídico, e pode ser requerido pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia da República, pelo Primeiro-Ministro, pelo Provedor de Justiça, pelo Procurador-Geral da República, por 1/10 dos deputados à Assembleia da República. Quando estiverem em causa direitos das regiões autónomas, podem também requerer a fiscalização abstracta sucessiva os Ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os respectivos presidentes ou 1/10 dos seus deputados e, bem assim, os presidentes dos governos regionais;

iii) - O controlo concreto (CRP, artigo 280º) reveste, essencialmente, duas grandes modalidades:

- os recursos das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade - artigo 280º, nº 1, alínea a);

- os recursos das decisões dos tribunais que apliquem normas arguidas de inconstitucionais pelas partes ou que o Tribunal tenha já julgado inconstitucionais - artigo 280º, nº 1, alínea b), e nº 5;

Para além destas duas modalidades, a CRP, no artigo 280º, nº 2, prevê ainda o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:

- que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;

- que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República;

- que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;

- que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas anteriores.

A estes recursos é de acrescentar o consagrado na Lei do Tribunal, a partir de 1989, com base na permissão do artigo 223º, nº 3, CRP, relativamente às decisões de outros tribunais que “recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”: artigo 70º, nº 1, alínea i), LTC [9].

iiii)- O controlo da inconstitucionalidade por omissão (CRP, artigo 283º) pode ser requerido pelo Presidente da República e pelo Provedor de Justiça e, quando estiverem em causa os direitos de uma região autónoma, pelo presidente da respectiva assembleia legislativa regional.


B - Outras competências do Tribunal Constitucional

Ao lado da sua função primordial de controlo da constitucionalidade - e das formas de “ilegalidade qualificada” atrás referidas -, ao Tribunal Constitucional português são ainda atribuídas certas outras competências, as quais podem basicamente agrupar-se nos seguintes domínios processuais:

- processos relativos ao Presidente da República [artigo 223º, nº 2, alíneas a) e b), CRP, artigos 7º e 86º a 91º LTC]: trata-se de verificar a morte do Presidente da República, declarar a sua incapacidade física permanente, verificar o impedimento temporário para o exercício das suas funções (e, bem assim, a cessação de tal impedimento) ou verificar a perda do cargo de Presidente, nos casos previstos no artigo 129º, nº 3, e 130º, nº 3, da Constituição [10];

- processos eleitorais: nos termos do artigo 223º, nº 2, alínea c), CRP, trata-se, em termos genéricos, de “julgar em última instância a regularidade e a validade dos actos de processo eleitoral, nos termos da lei ”; mas, além desta competência, estritamente contenciosa, ao Tribunal são ainda cometidas outras, no próprio iter de certos procedimentos eleitorais. Uma e outras vêm compendiadas no artigo 8º LTC, como segue:

a) - receber e admitir as candidaturas para Presidente da República;

b) - verificar a morte e declarar a incapacidade para o exercício da função presidencial de qualquer candidato a Presidente da República, para efeitos de reabertura do respectivo processo eleitoral;

c) - julgar os recursos interpostos de decisões sobre reclamações e protestos apresentados nos actos de apuramento parcial, distrital e geral da eleição do Presidente da República, nos termos da respectiva lei eleitoral;

d) - julgar os recursos em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral relativamente às eleições para o Presidente da República, Assembleia da República, assembleias legislativas regionais e órgãos de poder local;

e) - receber e admitir as candidaturas relativas à eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu e julgar os respectivos recursos e, bem assim, julgar os recursos em matéria de contencioso eleitoral referente à mesma eleição;

f) - julgar os recursos contenciosos interpostos de actos definitivos praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral.

- processos de contencioso parlamentar (artigo 223º, nº 2, alínea g), CRP e artigos 8º, alínea g), e artigos 91º-A, 91º-B e 102º-D LTC): trata-se da competência para julgar a requerimento dos deputados, nos termos da lei, os recursos relativos à perda do mandato e às eleições (para determinados outros órgãos) realizadas na Assembleia da República e nas assembleias legislativas regionais;

- processos relativos a partidos políticos e coligações (artigo 223º, nº 2, alíneas e) e h), CRP , artigos 9º, 103º, 103º-A a 103º-F LTC, e Lei nº 72/93, de 30 de Novembro): no mencionado artigo 9º LTC procede-se ao enunciado global da competência do Tribunal nesta matéria:

a) - aceitar a inscrição de partidos políticos em registo próprio existente no Tribunal;

b) - apreciar a legalidade das denominações, siglas e símbolos dos partidos políticos e das coligações e frentes de partidos, ainda que constituídas apenas para fins eleitorais;

c) - proceder às anotações referentes a partidos políticos, coligações ou frentes de partidos exigidas por lei;

d) – julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis;

e) - apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos partidos políticos, nos termos da lei, e aplicar as correspondentes sanções [11];

f) - ordenar a extinção de partidos e de coligações de partidos, nos termos da lei [12].

- processos relativos a referendos nacionais, regionais e locais (artigos 11º e 105º LTC): nos termos do artigo 223º, nº 2, alínea f), CRP, trata-se de “verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade dos referendos nacionais, regionais e locais, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral. Verificação que é, aliás, obrigatória, nos termos, respectivamente, do nº 8 do artigo 115º CRP e do artigo 26º da Lei nº15-A/98, de 3 de Abril, da Lei nº 49/90, de 24 de Agosto;

- processos relativos a declarações de património e a declarações de incompatibilidades de titulares de cargos políticos (artigos 11º-A, 106º a 110º e 111º a 113º LTC): cabe ao Tribunal Constitucional “receber as declarações de património e rendimentos, bem como as declarações de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos, e tomar as decisões sobre essas matérias que se encontrem previstas nas respectivas leis”.


C - Competências que o Tribunal Constitucional exerce em única e em última instância

O Tribunal Constitucional decide, como única instância, nos seguintes processos:

- processos de fiscalização preventiva da constitucionalidade;
- processos de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade;
- processos de fiscalização da inconstitucionalidade por omissão;
- processos relativos ao Presidente da República;
- processos relativos a partidos políticos;
- processos relativos a organizações que perfilhem a ideologia fascista;
- processos relativos a referendos nacionais, regionais e locais;
- processos relativos ao controlo das contas dos partidos políticos;
- processos relativos a declarações de património e às declarações de não incompatibilidade de titulares de cargos políticos.

No exercício das demais competências - ou seja, nos processos de fiscalização concreta e nos processos eleitorais -, o Tribunal Constitucional decide em última instância. O ordenamento jurídico português não prevê, em nenhum caso, a existência de recurso para qualquer outra instância (nacional) das decisões do Tribunal Constitucional.

D - Síntese

Em comparação com os demais tribunais constitucionais europeus, não possui o Tribunal Constitucional português algumas das competências típicas da jurisdição constitucional de outros países, como sejam a da resolução de conflitos entre o poder central do Estado e os poderes federados ou regionais ou a da protecção dos direitos fundamentais através de um mecanismo do tipo da queixa constitucional alemã (Verfassungsbeschwerde) ou do recurso de amparo constitucional espanhol [13]. Em contrapartida, o seu campo de acção é muito mais vasto do que aquele que, de um modo geral, é atribuído a instâncias similares [14], a ponto de certos autores se interrogarem sobre se o Tribunal Constitucional português não padecerá de uma “sobrecarga de atribuições” ou, noutra perspectiva, se algumas das competências que detém se ajustam, de facto, ao figurino e à estrutura de um órgão cuja vocação primordial é o controlo da constitucionalidade das leis [15]. Outros autores, pelo contrário, se bem que defendendo a redução de algumas competências (v.g. nos processos eleitorais), propugnavam, ainda antes da última revisão constitucional, por um alargamento da intervenção do Tribunal que ia mesmo além daquele a que essa revisão procedeu (e abrangeria domínios como os de certos actos políticos ou da responsabilidade por actos legislativos) [16].

 

1.2 - A composição do Tribunal Constitucional

A Constituição, no artigo 222º, define as regras gerais da composição do Tribunal Constitucional.

O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, dos quais: 1) dez juízes são eleitos pela Assembleia da República, por maioria qualificada de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados; 2) três juízes são cooptados pelos primeiros, também por maioria qualificada (CRP, artigo 222º, nº 1) [17].

Dos treze juízes, seis têm de ser “obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais” e os restantes sete, de entre juristas (CRP, artigo 222º, nº 2).

O mandato dos juízes é de 9 anos e não é renovável (CRP, artigo 222º, nº 3) [18].

O Presidente é eleito por todos os juízes do Tribunal (CRP, artigo 222º, nº 4).

