ACÓRDÃO Nº 451/2022
Processo n.º 492/2022
Plenário
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Presidente da Assembleia Municipal de Valença submeteu ao Tribunal Constitucional, com registo de entrada em 5 de maio de 2022, requerimento para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da deliberação da Assembleia Municipal de Valença, tomada na sua sessão ordinária de 28 de abril de 2022, que aprovou por maioria deliberação visando a realização de referendo local sobre a permanência ou não do Município na Águas do Alto Minho, S.A., nos termos do artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto – diploma que aprova o regime jurídico do referendo local −, com as alterações introduzidas pelas Lei Orgânicas n.º 3/2010, de 15 de dezembro; n.º 1/2011, de 30 de novembro; n.º 3/2018, de 17 de agosto; e n.º 4/2020, de 11 de novembro (referida adiante pela sigla «LORL»).
2. Através do Acórdão n.º 383/2022, tirado em Plenário, decidiu-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º da LORL, ter por não verificada a legalidade do referendo local que a Assembleia Municipal de Valença, na sua reunião ordinária de 28 de abril de 2022, deliberou realizar.
Tal decisão baseou-se na seguinte fundamentação:
6. Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo (v. o artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da Constituição, e o artigo 11.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação vigente).
O requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de deputado ao órgão da autarquia que deliberou a sua realização, mostrando-se o processo regularmente instruído (artigos 28.º, n.º 1, da LORL).
No caso presente – e tratando-se de referendo municipal –, a iniciativa referendária foi exercida por deputado à Assembleia Municipal de Valença, revestindo a forma de projeto de deliberação, em conformidade com o disposto nos artigos 10.º, n.º 1 e 11.º, ambos da LORL.
O projeto de deliberação foi aprovado por maioria pela Assembleia Municipal, dentro do prazo estipulado pelo artigo 24.º, n.º 1, da LORL, pelo que se mostra observado o disposto no artigo 23.º e no n.º 5 do artigo 24.º, ambos de tal diploma.
Dispõe o artigo 25.º da LORL que, «[n]o prazo de oito dias a contar da deliberação de realização do referendo, o presidente do órgão deliberativo submete-a ao Tribunal Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade». O prazo foi observado.
Resta apreciar a constitucionalidade e a legalidade da deliberação de referendo.
7. O artigo 8.º da LORL determina que «[n]ão pode ser praticado nenhum ato relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional».
Atentos os prazos previstos nos artigos 32.º e seguintes da LORL, é manifesto que não se verifica nenhum dos limites temporais a que se realize a consulta popular.
8. Apreciemos agora a legalidade do objeto ou matéria do referendo local.
A Assembleia Municipal de Valença deliberou consultar o eleitorado municipal sobre as seguintes questões:
a) «Pretende a saída do Município de Valença da A.D.A.M., S.A. (Águas do Alto Minho Sociedade Anónima)?» e
b) «Pretende a permanência do Município de Valença da A.D.A.M., S.A. (Águas do Alto Minho Sociedade Anónima)?»
Como é bom de ver, o referendo incide sobre a permanência ou saída do Município de Valença da sociedade Águas do Alto Minho, S.A., sendo esses os termos em que as questões são colocadas.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da LORL, o referendo local só pode ter por objeto questões de relevante interesse local.
De acordo com as razões aduzidas no projeto de deliberação e da informação pública existente, a Águas do Alto Minho, S.A., é uma sociedade anónima de capitais públicos detida pela AdP — Águas de Portugal, S.A., e pelos municípios de Arcos de Valdevez, Caminha, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira, sendo a entidade que atualmente procede à exploração e gestão do sistema de águas da região do Alto Minho.
O Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, na sua redação atual, estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos. De acordo com o seu artigo 6.º, n.º 1, a gestão dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos é uma atribuição dos municípios e pode ser por eles prosseguida isoladamente ou através de associações de municípios ou de áreas metropolitanas, mediante sistemas intermunicipais, sendo a delegação do serviço em empresa constituída em parceria com o Estado, nos termos regulados no Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, um dos modelos de gestão previstos no artigo 7.º, n.º 1, daquele diploma.
Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, a exploração em regime de parceria pode ser feita, nomeadamente, através de entidade do sector empresarial do Estado em que participem municípios ou associações de municípios, sendo que tal modalidade de pareceria é, nos termos do artigo 5.º, instituída mediante a celebração de contrato entre o Estado − através de empresa do sector empresarial do Estado – e as autarquias locais ou associações de municípios em causa. Foi este o quadro legal em que foi criada a Águas do Alto Minho, S.A., detendo o Município de Valença 23.211 ações da categoria A, correspondentes a 3,22% do capital da sociedade.
Sem prejuízo do mais que se venha a dizer sobre a matéria, o referendo incide sobre a pretensão dos munícipes de que a atividade de exploração e gestão do sistema de abastecimento público de águas na área do Município de Valença continue a realizar-se mediante delegação na Águas do Alto Minho, S.A., no quadro do contrato de parceria celebrado para esse efeito. Porém, de acordo com o teor das perguntas propostas, no caso de os munícipes pretenderem que o Município de Valença se desvincule da referida parceria, não lhes é colocada a questão de saber que forma alternativa de prestação da atividade deve ser adotada. Está apenas em causa decidir sobre a participação municipal na Águas do Alto Minho, S.A, ou seja, sobre a eventual desvinculação do Município de Valença da parceria que deu vida a essa entidade.
Tendo-se presente que as atividades de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos constituem serviços públicos de carácter essencial, tendo por objeto bens de primeira necessidade cuja provisão suscita relevantes questões de saúde pública, segurança coletiva, organização económica e tutela ambiental – como se reconhece no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto –, e que o modelo a que tais serviços obedeçam tem graves implicações sociais e económicas, afigura-se que a matéria se reveste de inequívoco interesse local. Por outro lado, não se vislumbra que a eventual cessação da prossecução da atividade de exploração e gestão do sistema de abastecimento público de águas na área do Município de Valença, por delegação na Águas do Alto Minho, S.A., contenda com os princípios da unidade e subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal, para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º da LORL. Nem se trata de matéria liminarmente excluída de referendo local, nos termos do artigo 4.º da LORL, pelo que é de concluir que a matéria submetida a consulta popular é referendável a nível local.
9. Cabe agora apreciar se as perguntas formuladas reúnem as exigências legais.
Dispõe o artigo 7.º, n.º 1, da LORL, que nenhum referendo pode comportar mais do que três perguntas. Trata-se de uma exigência respeitada no caso vertente, visto que a deliberação incide sobre duas perguntas. Mostra-se igualmente verificada a condição prevista no n.º 3 do artigo 7.º do mesmo diploma, segundo a qual as perguntas não podem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «as perguntas são formuladas com objetividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem direta ou indiretamente o sentido das respostas».
Apreciemos estes requisitos.
O quesito referendário tem de ser formulado de modo a admitir exclusivamente as respostas sim ou não, de acordo com a natureza dilemática ou bipolar da consulta popular (v., entre muitos, o Acórdão n.º 360/91). No caso vertente, cada uma das perguntas aprovadas pela Assembleia Municipal de Valença, em si mesmo consideradas, obedece a tal requisito, na medida em que é passível de admitir uma só resposta, seja positiva, seja negativa.
Só que a bivalência das perguntas aprovadas, tomadas individualmente, não é suficiente para dar por observadas as exigências contidas no n.º 2 do artigo 7.º da LORL. Com efeito, dado que as duas perguntas incidem sobre o mesmo objeto e têm a mesma estrutura sintática, apenas divergindo no emprego dos termos contrários «permanência» e «saída», a sua coexistência comporta manifestamente a possibilidade de a consulta popular gerar um resultado contraditório. Dada a oposição semântica dos termos em cada uma das perguntas, a resposta afirmativa a uma implica logicamente a resposta negativa à outra – e vice-versa, no caso de a resposta ser negativa. Daí se segue que, caso seja dada resposta afirmativa ou negativa a ambas as questões, o sentido da consulta é irremediavelmente equívoco, sendo tal hipótese empiricamente possível, uma vez que as leis da lógica são – como quaisquer leis normativas – suscetíveis de ser violadas por seres humanos. É evidente que esta possibilidade não pode ser admitida, com a agravante de a colocação simultânea de ambas as questões constituir um fator pernicioso de confusão para o eleitor. Como se sublinhou no Acórdão n.º 21/2013, perante situação análoga, «esse é o resultado inevitável da formulação de perguntas concorrentes entre si, para obtenção de uma única resposta, a uma única questão, de natureza bipolar. Como se salientou no Acórdão n.º 360/91 e se reiterou no Acórdão n.º 495/99, quando a consulta se desdobra em mais do que uma pergunta (o que a lei, até três, consente), “há-de tratar-se de perguntas não concorrentes e permitindo um conjunto unívoco de respostas ou uma resposta global unívoca”».
