O Tribunal Constitucional como órgão constitucional
O Tribunal Constitucional é um verdadeiro tribunal, tal como os demais tribunais previstos na Constituição. Mas, por um lado, é mais do que um tribunal, é um órgão constitucional e, por outro, é um tribunal que apresenta importantes especificidades quanto à sua composição, competência e funcionamento.
Como órgão constitucional, o Tribunal Constitucional tem uma posição e uma intervenção específicas no sistema constitucional do poder político: declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas, nomeadamente, das legislativas, o que implica a sua cessação de vigência; competências quanto ao Presidente da República e quanto aos referendos nacionais e locais, e em matéria de partidos políticos, de titulares de cargos políticos e de eleições.
Como tribunal, o Tribunal Constitucional compartilha as características próprias de todos os tribunais: é um órgão de soberania (artigo 202º da Constituição); é independente e autónomo, não está dependente nem funciona junto de qualquer órgão; os seus juízes são independentes e inamovíveis; as suas decisões impõem-se a qualquer outra autoridade. Mas, diferentemente dos demais tribunais, o Tribunal Constitucional tem a sua composição e competência definidas directamente na Constituição; os seus juízes são maioritariamente eleitos pela Assembleia da República; dispõe de autonomia administrativa e financeira e de orçamento próprio, inscrito separadamente entre os “encargos gerais do Estado”; e define, ele próprio, as questões relativas à delimitação da sua competência.
Na ordenação constitucional dos tribunais, o Tribunal Constitucional surge referido em primeiro lugar, logo no Título V (Tribunais) da Parte III da Lei Fundamental, precedendo as demais categorias de tribunais.
Com efeito, dispõe o artigo 209º da Constituição, sob a epígrafe “Categorias de tribunais”:
“1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais:
a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e segunda instância;
b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais;
c) O Tribunal de Contas.
2. Podem existir tribunais marítimos e tribunais arbitrais e julgados de paz. ”
E no artigo 210º, nº 1, quando se afirma que o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, bem como no artigo 212º, nº 1, se afirma igualmente que o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, logo se acrescenta, em ambos os casos, que tal sucede “sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional”.
Contudo, a Constituição confere uma posição autónoma ao Tribunal Constitucional, a seguir, no Título VI, onde ele vem a aparecer destacado, merecendo tratamento constitucional próprio, como um outro “poder do Estado”, ao mesmo nível do Presidente da República, da Assembleia da República ou do Governo, enquanto os restantes tribunais são tratados em conjunto, no Título V.
Justamente por se tratar de um órgão de garantia da própria ordem jurídico-constitucional, a Lei Fundamental preocupou-se igualmente em definir desde logo as principais competências do Tribunal Constitucional (artigos 221º e 223º), bem como a sua composição e organização (artigos 222º e 224º), o que não se verifica, pelo menos em igual medida, em relação a qualquer outra categoria de tribunais.
Organização
Do ponto de vista da sua competência organizativa interna, compete ao Tribunal Constitucional eleger o Presidente e Vice-Presidente, elaborar os regulamentos internos necessários ao seu bom funcionamento, aprovar a proposta de orçamento anual, fixar no início de cada ano o calendário das suas sessões ordinárias e exercer outras competências atribuídas por lei (artigo 36º da LTC).
O Presidente e Vice-Presidente são eleitos pelos juízes do Tribunal Constitucional por voto secreto, sem discussão ou debate prévios, em sessão presidida, na falta de um e outro, pelo juiz mais idoso e secretariada pelo mais novo. É eleito Presidente o juiz que obtiver o mínimo de 9 votos e Vice-Presidente o que obtiver o mínimo de 8 votos (artigos 37º e 38º da LTC).
O Presidente tem funções de várias espécies: representa o Tribunal e assegura as suas relações com os demais órgãos e autoridades públicas; recebe as candidaturas e as declarações de desistência dos candidatos a Presidente da República e preside à assembleia de apuramento geral da eleição presidencial e das eleições para o Parlamento Europeu; preside às sessões do Tribunal, convoca sessões extraordinárias, dirige os trabalhos e apura os resultados das votações; preside à distribuição dos processos, assina o expediente, manda passar certidões e organizar e afixar a tabela dos recursos e processos prontos para julgamento em cada sessão, conferindo prioridade aos referidos nos nº s. 3 e 5 do artigo 43º e, bem assim, àqueles em que estiverem em causa direitos, liberdades e garantias pessoais; organiza anualmente o turno para assegurar o julgamento durante as férias dos juízes, consultados estes em conferência; superintende na gestão e administração do Tribunal, bem como na secretaria e serviços de apoio; nomeia e dá posse ao pessoal e exerce sobre ele o poder disciplinar (artigo 39º da LTC); e, por último, exerce outras competências atribuídas por lei ou que o Tribunal nele delegar.
Compete ao Vice-Presidente substituir o Presidente nas suas faltas e impedimentos, praticar os actos respeitantes ao exercício das competências que aquele lhe delegar e coadjuvá-lo no exercício das suas funções, nomeadamente, presidindo a uma das secções a que não pertença (nº s 2 do artigo 39º da LTC).
No exercício dos poderes de regulamentação interna, com vista a garantir o seu bom funcionamento, o Tribunal já adoptou vários regulamentos, entre os quais se destacam os relativos ao funcionamento do plenário e das secções, à notificação e à publicação das decisões e à utilização da biblioteca e do arquivo bibliográfico e jurisprudencial.