As regras constitucionais sobre a composição do Tribunal Constitucional e o estatuto dos juízes são, depois, pormenorizados na Lei Orgânica do Tribunal, em termos dos quais se destacam os seguintes:

- Os candidatos a juízes têm de ser cidadãos portugueses no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos que sejam doutores, mestres ou licenciados em direito [19] ou juízes dos outros tribunais (artigo 13º, nº 1, LTC) [20];

- Não existem quaisquer requisitos de idade mínima ou máxima ou qualquer tempo de experiência profissional para o exercício de funções como juiz constitucional. Ainda assim, há determinados “limites implícitos”: 1) um limite mínimo de idade, que resulta da necessidade de possuir a licenciatura em Direito e/ou a qualidade de “juiz dos outros tribunais”; 2) um limite máximo de idade, para os juízes dos restantes tribunais, que resulta do facto de não poderem ser designados aqueles que, no momento da designação, já tiverem atingido o limite de idade para o exercício da função (70 anos) [21];

- Os juízes do Tribunal Constitucional são independentes e inamovíveis, não podendo as suas funções cessar antes do termo do mandato para que foram designados, excepto nos casos previstos no artigo 23º LTC (morte, impossibilidade física permanente, renúncia, aceitação de lugar ou prática de acto legalmente incompatível com o exercício das suas funções, demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou criminal);

- Os juízes do Tribunal Constitucional não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, excepto nos termos e limites em que o são os juízes dos tribunais judiciais (artigo 24º LTC);

- Os juízes do Tribunal Constitucional são responsabilizados civil e criminalmente segundo as “normas que regulam a efectivação da responsabilidade civil e criminal dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça”, valendo para eles, igualmente, “as normas relativas à prisão preventiva” aos últimos aplicáveis (LTC, artigo 26º). O prosseguimento do processo por crime cometido no exercício de funções depende, porém, de deliberação da Assembleia da República (art. 26º, nº 2);

- O exercício de funções como juiz do Tribunal Constitucional é incompatível com o exercício de qualquer cargo ou função de natureza pública ou privada e, em especial, é incompatível com o exercício de funções em órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local (LTC, artigo 27º, nº 1). Exceptua-se desta regra de incompatibilidade o exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, desde que não remunerado (artigo 27º, nº 2, LTC);

- Os juízes do Tribunal Constitucional estão impedidos de exercer quaisquer funções em órgãos de partidos, de associações políticas ou de funções com eles conexas, e de desenvolver actividades político-partidárias de carácter público (artigo 28º, nº 1, LTC). Durante o exercício do cargo, suspende-se o estatuto decorrente da filiação em partidos ou associações políticas (artigo 28º, nº 2, LTC);

- O período do mandato dos juízes conta-se da data de tomada de posse perante o Presidente da República, e termina com a tomada de posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar (artigo 21º, nº 1, LTC). Entretanto, os juízes dos restantes tribunais que sejam designados para o Tribunal Constitucional e que, durante o período de exercício, completem 70 anos mantêm-se em funções até ao termo do mandato, como se dispõe no nº 3 do mesmo artigo [22];

- O mandato do Presidente e do Vice-Presidente é de metade do mandato dos juízes (ou seja, de 4 anos e meio), podendo haver recondução (artigo 37º, nº 1, LTC).

 

1.3 - Modo de funcionamento e divisões orgânicas (Plenário/Secções)

O Tribunal Constitucional reúne em plenário e em secções (artigo 40º LTC). As três secções, não especializadas, são compostas pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente e por mais quatro juízes [23], sendo a distribuição dos juízes pelas secções feita pelo Tribunal no início de cada ano judicial (artigo 41º LTC) [24]. O Tribunal reúne ordinariamente segundo a periodicidade definida no regimento interno e reúne extraordinariamente quando o Presidente o convocar (artigo 40º LTC) [25].

No âmbito do controlo normativo, o Tribunal decide, em plenário, os processos de fiscalização preventiva, os processos de fiscalização abstracta sucessiva e de fiscalização da inconstitucionalidade por omissão. Decide também os processos de fiscalização concreta com intervenção do plenário, nos termos dos artigos 79º-A ou 79º-D LTC.

E decide, em secção, os processos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, salvo nos casos previstos nos artigos 79º-A e 79º-D LTC.

É inquestionável que uma parcela assaz significativa das competências do Tribunal Constitucional se encontra deferida ao plenário. Deve observar-se, todavia, que o número de processos de fiscalização concreta (recursos e reclamações) é muito superior ao conjunto de todos os outros processos do Tribunal. Com efeito, o controlo concreto constitui cerca de 92,5% de toda a produção jurisprudencial do Tribunal noâmbito do controlo normativo [26]. O que demonstra, pois, que, de um ponto de vista puramente quantitativo, o volume de trabalho das secções é muito superior ao do plenário.

2. Modo de decisão do Tribunal Constitucional

As decisões do Tribunal são tomadas por maioria de voto dos juízes presentes, dispondo cada juiz de um voto (artigo 42º, nºs. 2 e 3, LTC) [27]. A votação é precedida de uma discussão em que intervêm todos os juízes, que incide sobre o “memorando” ou “projecto de acórdão” apresentado previamente pelo juiz relator do processo [28]. No final, procede-se à votação das diversas questões sobre que o Tribunal se deva pronunciar [29]. Embora o artigo 42º LTC não o estabeleça expressamente, o Tribunal tem entendido que deve formar-se maioria não apenas quanto à decisão, mas também quanto à fundamentação. O que significa que, por exemplo, se 5 juízes entendem que certa norma é apenas organicamente inconstitucional, outros 5 julgam que é apenas materialmente inconstitucional e 3 consideram que não há qualquer inconstitucionalidade, como esses dois tipos de inconstitucionalidade se não podem somar, não chega a formar-se maioria quanto à fundamentação, acabando o Tribunal por decidir, a final, pela não inconstitucionalidade [30].

Sendo o Tribunal Constitucional composto por um número ímpar de 13 juízes, raras são as ocasiões em que se verificam empates na votação. Com efeito, mesmo nos julgamentos em secção, a lei assegura a presença de um número ímpar de 3 juízes (artigo 42º, nº 1, LTC). Existe, pois, a garantia de que o Tribunal, quer em plenário, quer em secção, actua sempre com base num número ímpar de juízes, o que evita a existência de empates.

Ainda assim, esse risco não é completamente eliminado. Por um lado, porque nem sempre é possível assegurar a presença de todos os juízes em todas as sessões do Tribunal, bastando a ausência de um só juiz para criar, de imediato, o risco de empate. Por outro lado, porque nem sempre os lugares de juízes se encontram todos preenchidos. Ainda recentemente, o Tribunal Constitucional funcionou com um número par de juízes durante dois períodos (em 1993 e, depois, em 1994) [31].

Para obviar aos eventuais impasses criados por empates nas votações dos acórdãos, a LTC atribui ao Presidente do Tribunal - ou ao Vice-Presidente, quando o substitua - voto de qualidade, quer no plenário, quer em secção (artigo 42º, nº 3, LTC). Deve, salientar-se, no entanto, que raras vezes o Presidente foi obrigado a lançar mão do seu voto de qualidade. A título exemplificativo, refira-se que, entre 1983 e 1992, o Presidente só teve de utilizar o voto de qualidade duas vezes no âmbito da fiscalização abstracta sucessiva (num total de 189 acórdãos) e cinco vezes no âmbito da fiscalização preventiva (num total de 51 acórdãos).
Assinale-se, a este propósito, que não existe qualquer decisão do Tribunal Constitucional que, segundo a Constituição ou a lei, deva ser tomada por unanimidade.

A prática revela, no entanto, um elevado consenso no interior do Tribunal, bastando referir, a título de exemplo, que cerca de 56% dos acórdãos tirados em processos de fiscalização abstracta sucessiva, nos anos de 1983 a 1992, foram votados por unanimidade. Os dados da fiscalização concreta, por seu turno, revelam ainda maior consenso no seio do corpo de juízes do Tribunal Constitucional.

Por último, deve notar-se que os juízes podem formular votos de vencido (dissenting opinions) (artigo 42º, nº 4, LTC) e declarações de voto quanto à fundamentação (concurring opinions).

II - Condições de acesso à justiça constitucional

1 - Considerações preliminares: breve descrição dos diversos processos no Tribunal Constitucional


1.1/1.2 - Conflitos entre órgãos constitucionais e entre entes territoriais

A Constituição não prevê a arbitragem de conflitos entre órgãos constitucionais ou entre entes territoriais (isto é, conflitos horizontais ou verticais) através de um processo autónomo, especificamente orientado para esse objectivo [32]. Como tal, apenas por via indirecta ou reflexa, ou seja, através do controlo da constitucionalidade da sua expressão normativa, é possível ao Tribunal Constitucional desempenhar, de algum modo, um papel na arbitragem dos conflitos entre o Presidente e a maioria parlamentar, por um lado, e entre o poder central e as regiões autónomas, por outro.

1.3 - Processos de controlo normativo

O controlo normativo da constitucionalidade exerce-se, em termos genéricos, através de quatro vias: o controlo preventivo, o controlo abstracto, o controlo concreto e o controlo das inconstitucionalidades por omissão.

Em tal controlo, o Tribunal encontra-se vinculado pelo princípio do pedido, não podendo conhecer da constitucionalidade de normas que não integrem o objecto do pedido. No entanto, pode fazê-lo “com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada” (artigo 51º, nº 5, e 79º-C LTC). Ou seja, o princípio do pedido limita os poderes de cognição do Tribunal quanto ao pedido, mas já não quanto à causa de pedir.


1.3.1 - Controlo preventivo da constitucionalidade

O controlo preventivo contempla, quanto ao seu objecto, três realidades distintas:

a) - normas contidas em diplomas provenientes da Assembleia da República e do Governo, incluindo as convenções internacionais aprovadas por estes órgãos (artigo 278º, nº 1, CRP);

b) - normas contidas em diplomas regionais aprovados pelas assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira (artigo 278º, nº 2, CRP);

c)- normas contidas em leis aprovadas pela Assembleia Legislativa de Macau e que, tendo sido enviadas para promulgação ao Governador, este se recuse a fazê-lo, vetando-as, com fundamento em que tais normas violam “regra constitucional ou estatutária” (ou “norma dimanada de órgão de soberania da República que os órgãos de governo próprio do Território não possam contrariar”), depois de confirmado o diploma por essa Assembleia Legislativa (artigo 40º, nº 3, do Estatuto Orgânico de Macau, na versão da Lei nº 13/90, de 10 de Maio) [33].