10. Mas ainda que este problema fosse ultrapassável, designadamente pela eventual eliminação de uma das perguntas aprovadas, subsiste um problema adicional e irremediável.
Como se referiu anteriormente, a questão que se pretende referendar é a da permanência ou saída do Município de Valença da Águas do Alto Minho, S.A., ou de forma mais precisa, a manutenção ou cessação da prossecução da atividade de exploração e gestão do sistema de abastecimento público de águas na área do Município de Valença por delegação na Águas do Alto Minho, S.A., no quadro do contrato de parceria celebrado para esse efeito.
O artigo 240.º da Constituição permite sujeitar a referendo local, a realizar pelas autarquias locais, «matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer». Importa, assim, averiguar se a questão que se pretende submeter a referendo local se inscreve nas competências da Assembleia Municipal – e, em caso de resposta afirmativa, em que exatos termos. Em particular, cabe apurar se o Município de Valença, por via de algum dos seus órgãos, tem o poder de, se assim for decidido pelos eleitores, sair da Águas do Alto Minho, S.A. – o mesmo é dizer, se esse efeito pode ser obtido pelos órgãos municipais sem dependência de variáveis não submetidas ao seu controlo. Ora, a cessação do vínculo jurídico entre o Município de Valença e a sociedade Águas do Alto Minho, S.A., constituído pela parceria, está sujeita a condições fixadas nos diplomas aplicáveis e no contrato social.
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, «a parceria extingue-se nos termos previstos no contrato de parceria». Segundo os estatutos da Águas do Alto Minho, S.A. (acessíveis ao público no sítio desta na internet: https://adam.pt/component/phocadownload/category/3-anexos?download=14:estatutos-pacto-constitutivo-aguas-do-alto-minho-sa), verifica-se que a mesma foi constituída por tempo indeterminado (artigo 1.º), como é comum nas sociedade anónimas, não estando prevista nenhuma causa específica de extinção. Nessa medida, com exceção dos casos gerais de dissolução da sociedade, afigura-se que a única forma pela qual o Município de Valença se pode desvincular da parceria é por via da alienação das participações sociais que tem na Águas do Alto Minho, S.A., ou seja, por via da transmissão das ações de que seja titular.
O artigo 8.º, n.º 1, dos Estatutos da Águas do Alto Minho, S.A., dispõe que as ações da categoria A apenas podem ser transmitidas a favor de certos tipos de ente público, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea e), da Lei n.º 71/88, de 24 de maio, de municípios utilizadores do sistema ou de entidades de natureza intermunicipal onde aqueles participem. Porém, também nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a transmissão das ações, designadamente da categoria A, carece de consentimento da Águas do Alto Minho, S.A., exceto se essa transmissão ocorrer dos municípios acionistas para entidades de natureza intermunicipal, empresas municipais ou intermunicipais, compostas ou detidas exclusivamente por municípios utilizadores do sistema de exploração e gestão das águas do Alto Minho, ou para outros municípios que venham a integrar o mesmo sistema (v. os n.os 13 e 14 do artigo 8.º). Acresce que, nos termos do n.º 9 do mesmo artigo 8.º dos Estatutos, sempre que licitamente recuse o consentimento à transmissão das ações, a Águas do Alto Minho, S.A., fica obrigada a fazer adquirir as ações por outro sujeito (pertencente ao universo de elegíveis), nas condições de preço e pagamento do negócio para que tenha sido solicitado o consentimento. Decorre deste regime que a cessação da qualidade de acionista da Águas do Alto Minho, S.A., não constitui um efeito cuja concretização dependa exclusivamente da iniciativa de cada município que dela participe. Ao invés, depende da transmissão das ações representativas do capital social de que seja titular, a qual carece por regra do consentimento da sociedade, sendo que, quer nos casos em que o consentimento seja dispensado, quer naqueles em que seja licitamente recusado – quer ainda, bem se entenda, em qualquer outro caso −, a transmissão das ações não é algo que o Município tenha o poder de assegurar, uma vez que implica a existência de interessados e a celebração efetiva de negócio translativo.
