ACÓRDÃO Nº 428/2022
Processo n.º 330/2022
1ª Secção
Relator: Conselheiro José João Abrantes
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
– A Causa
1. A., ora Reclamante, vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 287/2022, prolatado em 26 de abril de 2022 e que indeferiu a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 77.º da LTC, confirmando o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade proferido pelo Vice-Presidente do STJ, invocando, para o efeito, que deveria ter sido cumprido o disposto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, e dada oportunidade ao Reclamante para que concretizasse qual a alínea do artigo 400.º, n.º 1, do CPP, da qual se extraía a questão de inconstitucionalidade suscitada (cfr. fls. 38 e 39).
1.1. No âmbito do processo comum coletivo n.º 971/20.0JACBR, que corre termos no Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 2, por acórdão proferido em 1 de junho de 2021, foi o Reclamante condenado na pena de cinco (5) anos e três (3) meses de prisão, pela prática, em coautoria, de um crime de roubo agravado.
1.2. Desse acórdão o Reclamante interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 22 de setembro de 2021, concedeu parcial provimento ao mesmo e condenou-o na pena de três (3) anos de prisão (cfr. fls. 12 a 45).
O Reclamante arguiu a nulidade do referido acórdão, o que veio a ser indeferido por acórdão de 24 de novembro de 2021 (cfr. fls. 47 a 50 e 51 a 56).
1.3. Inconformado, deste último aresto o Reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não veio a ser admitido por se tratar de decisão irrecorrível, ao abrigo dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP (cfr. fls. 58 a 65v).
1.4. Dessa decisão de não admissão do recurso para o STJ o Reclamante reclamou para o Presidente desse Tribunal, nos termos do artigo 405.º do CPP, sustentando que o acórdão do TRC se tinha debruçado, pela primeira e única vez, sobre a nulidade de omissão de pronúncia por si arguida, cabendo recurso dessa decisão, pelo menos em um grau, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do princípio fundamental da recorribilidade contido no artigo 32.° da CRP. Referiu, ainda, que mesmo que fosse identificada uma norma que impedisse o recurso, tratar-se-ia de norma inconstitucional, por ir contra aquele princípio, para além da não admissão do recurso implicar um confronto direto com o artigo 18.°, n.° 1, da CRP.
1.5. A reclamação foi indeferida e o despacho de não admissão de recurso confirmado, por decisão do Vice-Presidente do STJ, de 31 de janeiro de 2022 (cfr. fls. 68 a 74):
1.6. O Reclamante arguiu, então, a nulidade da decisão do Vice-Presidente do STJ, por omissão de pronúncia, que veio a ser indeferida, por decisão de 17 de fevereiro de 2022 (cfr. fls. 77 a 81), por se considerar que na decisão anterior se havia conhecido todas as questões suscitadas.
1.7. O Reclamante interpôs recurso de constitucionalidade – cfr. requerimento de fls. 94 a 94, que aqui se dá por integralmente reproduzido – ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
1.8. Por despacho de 2 de março de 2022, o Vice-Presidente do STJ não admitiu o recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 577v a 578).
1.9. O Reclamante reclamou do despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º e do artigo 77.º da LTC (cfr. fls. 3 a 8).
1.10. Pelo Acórdão n.º 287/2022, desta Secção, a reclamação foi indeferida e confirmada a rejeição do recurso de constitucionalidade, pelos mesmos fundamentos que estiveram na base da prolação da decisão do Vice-Presidente do STJ, a saber, a ausência de suscitação prévia e adequada perante o tribunal recorrida de uma questão de inconstitucionalidade com a necessária dimensão normativa (cfr. fls. 23 a 33).
Com interesse para a presente decisão, no aludido aresto lê-se o seguinte:
“[…]
In casu, o Reclamante não suscitou perante o Vice-Presidente do STJ, no incidente do artigo 405.º do CPP, qualquer questão de inconstitucionalidade com adequada dimensão normativa.
Além disso, no requerimento de interposição de recurso, o Reclamante apenas faz referência ao n.º 1 do artigo 400.º do CPP, sem concretizar em qual das alíneas desse preceito sedia a questão de inconstitucionalidade que pretender ver apreciada (cfr. ponto 1.2. supra), persistindo em não colocar, em qualquer uma das instâncias, uma questão de inconstitucionalidade extraível de uma norma ou interpretação normativa precisa.