Nos termos do artigo 278º, nº 8, CRP, o Tribunal tem de se pronunciar no prazo de vinte e cinco dias. O Presidente da República, quando seja ele o requerente, pode encurtar esse prazo, por motivo de urgência [34].

Para além das decisões de natureza processual (v.g. não conhecimento do pedido), o Tribunal pode proferir uma de duas decisão em relação a cada uma das normas (ou segmentos de norma) que integram o pedido: pronunciar-se pela inconstitucionalidade ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade da totalidade ou de parte das normas submetidas à sua apreciação.

No caso de o Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade, o Presidente da República é obrigado a usar o veto (por inconstitucionalidade). Tratando-se, porém, de um diploma da Assembleia da República, pode esta confirmá-lo por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados (cfr. artigo 279º, nºs 2 e 4).


1.3.2 - Controlo abstracto sucessivo da constitucionalidade e da legalidade

O artigo 281º, nº 1, CRP, prevê que o Tribunal aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer normas. No mesmo requerimento, podem cumular-se vários pedidos quanto a diferentes normas, constantes de diplomas diversos (designadamente, normas revogadas que seriam repristinadas no caso de declaração da inconstitucionalidade das normas revogatórias). Prevê-se ainda o controlo abstracto sucessivo de três formas específicas de ilegalidade:

a) - ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado;

b) - a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República;

c) - a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.

A Constituição prevê ainda, no seu artigo 281º, nº 3, que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade) de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. Trata-se, pois, de uma forma específica de controlo abstracto, assente numa “generalização” de julgamentos de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade). Na generalização, o Tribunal não se encontra vinculado pelas decisões proferidas em sede de fiscalização concreta: desde logo, porque os “três casos concretos” necessários à formulação de um pedido de “generalização” podem ter sido proferidos apenas por uma das secções do Tribunal, não se tendo ainda a outra secção pronunciado sobre a questão. Nestes termos, é possível que, apesar de o Tribunal se ter pronunciado, em sede de fiscalização concreta, pela inconstitucionalidade de uma norma, venha a adoptar atitude diversa no âmbito da fiscalização abstracta [35].

No final, a decisão do Tribunal Constitucional pode ser positiva (declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, com força obrigatória geral) ou negativa (rejeição da inconstitucionalidade ou da ilegalidade).

A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, tem eficácia ex tunc, ou seja, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (CRP, artigo 282º, nº 1). E, tratando-se de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), com força obrigatória geral, de normas revogatórias, implica a repristinição das normas revogadas (CRP, artigo 282º, nº 1).

Quando a inconstitucionalidade ou a ilegalidade sejam supervenientes - ou seja, quando se trate da violação de uma norma constitucional ou de uma norma legal introduzida ou aprovada só posteriormente à emissão da norma sob controlo -, a declaração só produz efeitos a partir da data da entrada em vigor da norma constitucional ou legal violada (CRP, artigo 282º, nº 2).

Em qualquer hipótese, ficam ressalvados os casos julgados, excepto se o Tribunal decidir em sentido diverso, quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido (CRP, artigo 282º, nº 3).

O Tribunal pode restringir o alcance dos efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, quando tal for exigido pela segurança jurídica, por razões de equidade ou por razões de interesse público de excepcional relevo. A restrição de efeitos deverá ser devidamente fundamentada (CRP, artigo 282º, nº 4).

As decisões negativas não fazem caso julgado, podendo a mesma questão de constitucionalidade (ou ilegalidade) ser recolocada no futuro, quer em termos de fiscalização abstracta, quer em termos de fiscalização concreta.

1.3.3 - Controlo da inconstitucionalidade por omissão

A Constituição da República Portuguesa consagra a possibilidade de controlo da “omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais” (CRP, artigo 283º, nº 1). Trata-se, tão-só, da omissão de “medidas legislativas”, excluindo-se, portanto, a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão de medidas de outra natureza (regulamentos, actos políticos ou administrativos).

À semelhança do que sucede em sede de fiscalização abstracta sucessiva, o Tribunal pode proferir
decisões positivas (de verificação da inconstitucionalidade por omissão) ou decisões negativas (de não verificação da inconstitucionalidade por omissão). No primeiro caso, o Tribunal dá conhecimento da omissão ao órgão ou órgãos legislativos competentes (artigo 283º, nº 2, CRP). O Tribunal não pode, assim,substituir-se ao órgão legislativo, suprindo a sua passividade e emitindo, ele próprio, as medidas legislativas necessárias a tornar exequíveis as normas constitucionais; nem pode formular recomendações.


1.3.4 - Controlo concreto da constitucionalidade ou da ilegalidade

O controlo concreto da constitucionalidade – previsto no artigo 280º CRP – reveste-se de uma de duas grandes modalidades: a do recurso para o Tribunal Constitucional das decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma (ou normas) com fundamento em inconstitucionalidade; e a do recurso das decisões judiciais que apliquem norma (ou normas) arguidas de inconstitucionais pelas partes no processo ou que o Tribunal Constitucional antes tenha julgado inconstitucionais.

Em qualquer dos casos, a fiscalização é realizada, em regra, por uma das três secções do Tribunal, as quais, sendo secções não especializadas, são competentes para o conhecimento de todos os recursos no âmbito da fiscalização concreta, independentemente da matéria a que respeitam. Excepcionalmente, o plenário pode conhecer de processos no âmbito da fiscalização concreta: imediatamente, quando o Presidente promover, desde logo, a intervenção do plenário; ou em recurso de decisão proferida em divergência com decisão anteriormente adoptada quanto à mesma norma por qualquer das secções do Tribunal.

Os recursos para o Tribunal Constitucional são regidos pela Lei do Tribunal Constitucional e, supletivamente, pelas normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (LTC, artigo 69º).

Só são admitidos recursos de decisões de tribunais: de quaisquer tribunais públicos ou de tribunais arbitrais que venham a julgar stricto jure, mas já não quando julguem ex aequo et bono [36].


Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade suscitada (LTC, artigo 71º, nº 1).

Os recursos para o Tribunal Constitucional são irrenunciáveis (LTC, artigo 73º), mas pode haver desistência do recurso, como se infere do artigo 78º-B LTC.

Quanto ao recurso de decisões dos tribunais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, é de salientar:

1º - o recurso ao Tribunal Constitucional é obrigatório para o Ministério Público [37];

2º - o recurso é interposto directamente para o Tribunal Constitucional, independentemente dos recursos que coubessem da decisão para tribunais de hierarquia superior dentro da respectiva ordem de tribunais (judiciais, administrativos e fiscais, ou militares) [38]. A interposição do recurso de constitucionalidade implica, assim, a interrupção dos prazos para interposição dos recursos ordinários que coubessem na respectiva ordem de tribunais (artigo 75º, nº 1, LTC);

3º - O pressuposto do recurso é a desaplicação de uma norma (ou normas), com fundamento em inconstitucionalidade.

Quanto ao recurso de decisões dos tribunais que apliquem uma norma arguida de inconstitucional pelas partes num processo, é de salientar:

1º - o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade;

2º - exige-se a prévia exaustão dos recursos ordinários (artigo 70º, nº 2, LTC);

3º - o pressuposto específico do recurso é a aplicação de uma norma (ou normas) cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo. Exige-se, assim, que o recorrente haja suscitado “durante o processo” a inconstitucionalidade de uma norma [39] e, depois, que a decisão recorrida haja aplicado essa norma.

Quando se trate de recurso de decisão que aplique norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, é ele obrigatório para o Ministério Público (artigo 280º, nº 5, CRP) [40].

Vejamos agora, em termos muito simplificados, a tramitação dos recursos.

1º - O processo inicia-se com um requerimento de interposição do recurso, que deve ser dirigido ao juiz ou tribunal que proferiu a decisão que se pretende impugnar, contendo os elementos que se refere o artigo 75º-A, nºs. 1 a 4, LTC. Tal requerimento deve ser apresentado no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional (artigo 75º, nº 1, LTC);

2º - O tribunal a quo pode tomar uma de três atitudes [41]: (1) convidar o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, se acaso faltar algum dos elementos a que se refere o artigo 75º-A LTC; (2) admitir o recurso; (3) não admitir o recurso. A decisão do tribunal a quo que admita o recurso não vincula, todavia, o Tribunal Constitucional (que, nessa medida, é livre para, depois, não admitir o recurso, se entender que não se encontram preenchidos os respectivos pressupostos processuais) (LTC, artigo 76º, nº 3). A decisão do tribunal a quo que indefira o recurso é passível de reclamação para o Tribunal Constitucional;

3º - No Tribunal Constitucional, o processo é distribuído, por sorteio, a um relator;

4º - O juiz relator pode, então, seguir um de três caminhos [42]: (1) convidar o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, se acaso faltar algum dos elementos a que se refere o artigo 75º-A LTC; (2) entender logo que não deve conhecer-se do objecto do recurso ou que a questão é simples, caso em que proferirá decisão sumária (art. 78º-A); (3) mandar alegar as partes, por escrito [43];

5º - O relator elabora um memorando ou um projecto de decisão (projecto de “acórdão”), o qual, depois de os restantes juízes de secção [44] terem vista do processo, será discutido e votado pelo Tribunal;


6º - A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade suscitada (LTC, artigo 80º, nº 1). Se o Tribunal conceder provimento ao recurso, ainda que parcialmente, os autos baixam ao tribunal a quo, a fim de que este reforme ou mande reformar a decisão recorrida em harmonia com o julgamento sobre a questão de constitucionalidade ou de ilegalidade (LTC, artigo 80º, nº 2);

7º - Se, porventura, a decisão da secção estiver em divergência com uma anterior decisão de qualquer das secções quanto à mesma questão de constitucionalidade ou de ilegalidade (mas não já quanto a questões processuais), pode haver recurso para o plenário, para uniformização de jurisprudência, o qual é obrigatório para o Ministério Público se intervier no processo como recorrente ou recorrido (artigo 79º-D, LTC) [45];

8º - Se a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos, abre-se a via da fiscalização abstracta sucessiva, nos termos já referidos.