O regime próprio de autonomia financeira e orçamental do Tribunal está previsto no artigo 47º-A e seguintes da LTC.
O conselho administrativo do Tribunal Constitucional é constituído pelo Presidente, por dois juízes, pelo Secretário-Geral do Tribunal e pelo chefe da secção de expediente e contabilidade. Tem por atribuições, designadamente, a gestão financeira corrente e a elaboração do projecto de orçamento (para aprovação pelo Tribunal, apresentação ao Governo, e subsequente envio à Assembleia da República — artigo 47º-A da LTC).
A organização dos serviços do Tribunal Constitucional consta do Decreto-Lei nº 545/99, de 14 de dezembro, compreendendo o Secretário-Geral, a secretaria judicial e os serviços de apoio.
Os serviços do Tribunal Constitucional, salvo o dos Gabinetes, são dirigidos pelo Secretário-Geral, sob a superintendência do Presidente do Tribunal.
A secretaria judicial, dirigida por um secretário de justiça, que chefia também a secção central, compreende essa secção e quatro secções de processos (dirigidas por escrivães de direito).
Os serviços de apoio incluem o Gabinete do Presidente (com assessores e secretários pessoais, dirigidos por um chefe de gabinete), o Gabinete do Vice-Presidente, o Gabinete dos Juízes, o Gabinete do Ministério Público (com assessores e secretários pessoais), a Divisão Administrativa e Financeira (que também é responsável pelos recursos humanos), o Núcleo de Apoio Documental e Informação Jurídica (responsável pela organização da biblioteca e ficheiro de jurisprudência, e pela publicação das decisões do Tribunal) e o Centro de Informática (responsável pelo planeamento e gestão dos sistemas informáticos do Tribunal).
A Lei nº 19/2003, de 20 de junho de 2003 — Lei do Financiamento dos Partidos Políticos — previu a criação da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional, visando coadjuvá-lo tecnicamente na apreciação e na fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais. Esta Entidade veio a ser regulada pela Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro.
Funcionamento
O Tribunal Constitucional funciona em sessões plenárias e por secções (artigo 40º, nº 1, da LTC), consoante a natureza da matéria sobre que é chamado a pronunciar-se.
São julgados em secção os recursos e as reclamações em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade (excepto quando o Presidente determine que o julgamento se faça em sessão plenária, como medida necessária para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique em razão da natureza da questão a decidir — artigo 79º-A da LTC), bem como os processos de candidatura à eleição do Presidente da República (artigo 93º da LTC). As restantes decisões são tomadas em plenário.
Existem três secções, não especializadas, sendo cada uma delas constituída pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente e por mais quatro juízes, segundo distribuição feita pelo próprio Tribunal no início de cada ano judicial (artigo 41º da LTC).
O Tribunal reúne ordinariamente, em regra todas as semanas, de acordo com a periodicidade fixada no inicio de cada ano judicial [artigo 36º, alínea d), da LTC]. Reúne extraordinariamente quando convocado pelo Presidente, por iniciativa própria ou a solicitação da maioria dos juízes em efectividade de funções.
As sessões plenárias ou de secção só podem realizar-se achando-se presente a maioria dos respectivos juízes em efectividade de funções, sendo as deliberações tomadas à pluralidade de votos dos juízes presentes (não obstante o artigo 42º da LTC não o dizer expressamente, o Tribunal tem entendido que a necessidade de formar maioria se aplica tanto à decisão como à fundamentação).
Cada juiz dispõe de um voto e o Presidente — ou o Vice-Presidente, quando o substitui — tem voto de qualidade: assim, em caso de empate na votação, considera-se vencedora a posição que tiver obtido o seu voto. Os juízes vencidos podem fazer declaração de voto (artigo 42º, nº s 3 e 4, da LTC).
Após a admissão, os processos são distribuídos, por sorteio, a um relator (artigos 49º e 50º da LTC) que resolve todas as questões com ele relacionadas que não careçam de intervenção colectiva (artigos 78º-A e 78º-B da LTC) e elabora um memorando ou projecto de acórdão contendo o enunciado das questões sobre as quais o Tribunal se deverá pronunciar (artigo 58º, nº 2, artigo 65º, nº 1, artigo 67º, artigo 78º-B, nº 1, e artigo 100º, nº 3, todos da LTC).
O Ministério Público é representado no Tribunal Constitucional pelo Procurador-Geral da República, que pode delegar o exercício das suas funções no Vice-Procurador-Geral ou em Procuradores-Gerais-Adjuntos (artigo 44º da LTC).
Na sede do Tribunal funcionam as assembleias de apuramento geral dos resultados dos referendos nacionais e das eleições do Presidente da República e dos Deputados ao Parlamento Europeu.
Aplica-se ao Tribunal Constitucional o regime geral sobre férias judiciais relativamente aos processos de fiscalização abstracta não preventiva da constitucionalidade e legalidade de normas jurídicas e aos recursos de decisões judiciais, não havendo férias judiciais quanto aos restantes processos (nº s 1 e 2 do artigo 43º da LTC). As férias dos juízes são fixadas de forma a assegurar a permanente existência de quórum de funcionamento do plenário e de cada uma das secções do Tribunal (artigo 43º, nº 6, da LTC). Não há férias judiciais na secretaria (artigo 43º, nº 7, da LTC).