Assim, atento o incumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada de uma questão de inconstitucionalidade com natureza normativa perante o tribunal recorrido, dúvidas inexistem que o Reclamante carece de legitimidade para interpor o presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, sendo certo que nenhum dos argumentos esgrimidos na reclamação é suficiente para infirmar tal conclusão e, como tal, outra solução não resta do que confirmar o acerto da decisão reclamada.
[…]
1.11. O Reclamante arguiu, então, a nulidade do referido aresto por não ter sido convidado a indicar qual a alínea do artigo 400.º, n.º 1, do CPP, da qual se extraía a questão de inconstitucionalidade suscitada, ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC (cfr. fls. 38 e 39).
1.12. O Ministério Público pronunciou-se pugnando pelo indeferimento do requerimento, uma vez que o convite previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC apenas se dirige ao aperfeiçoamento de requisitos formais e não de pressupostos essenciais do recurso de constitucionalidade, como o cumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada (cfr. fls. 41 a 43).
Cumpre, enfim, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2.1. Insurge-se o Reclamante contra a circunstância de não ter sido convidado a aperfeiçoar a questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do recurso por si interposto, designadamente a indicar qual a alínea do n.º 1 do artigo 400.º do CPP de que extraía tal questão.
Muito embora o Reclamante não invoque qual o dispositivo legal em que sustenta o vício de nulidade apontado ao Acórdão n.º 287/2022, é possível deslindar dos fundamentos aduzidos que tal nulidade se reporta à omissão de uma formalidade prescrita na lei que, no caso, se traduziria na omissão do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso (cfr. artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC).
Ora, constitui jurisprudência pacífica deste Tribunal que o convite ao aperfeiçoamento consagrado n.os 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC só tem sentido e utilidade perante a falta de preenchimento de requisitos formais do requerimento de interposição do recurso, que se encontram enumerados nos n.os 1 e 2 do sobredito preceito legal, e não quando esteja em causa a ausência de pressupostos de admissibilidade do próprio recurso enunciados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 70.º e no artigo 72.º.
Na verdade, num estádio liminar, se o processo fornecer elementos bastantes e categóricos no sentido da falta de verificação de pressupostos de admissibilidade do recurso, o convite ao aperfeiçoamento afigura-se, manifestamente, inútil.
Neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão n.º 116/09:
“[…]
Por outro lado, o convite a que se refere o nº 6 do artigo 75º-A da LTC “só é possível se a omissão for sanável, ou seja, se consistir numa falta do próprio requerimento, não tendo cabimento para o suprimento de falta de pressupostos de admissibilidade do recurso que seja insanável” (Acórdão nº 99/2000, disponível em www.tribunalconstitucinal.pt). Ora, no caso, faltavam, precisamente, pressupostos de admissibilidade do recurso, o que, de resto, não foi contrariado pelo reclamante.
[…]”
Neste caso, a decisão de não admissão do recurso radicou na falta de cumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada, na reclamação deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP, de uma questão de inconstitucionalidade com a necessária veste normativa. Esse sentido decisório veio a ser confirmado no Acórdão n.º 287/2022, acolhendo-se os mesmos fundamentos avançados pelo Vice-Presidente do STJ, referindo-se, ainda, que nem na reclamação do artigo 405.º do CPP, nem no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o Reclamante logrou elucidar qualquer questão de inconstitucionalidade com a necessária veste normativa, não tendo sequer indicado qual a alínea do n.º 1 do artigo 440.º do CPP a que reconduzia o objeto do recurso.
A falta de suscitação prévia e adequada de questão de inconstitucionalidade com a necessária veste normativa consiste num pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e não num requisito formal do requerimento de interposição do recurso. Por essa razão, não imporia, nem justificaria, o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, já que as razões que ditaram a não admissão estão a montante daquela peça processual e, por outro lado, as mesmas não são ultrapassáveis através de meras correções formais (cfr. artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC).
Assim, e em suma, nada mais resta do que indeferir a arguida nulidade do Acórdão n.º 287/2022.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a arguição de nulidade invocada pelo Reclamante A..
Custas a cargo do Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios constantes do artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de junho de 2022 - Pedro Machete - José Teles Pereira
Atesto o relato do Conselheiro José João Abrantes, que participou por meios telemáticos.
Pedro Machete