Para dar resposta ao fenómeno que já se designou por “processos-massa” [46] o Tribunal dispõe de três possibilidades: (1) depois de proferido um acórdão, os acórdãos subsequentes limitam-se a remeter para a fundamentação do primeiro, que assim funciona como um “padrão” [47]; (2) o Presidente faz intervir o plenário, nos termos do artigo 79º-A LTC, e a decisão aí tomada vale como precedente persuasivo, sendo acatada pelos juízes que intervieram na discussão, ainda que acaso, hajam manifestado discordância quanto à fundamentação e, mesmo, quanto ao sentido da decisão [48]; (3) se existirem três decisões no sentido da inconstitucionalidade, o Ministério Público (ou qualquer dos juízes: uma possibilidade, todavia, que, verdade seja dita, nunca foi até agora utilizada) pode, como se viu, desencadear o processo de “generalização” (artigo 82º LTC), que culmina, em regra com a emissão de uma declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, que depois será aplicada, a todos os processos pendentes ou que, entretanto, chegarem ao Tribunal.

1.4 - Recursos de defesa dos direitos e liberdades fundamentais

Em Portugal, não se encontra previsto um mecanismo do tipo da queixa constitucional alemã (Verfassungsbeschwerde) ou do recurso de amparo constitucional espanhol. No entanto, deve notar-se que o sistema português de controlo normativo, ao nível da fiscalização concreta, desempenha, a seu modo, uma função análoga à do recurso de amparo espanhol [49]. Na verdade, o recurso de constitucionalidade, embora se concretize no “amparo” do TC apenas contra a violação de direitos fundamentais através de normas jurídicas, ou seja, através de actos normativos públicos [50], acaba por ter um âmbito maior do que aquele que, à primeira vista, apresenta. É que, um tal recurso não “ampara” os direitos fundamentais somente contra as normas jurídicas em si mesmas, mas também contra a interpretação de que sejam objecto na sua aplicação aos casos concretos de que emerge o recurso de constitucionalidade [51].


1.5 - Outros processos da competência do Tribunal Constitucional

Além da competência de controlo normativo, ao Tribunal Constitucional português é deferido - como atrás se viu – um vasto rol de outras competências.

Essas outras competências, porém, não chegam, em larga parte, a assumir propriamente um alcance “contencioso” (tal é o caso, nomeadamente, da competência relativa às vicissitudes do mandato do Presidente da República; da competência relativa à recepção e admissão de candidaturas para a eleição presidencial e a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como para o apuramento do resultado final dessas eleições e do resultado dos referendos; e de várias das competências atribuídas ao Tribunal no tocante aos partidos políticos e suas coligações, ou aos titulares de cargos políticos). E, noutra parte, se já se revestem de uma natureza materialmente “jurisdicional" (é, nomeadamente o caso do “contencioso eleitoral”, nas suas diferentes modalidades; do contencioso que possa abrir-se no tocante ao registo e à extinção (forçada) de partidos políticos ou a deliberações dos seus órgãos, bem como ao sancionamento de irregularidades das respectivas contas; ou da destituição de titulares de cargos políticos, por incumprimento das correspondentes regras de incompatibilidade; ou ainda do contencioso de deliberações parlamentares), a verdade é que se está, mesmo aí, perante competências que assumem ainda – tal como as primeiras – um carácter acentuadamente “institucional”.

Ora, naturalmente que a natureza destas outras competências do Tribunal Constitucional não pode deixar de reflectir-se sobre as correspondentes “formas de processo”. Não se afigura, porém, que, no contexto do presente relatório, e do tema a que respeita, caiba dar aqui detida conta dessas diferentes formas de processo, da legitimidade para neles intervir e da respectiva tramitação. Deixar-se-ão, por isso, a tal respeito, apenas as seguintes notas, mais salientes:

- trata-se, essencialmente, de processos com intervenção restrita a entidades ou órgãos públicos, a titulares de cargos políticos, a partidos políticos e seus órgãos ou filiados, ou ainda aos candidatos às diferentes eleições ou respectivos mandatários;

- quando está em causa o exercício de uma competência já caracterizadamente jurisdicional, é ela atribuída ao plenário do Tribunal;

- e, neste último caso, acha-se sempre legalmente assegurada a observância do princípio do contraditório.

Acrescentar-se-á ainda – com especial referência ao contencioso “partidário”, e por a nota se revestir de algum interesse – que a lei portuguesa não prevê qualquer forma de processo especial para a extinção de partidos políticos [52], o que significa que, se a competência para o efeito é do Tribunal Constitucional, a forma de processo a seguir é a do processo comum que seja aplicável à extinção (forçada, a requerimento do Ministério Público) de qualquer associação de direito privado. E esclarecer-se-á, por último, ainda com referência ao mesmo contencioso, que a lei é especialmente restrita no que toca aos fundamentos de impugnação, perante o Tribunal Constitucional, de deliberações dos órgãos dos partidos políticos (cfr. LTC, artigos 103º-C e 103º-D) – o que bem se compreende, para preservar a autonomia “política” destes de uma indesejável, e decerto não cabida, “intromissão” jurisdicional.

2. Condições subjectivas: a legitimidade activa

Dada a vastidão das competências deferidas ao Tribunal Constitucional, iremos analisar apenas a legitimidade activa nos processos de controlo normativo. Aí, há que distinguir, desde logo, a fiscalização abstracta (preventiva, sucessiva) da fiscalização concreta.

Na fiscalização abstracta, as entidades que dispõem de legitimidade activa para desencadear um processo junto do Tribunal Constitucional são apenas entidades públicas - as enumeradas nos artigos 278º e 281º, nº 2, da Constituição [53]. Na fiscalização concreta a legitimidade afere-se pela legitimidade no âmbito do “processo-pretexto” (cível, penal, laboral, administrativo, etc.), sendo ainda atribuída, em determinadas condições, ao Ministério Público.

Assim, dispõe o artigo 72º, nº 1, LTC:

“Podem recorrer para o Tribunal Constitucional:

a) - O Ministério Público;
b) - As pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso”.

O Ministério Público só sendo parte principal na causa pode recorrer para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma por si arguida de inconstitucional [54]; mas dispõe de uma legitimidade própria em determinados casos, adiante referidos (infra, nº 2.3).

Nos recursos previstos no artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), LTC, é necessário que a parte haja suscitado a questão de constitucionalidade ou de ilegalidade; e, por isso, mesmo que a parte disponha de legitimidade “de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida[55] (isto é, mesmo que tenha ficado vencida: cf. art. 680º, nº 1, CPC), só terá legitimidade no recurso para o Tribunal Constitucional, se tiver suscitado a questão de constitucionalidade. O recurso interposto por um interessado aproveita, porém, aos restantes.

2.1. Elementos comuns

2.1.1. Nacionais e estrangeiros

Estabelecendo como regra a equiparação entre nacionais e estrangeiros em matéria de direitos fundamentais, a CRP determina, no seu artigo 15º, nº 1, que os cidadãos que residam ou se encontrem em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português. O artigo 15º, nº 2, exceptua, no entanto, os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses. Todavia, aí não se inclui o direito de acesso à justiça (v. CRP, artigo 20º, sobre “acesso ao direito e aos tribunais”) e, em particular, o acesso à justiça constitucional. Assim, os cidadãos estrangeiros podem, em igualdade de circunstâncias com os cidadãos portugueses, aceder ao Tribunal Constitucional no domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade. Em diversas ocasiões, o Tribunal conheceu de recursos interpostos por cidadãos estrangeiros.

2.1.2. - Pessoas singulares e colectivas

O artigo 12º, nº 2, da Constituição da República determina que “as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”. O que significa, pois, que as pessoas colectivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, dispõem de legitimidade para recorrer ao Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização concreta, em absoluta paridade com as pessoas singulares.


2.1.3 - Órgãos constitucionais ou membros de órgãos constitucionais

Este problema surge, como é evidente, no domínio da fiscalização preventiva, da fiscalização abstracta sucessiva e da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão. No âmbito da fiscalização concreta, os órgãos constitucionais ou seus membros são, para todos os efeitos, “partes no processo”, cujas condições de legitimidade activa são em tudo idênticas às dos demais cidadãos.

No âmbito da fiscalização preventiva, dispõem de legitimidade activa:

- o Presidente da República, nos termos do artigo 278º, nº 1, CRP, ou seja, quando estão em causa normas constantes de tratado internacional que lhe seja submetido para ratificação, de decreto que lhe tiver sido enviado para promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto lhe tenha sido remetido para assinatura;

- os Ministros da República, nos termos do artigo 278º, nº 2, CRP, ou seja, quando estão em causa normas constantes de decreto legislativo regional ou de decreto regulamentar de lei geral da República que lhes tenham sido enviados para assinatura;

- o Primeiro-Ministro, nos termos do artigo 278º, nº 4, CRP, ou seja, quando estão em causa normas constantes de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para ser promulgado como lei orgânica;

- um quinto dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções, nos termos do artigo 278º, nº 4, CRP, ou seja, quando estão em causa normas constantes de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para ser promulgado como lei orgânica.

Assim, para além dos órgãos constitucionais singulares (Presidente da República, Ministros da República para as Regiões Autónomas e Primeiro-Ministro) também um determinado número de membros do órgão constitucional-Parlamento (recte, um quinto dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções) pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade.

No âmbito da fiscalização abstracta sucessiva, dispõem de legitimidade activa [56]:

- o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República, um décimo dos deputados à Assembleia da República e os Ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os presidentes das assembleias legislativas regionais, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos das regiões autónomas ou quando o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República.

Tem também legitimidade o Governador de Macau, quanto a normas dimanadas da Assembleia Legislativa daquele Território, nos termos do artigo 11º, nº 1, alínea e), do Estatuto Orgânico de Macau, e a Assembleia Legislativa de Macau, quanto a normas dimanadas do Governador, nos termos do artigo 30º, nº 1, alínea a), do Estatuto Orgânico de Macau.

Para além disso, nos processos de “generalização” (cf. artigo 281º, nº 3, CRP) - que são, para todos os efeitos, processos de fiscalização abstracta sucessiva - dispõem ainda de legitimidade activa, nos termos do artigo 82º LTC:

- os representantes do Ministério Público no Tribunal Constitucional (o Procurador-Geral da República ou, por delegação deste, o vice-procurador-geral ou os procuradores-gerais adjuntos) e qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional [57].

Assim, para além dos órgãos constitucionais propriamente ditos (Primeiro-Ministro, Provedor de Justiça, Ministros da República, etc.) também certos membros de órgãos constitucionais (deputados à Assembleia da República ou às assembleias legislativas regionais, juízes do Tribunal Constitucional) dispõem de legitimidade para desencadear processos de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade e da legalidade.

No processo de verificação de inconstitucionalidade por omissão, dispõem de legitimidade activa: o Presidente da República, o Provedor de Justiça e os Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, mas apenas “com fundamento em violação de direitos das regiões autónomas[58].


2.1.4 - Entes territoriais

O Tribunal Constitucional não dispõe, como se viu, de competência para dirimir conflitos entre entes territoriais, excepto a que lhe advém, de forma indirecta, por força do controlo da constitucionalidade. No âmbito deste controlo, é evidente que quer as regiões autónomas, quer as autarquias locais possuem, nos termos gerais, de legitimidade activa no âmbito da fiscalização concreta. No âmbito da fiscalização abstracta, há apenas que referir de novo que, em certos casos, os órgãos das regiões autónomas - ou alguns dos seus membros, dispõem de legitimidade activa. Assim:

a) - as assembleias legislativas regionais podem requerer a fiscalização abstracta sucessiva, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos das regiões autónomas ou quando o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República;

b) - os presidentes das assembleias legislativas regionais, nas mesmas circunstâncias das assembleias legislativas regionais. Podem ainda requerer a verificação de inconstitucionalidades por omissão, com fundamento em violação de direitos das regiões autónomas;

c) - os presidentes dos governos regionais podem requerer a fiscalização abstracta sucessiva quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos das regiões autónomas ou quando o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República;

d) - um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional pode requerer a fiscalização abstracta sucessiva, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos das regiões autónomasou quando o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República.


2.1.5. Modo de exteriorização da vontade das pessoas colectivas

No âmbito dos processos de controlo de constitucionalidade, não há qualquer especificidade no que respeita ao modo de exteriorização da vontade das pessoas colectivas.

2.2 - Legitimidade por substituição processual


2.2.1 - Defesa de direitos de titularidade alheia

Não existem, na Constituição e na lei, situações de “substituição processual” em sentido verdadeiro e próprio no âmbito do controlo de constitucionalidade. Certas entidades, cuja acção se destina à defesa dos direitos dos cidadãos, podem requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta da constitucionalidade (é o que sucede, v.g., com o Provedor de Justiça). Mas, mesmo nesses casos, não se pode dizer que tais entidades actuam apenas para defender direitos alheios, pois a iniciativa de requerer a fiscalização está ordenada sobretudo para a defesa (objectiva) da ordem constitucional. De igual modo, quando o Ministério Público recorre (obrigatoriamente) para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que hajam recusado a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade - artigo 70º, nºs. 1, alínea a), e 3, LTC - , o recurso tem uma finalidade objectiva de defesa da lei [59].

Não há, pois, no recurso de constitucionalidade qualquer forma autónoma e específica de legitimidade “por substituição” ou “em defesa de direitos alheios”. Essa possibilidade pode é decorrer do “processo-pretexto”.

Deve notar-se, ainda, que, nos termos do artigo 74º, nº 1, LTC, .o recurso interposto pelo Ministério Público - ao abrigo de qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 70º - aproveita a todos os que tiverem legitimidade para recorrer. Por outro lado, nos recursos previstos no artigo 70º, nº 1, alíneas a), c), d), e), g), h), e i), o recurso interposto por um interessado aproveita aos restantes interessados (artigo 74º, nº 2, LTC). Nos recursos do artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), LTC, o recurso aproveita aos restantes interessados mas “nos termos e limites estabelecidos na lei reguladora do processo em que a decisão tiver sido proferida” (artigo 74º, nº 3, LTC).

No recurso de constitucionalidade, não é admissível o recurso subordinado ou a adesão ao recurso, ao contrário do que sucede em processo civil (v. os artigos 682º e 683º do Código de Processo Civil) [60].


2.2.2 - Impugnação em nome de um grupo ou impugnação colectiva

Não existe, na fiscalização concreta, qualquer forma de legitimidade “colectiva” para além das que se contemplam na lei reguladora do processo em que foi proferida a decisão de que se recorre para o Tribunal. Na fiscalização abstracta, já vimos que só as entidades tipificadas na Constituição têm acesso ao Tribunal Constitucional.

2.3 - Legitimidade ex lege

Como vimos, têm legitimidade exclusivamente legal as entidades públicas que podem requerer a declaração de inconstitucionalidade, ou seja, que podem desencadear os processos de fiscalização abstracta da constitucionalidade. Uma legitimidade que, excluídos os casos da "generalização" do controlo concreto e do controlo da constitucionalidade dos diplomas de Macau, é mesmo uma legitimidade constitucional, pois está fixada na própria Constituição (artigo 281º, nº 2, CRP).

Quanto à legitimidade para requerer a "generalização" do controlo concreto, fixada no artigo 82º LTC a favor do Ministério Público [61] e que é exercida pelo Procurador-Geral Adjunto em funções no Tribunal Constitucional, é de acrescentar que a mesma, porque ligada dum modo muito estreito ao controlo concreto, vale também para as normas editadas pelos órgãos legislativos de Macau. Normas relativamente às quais as entidades enumeradas no mencionado artigo 281º, nº 2, não dispõem de legitimidade para requerer o controlo abstracto da constitucionalidade [62].

Mas também no controlo concreto há casos de legitimidade legal. Assim acontece com o Ministério Público que tem sempre uma legitimidade exclusivamente constitucional ou legal. Uma legitimidade exclusivamente constitucional, quando, como magistrado e para a tutela simplesmente do interesse público "objectivo" da constitucionalidade (ou da legalidade), está investido de legitimidade própria no processo constitucional, independente, portanto, da eventual legitimidade que tenha como parte no respectivo processo judicial em que a questão de inconstitucionalidade foi levantada. É o que se verifica nos casos de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional - a saber: 1) quando a decisão judicial desaplique, por inconstitucionalidade, uma norma constante de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar (artigo 280º, nº 3); este recurso obsta a que arecusa de aplicação, por inconstitucionalidade, de uma norma legal ou equivalente por parte de um tribunal se torne definitiva sem a intervenção do TC; 2) quando a decisão judicial aplique uma norma anteriormente julgada inconstitucional pelo TC (artigo 280º, nº 5); este recurso visa solucionar divergências jurisprudenciais entre o TC e os restantes tribunais sobre questões de constitucionalidade, para o que se fazem prevalecer as decisões que o TC sobre elas proferir.

O Ministério Público tem, por sua vez, uma legitimidade exclusivamente legal na hipótese de recurso obrigatório [63] prevista na alínea h) do nº 1 da artigo 70º LTC, segundo a qual cabe recurso para o TC das decisões judiciais que apliquem norma já julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional [64].

Uma legitimidade exclusivamente legal tem também o Ministério Público quando intervém no processo judicial como parte, arguindo a inconstitucionalidade normativa durante o processo nos mesmos termos em que o podem fazer os particulares - isto é, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), LTC [65]. Esta legitimidade que, como a dos particulares, não tem qualquer autonomia no processo constitucional, é de aferir pelas disposições legais que disciplinam a intervenção do Ministério Público nos diversos processos judiciais, intervenção que varia consoante o tipo de processo em causa (civil, penal, administrativo, fiscal, etc.) ou, até, no mesmo tipo de processo, consoante a função que é chamado a exercer [66].


2.4 - Legitimidade ad casum

Os particulares (ou o Ministério Público na qualidade de parte) apenas dispõem de legitimidade para recorrer para o TC, se e na medida em que disponham de legitimidade relativamente à "questão principal" (civil, penal, administrativa, fiscal, etc.) no correspondente processo judicial em que a questão de constitucionalidade foi suscitada e decidida. Com efeito, apresentando-se como uma questão incidental cuja decisão cabe, ou pode caber, em última instância, ao TC, a questão de constitucionalidade a submeter à apreciação deste está totalmente dependente da questão principal.

Por isso, requisitos como os relativos à existência de um interesse subjectivo, legítimo e directo, à lesão real e actual de direitos e liberdades ou tão-só à previsão fundada dessa lesão, ou questões como as da defesa de interesses difusos, da defesa objectiva da ordem constitucional ou da defesa da competências próprias (vindicatio potestatis), não têm qualquer autonomia em sede do recurso de constitucionalidade. A solução de tais questões localiza-se, pois, no campo da justiça não-constitucional, em que a questão de constitucionalidade se suscita como verdadeira questão prejudicial.

Assim, compreende-se que o recurso de constitucionalidade apenas possa ser interposto pela parte que tenha ficado vencida na decisão da questão principal. O TC considerou parte ilegítima, justamente por não ser parte vencida, o recorrente no recurso de constitucionalidade interposto contra a aplicação pelos tribunais do artigo 459º do Código de Processo Civil (que manda dar conhecimento à Ordem dos Advogados da eventual responsabilidade dos mandatários judiciais na condenação por litigância de má-fé dos seus clientes), porque, em tais casos, se verifica, em rigor, um conflito de interesses entre o advogado, que pretende ver desaplicada por inconstitucionalidade aquela norma, e o respectivo cliente que, ao invés, está interessado na sua aplicação [67].



2.5. Legitimidade ad processum


2.5.1 Interesse processual

Para que se possa pretender uma decisão do Tribunal Constitucional necessário se torna que haja interesse processual nessa decisão. O interesse processual é, assim, um requisito que vale tanto para o controlo abstracto como para o controlo concreto da constitucionalidade. Assim, e no que ao controlo abstracto diz respeito, como, nos termos do artigo 282º, nºs. 1 e 3, CRP, a declaração de inconstitucionalidade tem, por via de regra, uma eficácia invalidante (ex tunc), destruindo todos os efeitos produzidos medio tempore que se não tenham consolidado, e não apenas uma mera eficácia revogatória (ex nunc), há, em regra, interesse em conhecer da constitucionalidade de uma norma, mesmo revogada ou caduca, sempre que a mesma seja suporte de efeitos jurídicos carecidos de ser eliminados, por não se haverem ainda consolidado por caso julgado. Só não será assim, se, para esse efeito, for excessivo lançar mão de um tal instrumento processual, por serem suficientes os meios individuais e concretos de defesa.

Acresce que, segundo o nº 4 do referido artigo 282º, o TC pode, com base em exigências da "segurança jurídica, razões de equidade ou de interesse público de excepcional relevo", declarar a inconstitucionalidade com efeitos mais restritos do que os da eficácia invalidante, nomeadamente salvaguardando todos os efeitos produzidos pela lei medio tempore, o que equivale a declarar a inconstitucionalidade com efeitos apenas ex nunc. Nesse caso, não há interesse em conhecer da constitucionalidade de uma norma revogada ou caduca, sempre que o TC, num juízo prévio, conclua que se trata de um daqueles casos em que, a concluir-se pela inconstitucionalidade, seria de salvaguardar os efeitos já produzidos. Neste sentido se formou mesmo uma jurisprudência constante, de que são exemplos, no respeitante a normas revogadas, os Acórdãos nºs. 73/90, 135/90, 465/91, 186/94 e 57/95 [68], e, no concernente a normas caducas, o Acórdão nº 1147/96 [69].

Por sua vez, no controlo concreto, dada a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, o interesse processual afere-se pela utilidade da decisão da questão de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional para a decisão da questão principal (da exclusiva competência do tribunal a quo). Neste domínio, a jurisprudência constante e uniforme vai no sentido de que o Tribunal Constitucional só deve conhecer de uma questão de constitucionalidade e emitir uma pronúncia sobre a mesma, quando esta se puder repercutir utilmente no julgamento do caso de que emergiu o recurso. Por isso, não haverá interesse processual, designadamente, se a decisão do recurso de constitucionalidade for útil apenas para prevenir futuros litígios ou para decidir esses litígios no caso de virem a eclodir [70]. Mas já haverá interesse processual em conhecer da questão de constitucionalidade numa situação como a do Acórdão nº 144/90 [71]. Com efeito, tendo um tribunal administrativo anulado um acto de recusa de inscrição de um solicitador na respectiva Câmara, por o mesmo não poder ter por suporte a referida norma, atenta a sua inconstitucionalidade, e por ser ilegal face ao outro fundamento em que se apoiava (o artigo 49º, alínea b) do Estatuto dos Solicitadores), o Tribunal Constitucional concluiu pela utilidade do conhecimento da constitucionalidade daquele artigo 204º, que fora desaplicado pelo tribunal recorrido. É que, tendo sido interposto recurso do referido Tribunal Administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo, não estava excluída a hipótese de este poder vir a considerar inaplicável ao caso a norma do artigo 49º, alínea b), do Estatuto dos Solicitadores, ganhando, assim, pertinência a decisão da questão de (in)constitucionalidade daquele preceito do Estatuto dos Funcionários de Justiça.

2.5.2. A participação num processo prévio como condição para recorrer

O acesso ao Tribunal Constitucional não está dependente de qualquer procedimento (ou processo administrativo) ou de qualquer processo (judicial) no tocante ao controlo abstracto da constitucionalidade, em que as entidades públicas constantes da enumeração do nº 2 do artigo 281º CRP têm legitimidade para interporem verdadeiras acções de inconstitucionalidade. Na verdade, tais entidades podem accionar o Tribunal Constitucional, requerendo que este declare a inconstitucionalidade de qualquer norma vigente no ordenamento, sem a dependência de qualquer processo prévio, administrativo ou judicial.

Já quanto ao controlo concreto, a abertura da via de recurso para o TC pressupõe sempre que tenha havido antes um processo e uma decisão judiciais, nos quais foi apreciada e decidida (ainda que implicitamente) a questão da constitucionalidade, que, depois, sobe em recurso ao TC, para este a reapreciar e julgar em termos definitivos e vinculativos para o tribunal a quo.


3. Condições temporais

3.1. Os prazos nos diversos processos

Em matéria de prazos, no respeitante à iniciativa processual (não ao prazo de decisão pelo Tribunal), a lei apenas prevê prazos nos processos eleitorais [72] bem como nos processos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e nos processos de fiscalização concreta [73].

Relativamente aos processos eleitorais, importa apenas fazer referência ao prazo de recurso da decisão final relativa à apresentação de candidaturas para a eleição do Presidente da República: um dia a contar da notificação da decisão ao mandatário do candidato (artigo 94º, nº 1, LTC); e ao prazo de recurso contencioso de deliberações da Comissão Nacional de Eleições: um dia a contar da data do conhecimento pelo recorrente da deliberação impugnada (artigo 102º-B, nº 2, LTC).

No que respeita ao controlo de constitucionalidade, há que distinguir a fiscalização preventiva da fiscalização concreta.

O prazo para requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade é de oito dias (artigo 278º, nº 3, CRP) [74].

O prazo para a interposição do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é de dez dias a contar da notificação da decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional (artigo 75º, nº 1, LTC). Porém, se tiver sido interposto recurso ordinário que não tenha sido admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo conta-se do momento em que se tornou definitiva a decisão que não admitiu o recurso (artigo 75º, nº 2, LTC). Esta última regra reporta-se apenas aos casos em que existe necessidade de prévia exaustão dos recursos ordinários (recursos a que se refere o artigo 70º, nº 2, LTC) [75].

Se tiver sido requerida a rectificação, a aclaração ou a reforma da decisão, ou se tiver sido arguida a sua nulidade, o prazo de recurso conta-se da data da notificação da decisão do incidente.

A interposição do recurso de constitucionalidade interrompe os prazos para a interposição de outros que, porventura, coubessem da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de terminada a interrupção (artigo 75º, nº 1, LTC). Contudo, se tiver sido interposto recurso ordinário da decisão sujeita a recurso de constitucionalidade, o prazo deste conta-se da data da notificação da decisão do recurso interposto [76].

O prazo conta-se sempre como em processo civil (artigo 144º do Código de Processo Civil).

Por força da aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil ao recurso de constitucionalidade (artigo 69º LTC), o recorrente beneficia ainda do prazo cominatório de três dias, previsto no artigo 145º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, traduzido na possibilidade de o recorrente poder ainda praticar o acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, pagando a correspondente multa (cf. acórdãos nºs. 29/87 e 603/94) [77].

Importa fazer uma última referência à reclamação do despacho que indefira a admissão do recurso (artigo 76º, nº 4, LTC) e ao recurso para o plenário por oposição de julgados (artigo 79º-D, LTC).

O prazo para apresentação de reclamação contra o despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade é de dez dias, contados da notificação do despacho reclamado (artigo 688º, nº 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 69º LTC) [78].

Por seu turno, o prazo de interposição de recurso para o plenário por oposição de julgados é de dez dias a contar da notificação da decisão que julgou a questão de constitucionalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado pelo Tribunal quanto à mesma questão.

3.2. A caducidade

A lei não prevê prazos de caducidade dos processos da competência do Tribunal Constitucional, para além dos referidos no número anterior, que são verdadeiros prazos de caducidade do direito de recorrer [79].

3.3. A prescrição

A lei não prevê prazos de prescrição dos processos da competência do Tribunal Constitucional.

Assim, a "prescrição processual" apenas terá consequências - consequências reflexas, refira-se - no processo constitucional no âmbito da fiscalização concreta. Com efeito, a prescrição operada no “processo-pretexto” [80] implicará a inutilidade do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, com a consequente extinção da instância (artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 69º LTC).

3.4. A interposição prematura do recurso

A questão que agora se coloca tem relevância fundamentalmente no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade e nos processos de contencioso eleitoral.

O Tribunal Constitucional tem entendido que a interposição prematura do recurso não obsta ao seu conhecimento, excepto nos casos em que se exige a exaustão dos recursos ordinários [81].

4. Condições materiais


4.1. Em razão da alçada ou por irrelevância da questão

A lei não prevê qualquer tipo de limite em função do valor da acção e da alçada do tribunal nos processos da competência do Tribunal Constitucional.

O valor da acção só terá, assim, efeitos (e, ainda assim, tão-só reflexos) no processo constitucional no caso em que a lei exige, como pressuposto processual, a prévia exaustão dos recursos ordinários (artigo 70º, nº 2, LTC). Neste caso, o valor da acção, articulado com o da alçada do tribunal comum, constitui um dos critérios de aferição do momento processualmente adequado para a interposição do recurso de constitucionalidade: só é admissível recurso da decisão que não admita recurso ordinário por motivo da alçada.

A irrelevância da questão controvertida apenas consubstancia requisito legal de admissibilidade nos recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) ou f) do nº 1 do artigo 70º LTC. Só então o recurso deve ser indeferido pelo juiz recorrido, se a questão de constitucionalidade (ou de legalidade) se mostrar manifestamente infundada.

O Tribunal Constitucional recortou de forma precisa a noção de "recurso manifestamente infundado” sobretudo nos acórdãos 269/94 e 501/94 [82]. No primeiro, concluiu-se que um tal conceito visa “impedir que o recurso de constitucionalidade sirva fins dilatórios”, pretendendo-se, pois, que a questão de constitucionalidade só suba ao Tribunal Constitucional quando apareça, prima facie, dotada de uma certa atendibilidade. Por seu turno, no segundo acórdão, considerou-se que o conceito de "recurso manifestamente infundado deve ser delimitado negativamente, como aliás decorre da própria formulação legal do conceito. Assim, é manifestamente infundado o recurso cuja inatendibilidade seja liminarmente evidente ou ostensiva. Isto significa que não há que averiguar se o recurso procede, nem se exige um determinado grau de probabilidade dessa procedência - caso em que se estaria a entrar, profundamente na apreciação do respectivo mérito. O que o legislador exige é que se verifique, tão-só, se os fundamentos do recurso são notoriamente inatendíveis" [83].

São, contudo, muito raros os casos de rejeição do recurso de constitucionalidade com tal fundamento.

O Tribunal Constitucional tem entendido, por outro lado, que não assume relevância no contexto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a apreciação da conformidade à Constituição de normas que não tenham constituído fundamento da decisão recorrida. Com efeito, a norma arguida de inconstitucional tem de integrar o fundamento decisório acolhido pelo tribunal a quo, não podendo o juiz sobre a sua (in)constitucionalidade constituir um mero obiter dictum, nem são pura argumentação ad ostentationem. Nestes casos, não deve tomar-se conhecimento do objecto do recurso (pois a apreciação da questão da constitucionalidade não teria aqui a virtualidade de conformar a decisão recorrida) [84].

4.2. Por o objecto não ser susceptível de recurso

Os processos de fiscalização de constitucionalidade apenas podem ter por objecto normas jurídicas, entendida esta expressão num sentido funcional e formal [85], e não decisões judiciais em si mesmo consideradas [86] ou actos de outra natureza (actos administrativos ou actos de governo).

É frequente, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º LTC, o recorrente imputar a inconstitucionalidade à própria decisão recorrida, o que conduz ao não conhecimento do objecto do recurso. Contudo, já será susceptível de apreciação pelo Tribunal Constitucional uma dada interpretação ou dimensão interpretativa de uma norma jurídica aplicada pela decisão de que se recorre.


4.3. Por não ser matéria propriamente constitucional

Quanto à "natureza constitucional" da questão que consubstancia o objecto do recurso para o Tribunal Constitucional no âmbito do controlo normativo, importa apenas referir que a lei prevê, para além dos recursos de constitucionalidade, recursos que têm por objecto uma questão de legalidade reforçada ou qualificada. É o que se verifica com os previstos nas alíneas c), d), e), f), e i) do nº 1 do artigo 70º LTC. Ou seja, recurso de decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado - alínea c) do nº 1 do artigo 70º; recurso de decisões que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República - alínea d) do nº 1 do artigo 70º; recurso de decisões que recusem a aplicação de norma emanada de órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma – alínea e) do nº 1 do artigo 70º; recurso de decisões que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamento referidos nas alíneas c), d) e e), do nº 1 do artigo 70º - alínea f) do nº 1 do artigo 70º; recurso de decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional - alínea i) do nº 1 do artigo 70º.

Nesta medida, pode dizer-se que o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar questões que se situam fora do âmbito restrito da "matéria constitucional".


4.4. Por se tratar de actos excluídos do controlo jurisdicional

Do controlo normativo estão excluídos os actos políticos, os actos administrativos e os actos judiciais em si mesmo considerados.

Existem, por outro lado, decisões de tribunais não passíveis de recurso para o Tribunal Constitucional. É o caso de certas decisões tidas por não jurisdicionais do Tribunal de Contas [87]. É também o caso das decisões não definitivas, proferidas, por exemplo, em procedimentos cautelares ou em despachos de aperfeiçoamento [88].

Importa, neste contexto, salientar de novo que, sendo o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto de decisões judiciais, o objecto da apreciação do Tribunal Constitucional é consubstanciado unicamente pelas normas efectivamente aplicadas ou desaplicadas na decisão recorrida.

4.5. Por perda superveniente do objecto

Como referimos, nos processos de fiscalização abstracta, o Tribunal Constitucional tem entendido que a revogação da norma submetida a apreciação não determina ipso facto o não conhecimento do objecto do processo, por falta de interesse jurídico relevante. No entanto, quando o Tribunal entende que, se acaso declarasse a inconstitucionalidade, sempre haveria de utilizar a faculdade de limitação de efeitos dessa declaração (CRP, artigo 282º, nº 4), conclui-se pela inutilidade do conhecimento do pedido. Ou seja: o Tribunal “antecipa” uma eventual declaração de inconstitucionalidade e entende que sempre deveria limitar os seus efeitos, nos termos do artigo 282º, nº 4, CRP. Nesse caso, o conhecimento do pedido torna-se inútil: se o Tribunal viesse, porventura, a declarar a inconstitucionalidade, limitando os seus efeitos, essa declaração nunca poderia valer para o passado (porque o Tribunal decidiu limitar os seus efeitos), nem para o presente ou futuro (porque a norma já se encontra revogada) [89].

Por outro lado, a desistência do pedido só é admissível nos processos de fiscalização preventiva (artigo 53º LTC).

Nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, uma alteração legislativa não conduz necessariamente à inutilidade superveniente do recurso. Só assim acontecerá se, por força das respectivas regras de aplicação da lei no tempo, o novo regime abranger a situação à qual se aplicou a regra em apreciação [90].

Nestes processos, a extinção da instância ou do procedimento no “processo-pretexto” (por prescrição, desistência, transacção, deserção, etc.) conduz à inutilidade superveniente do recurso de constitucionalidade. A extinção da instância do recurso de constitucionalidade é, assim, um efeito derivado ou reflexo de uma vicissitude verificada no âmbito do “processo-pretexto”.

No entanto, o recorrente pode desistir do próprio recurso de constitucionalidade [91].

Nos casos de recurso obrigatório (artigo 72º, nº 3, LTC) não é, em princípio, admitida a desistência [92].


4.6. Por o processo carecer de interesse constitucional

Os problemas inerentes ao "interesse constitucional" do processo não merecem considerações autónomas em relação às que se fizeram a propósito da "irrelevância da questão controvertida" e do "objecto do recurso", pelo que se remete agora para o que se disse no ponto 4.1 e seguintes.

4.7. Por ter sido proferida decisão em processo com o mesmo objecto

A existência da decisão anterior sobre a questão suscitada tem relevância na fiscalização concreta de constitucionalidade, ao poder configurar essa questão como “questão simples”: é esse um caso em que o relator pode proferir decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, LTC.

Se a decisão anterior tiver sido uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional limitar-se-á a fazer aplicação dessa declaração no processo. O Tribunal encontra-se, aqui, vinculado pela sua própria decisão e, como tal, só tem de aplicar ao caso a declaração de inconstitucionalidade, cuja “força obrigatória geral” também o abrange.

Se, ao invés, a decisão anterior não tiver “força obrigatória geral”, o Tribunal Constitucional pode decidir em sentido contrário. É o que se passa, designadamente, quando as duas secções do Tribunal adoptam um entendimento diverso quanto à mesma questão de constitucionalidade. Nesse caso, caberá recurso para o plenário, nos termos do artigo 79º-D LTC.

5. Condições formais

5.1. Pressupostos processuais

A questão agora em apreciação assume particular relevância nos processos de fiscalização concreta.

Importa salientar (em acrescento do que disse antes) que, nos recursos das decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal ou que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional [alíneas g) e h) do nº 1 do artigo 70º LTC, respectivamente [93]], o requerimento deve conter, para além da alínea do nº 1 do artigo 70º LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto e da norma impugnada, a identificação da decisão anterior (artigo 75º-A, nº 3, LTC).

Tais exigências são igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos recursos de decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional (cf. artigos 70º, nº 1, alínea i), e 75º-A, nº 4, LTC).


5.2. Assistência técnica: defesa e auto-defesa

Nos processos de fiscalização abstracta da constitucionalidade, pela sua natureza, e dado o carácter institucional das entidades competentes para formular o respectivo pedido, não se coloca a questão da representação por advogado.

Nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, é obrigatório o patrocínio judiciário por advogado (artigo 83º, nº 1, LTC).

Esta regra sofre, no entanto, excepções.

Assim, os magistrados judiciais e do Ministério Público podem advogar em causa própria, do seu cônjuge ou descendente. E, em processo administrativo (processo tributário incluído), o patrocínio da autoridade recorrida ou requerida, nos recursos de decisões jurisdicionais, pode ser exercido por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico junto dessa entidade, por ela designado (artigo 83º, nº 2, LTC).

Por outro lado, só pode advogar perante o Tribunal Constitucional quem o puder fazer junto do Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigo 83º, nº 2, LTC) [94].

Com a expressão "advogado" faz-se apelo a um conceito juridicamente preciso:
refere-se a quem, segundo as disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados, é titular de inscrição em vigor como advogado na respectiva Ordem [95].

6. Outras condições de acesso.

6. 1 - Fianças ou cauções

O sistema português de controlo da constitucionalidade não conhece quaisquer exigências do tipo das concretizadas na prestação de fiança ou de caução.

6.2 - O cumprimento de trâmites processuais

Para além das exigências relativas aos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade de decisão judicial que recuse a aplicação duma norma por inconstitucionalidade, que aplique norma arguida de inconstitucional durante o processo ou que aplique norma já julgada inconstitucional pelo TC, que foram mencionadas supra no ponto 5, não há outros trâmites que o recorrente tenha de cumprir. Ao que então se disse é de acrescentar apenas a exigência de apresentar as alegações no TC (artigo 79º LTC [96] por parte do recorrente, sob pena de o recurso ser julgado deserto pelo relator do processo [97].

6.3 - A defesa da pretensão em momentos anteriores ao processo constitucional

Como já vimos, o recorrente, no recurso de constitucionalidade de decisão judicial que aplique norma arguida de inconstitucional, tem de suscitar durante o processo uma inconstitucionalidade normativa. O que significa que o recorrente tem de levantar essa questão antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade, ou seja, em momento processual que ainda vá a tempo de o tribunal recorrido conhecer da questão da constitucionalidade. Quanto a este requisito, há mesmo uma divergência entre a 1ª e a 2ª secções do Tribunal Constitucional: a 2ª Secção impõe que o recorrente (para o Tribunal Constitucional) sustente a inconstitucionalidade em todas as instâncias de recurso; por seu turno, a 1ª Secção não exige que o recorrente, que suscitou a inconstitucionalidade na primeira instância e que obteve aí ganho de causa (por fundamento diverso da inconstitucionalidade), volte a suscitar de novo essa questão nas contra-alegações do recurso ordinário [98].

7. Outras formas de intervenção processual

Nos termos do artigo 74º, nº 4, LTC, não pode haver recurso subordinado, nem adesão ao recurso para o Tribunal Constitucional.

Os recorrentes e os recorridos podem coligar-se, no recurso de constitucionalidade de decisão judicial que aplique norma arguida de inconstitucional durante o processo. Para isso, é necessário que tenham legitimidade e interesse processual no que se refere à questão principal. O que bem se compreende, pois é da própria natureza do recurso de constitucionalidade, totalmente instrumentalizado à decisão da questão principal, que a intervenção processual principal ou subordinada nele não tenha autonomia face à intervenção no processo judicial em que a questão de constitucionalidade foi levantada.

Um tal princípio é, no entanto, de algum modo atenuado pelo disposto no artigo 74º, nºs. 1 a 3, que estabelece que o recurso de constitucionalidade admitido relativamente a um recorrente pode aproveitar aos outros recorrentes. Recordando o que se disse atrás, estão aí previstas três hipóteses: o recurso interposto pelo Ministério Público aproveita a todos os que têm legitimidade para recorrer; o recurso interposto por um interessado, no caso de recusa de aplicação de norma arguida de inconstitucional pelo tribunal da causa principal, aproveita aos restantes interessados; e o recurso interposto por um interessado, no caso de aplicação pela decisão recorrida de norma arguida de inconstitucional durante o processo, aproveita aos restantes interessados nos termos e limites estabelecidos na lei reguladora do processo em que essa decisão tiver sido proferida. Esta última hipótese ainda recentemente se verificou no Acórdão nº 184/96 [99], em que a arguição de inconstitucionalidade de uma norma jurídica aplicada pela decisão recorrida, feita por um dos recorrentes, aproveitou aos restantes, que haviam arguido a inconstitucionalidade de uma norma que não fora aplicada pela decisão recorrida.


III. A inadmissão nos processos constitucionais

1/2. Convite para suprir faltas ou corrigir erros do requerimento dirigido ao TC

A LTC prevê o convite para corrigir o requerimento de petição dirigido ao Tribunal Constitucional tanto nos processos de fiscalização abstracta, como nos processos de fiscalização concreta. Assim, quanto ao controlo abstracto, prescrevem os nºs 1 e 3 do artigo 51º dessa Lei que, no caso de falta, insuficiência ou manifesta obscuridade das indicações das normas cuja apreciação se requer e das normas ou princípios constitucionais violados, o presidente notifica o autor do pedido para suprir tais deficiências [100].

Quanto ao controlo concreto, por sua vez, dispõe o nº 5 do artigo 75º-A que se o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não indicar algum dos elementos previstos nos nºs. 1 a 3 desse mesmo artigo, o juiz recorrido convidará o recorrente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias. E, se este não formular tal convite, pode fazê-lo o relator no Tribunal Constitucional (artigo 75º-A, nº 6). Esses elementos são, para todos os recursos de constitucionalidade, a indicação da alínea do nº 1 do artigo 70º LTC ao abrigo da qual é interposto o recurso e a norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, aos quais acresce, para o recurso contra decisão que aplicou norma arguida de inconstitucional durante o processo, a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, e, para os recurso contra decisão que aplicou norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, a identificação do acórdão em que o Tribunal julgou inconstitucional essa norma.


3/4. A inadmissão do recurso

A admissão do recurso de constitucionalidade, como já referimos, cabe ao tribunal a quo. Segundo o artigo 76º LTC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido: 1) quando não satisfaça os requisitos do artigo 75º-A LTC, mesmo após o suprimento subsequente ao convite que referimos; 2) quando a decisão não o admita; 3) quando o recurso seja extemporâneo; 4) quando o requerente careça de legitimidade; 5) no caso de recurso contra decisão que aplicou norma arguida de inconstitucionalidade durante o processo, quando for manifestamente infundado.


5/6. Reclamação contra a não admissão do recurso

Contra o despacho do tribunal a quo, que não admita o recurso, cabe reclamação para o Tribunal Constitucional . Reclamação que este julgará em conferência, seguindo um processo que, embora sujeito a prazos sensivelmente mais curtos, é idêntico ao processo de julgamento do próprio recurso [101]. A decisão [102] que conclua pela revogação do despacho de inadmissão do recurso faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso - artigos 76º, nº 4 e 77º LTC.


IV. Direito de acesso à justiça constitucional e direito de aceder por via de recurso ao tribunal de única ou última instância

Lembramos que os cidadãos não têm acesso ao Tribunal Constitucional funcionando como única instância, o que ocorre no controlo abstracto ou acção de constitucionalidade (ou legalidade), a qual, como já vimos, apenas pode ser desencadeado pelas entidades públicas enumeradas no nº 2 do art. 281º CRP [103]. Por conseguinte, os cidadãos somente têm acesso ao Tribunal Constitucional funcionando em última instância, ou seja, no controlo concreto ou recurso de constitucionalidade (ou legalidade).

1. Disciplina legal estrita da decisão de admissão do recurso

Diversamente da tradição norte-americana, traduzida na bem conhecida discretionary jurisdiction, que reconheceu ao Supreme Court um poder discricionário para decidir, com ampla liberdade, a admissão do recurso para ele interposto das diversas jurisdições, o TC não dispõe de qualquer liberdade nessa matéria. Na verdade, a admissão do recurso de constitucionalidade obedece a estrita disciplina constitucional e sobretudo legal. Assim, embora a existência de um tal poder pudesse ser útil, o certo é que não tem a menor tradição nem suporte em Portugal [104]. Por isso, o TC só não conhecerá do recurso de constitucionalidade quando, de acordo com a LTC, não estejam preenchidos os respectivos pressupostos de admissibilidade.

O não conhecimento do objecto do recurso pode dar lugar a uma decisão sumária. Assim, admitido o recurso de constitucionalidade pelo tribunal a quo, pode o relator proferir decisão de não conhecimento. Dessa decisão pode reclamar-se para a conferência (art. 78º-A, nº 3).

O Tribunal pode ainda decidir não conhecer do objecto do recurso aquando da decisão do recurso, o que, aliás, tem acontecido com alguma frequência.

2. Recurso para o plenário do Tribunal Constitucional

Quanto ao acesso à justiça constitucional, como direito de aceder por via de recurso ao tribunal de última instância, há a acrescentar que, dos acórdãos das secções do Tribunal, às quais cabe por via de regra o julgamento dos recursos de constitucionalidade [105], pode haver recurso para o plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 78º-D LTC, cujo nº 1 dispõe:
"Se o Tribunal vier julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido".

Trata-se dum recurso cuja razão de ser é evitar divergências jurisprudenciais, mas que apenas está previsto para o caso de a divergência respeitar à questão da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade), e já não para a hipótese de a mesma dizer respeito à questão do conhecimento do recurso. Neste último caso, a divergência é insusceptível de ser sanada através de recurso [106].