Nos termos do artigo 219.º, n.º 1, da LORL, «os resultados do referendo vinculam os órgãos autárquicos», sendo certo que, nos termos do artigo 221.º do mesmo diploma, «[s]e da votação resultar resposta que implique a produção de um acto pela autarquia sobre a questão ou questões submetidas a referendo, o órgão autárquico competente aprovará o acto de sentido correspondente, no prazo de 60 dias», sob a cominação do artigo 220.º de que «a não observância do resultado do referendo pelas assembleias autárquicas competentes implica a sua dissolução, nos termos da lei». Ora, não tendo o Município de Valença condições legais para garantir que, caso o resultado do referendo local seja no sentido da saída da Águas do Alto Minho, S.A., esse efeito jurídico seja alcançado, fica comprometida a eficácia do referendo. Com efeito, o único ato que se inscreve nos poderes do Município de Valença, caso seja confrontado com uma decisão no sentido da alteração do atual estado de coisas, é o de iniciar as diligências tendentes à transmissão das ações de que é titular.
Concluindo-se que, em função da natureza do concreto objeto sobre o qual incide o referendo, a plena eficácia de um dos dois possíveis resultados não está assegurada, por as condições de que tal depende não se inscreverem nos poderes de que dispõe o Município de Valença, o mesmo não pode ser admitido, por aplicação do n.º 1 do artigo 3.º do LORL, o que determina a rejeição do respetivo requerimento, nos termos do artigo 28.º, n.º 5, alínea a), do mesmo diploma.
3. Notificado tal aresto ao órgão competente, o Presidente da Assembleia Municipal de Valença decidiu remeter a este Tribunal um requerimento elaborado pelo deputado municipal Paulo Jorge da Cunha Esteves, com o seguinte teor:
«PAULO DA CUNHA ESTEVES, proponente da proposta de referendo local que não mereceu sancionamento positivo por parte desse Digníssimo Tribunal, advogado de profissão, e também nessa qualidade, portador da cédula profissional n.° 7282-P, com domicílio profissional na Rua Dr. Ilídio do Vale, n° 7, na Freguesia e Concelho de Valença,
E embora não notificado do mesmo pessoalmente, e apenas tendo tido conhecimento que havia sido proferido peia comunicação social o mesmo acórdão, já teve acesso ao mesmo.
E, embora respeite todas as decisões Judiciais, não partilha do sentido de todas, como é o caso sub judice.
E, como não se encontra convencido da bondade da decisão proferida nos presentes autos,
Vem da mesma apresentar
RECLAMAÇÃO;
PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS;
ACLARAÇÃO;
O que faz com base nos seguintes fundamentos:
Introdução:
A Constituição da República Portuguesa (CRP) é só uma.
Os poderes do Digníssimo Tribunal Constitucional são os consagrados na Lei, e refiro-me a Lei lato senso.
Como dizia o Professor Orlando de Carvalho (professor de muitos de V.a(s) Ex.ªs) a terminologia jurídica deve ser tendencialmente exata e absolutamente rigorosa.
E é assim a linguagem que emprego, no exercício da minha profissão e formação académica que tive.
Não invalida que não haja Doutrina e correntes de Jurisprudência diferentes.
Aliás, como muitas de Va(s) Exa(s) sabem, passamos praticamente "meio ano" na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra a definir o que era o "Ato Administrativo" e as diferenças entre a interpretação do mesmo pela "Escola de Coimbra" (Professor Doutor Rogério Soares) e da "Escola de Lisboa" (Professor Doutor Marcelo Caetano).
O professor de Direito Constitucional do ora signatário terá mesmo de muitas de Va(s) Exa(s), o Professor Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, e teremos estudado pelo mesmo manual a toda Doutrina e pensamento subjacente ao Legislador Constituinte, precisamente a constituição anotada do Professor Gomes Canotilho.
Felizmente para nós, um dos autores do texto Constitucional. Por isso, felizmente, tivemos o privilégio de ter uma interpretação, na prática, autêntica da CRP.
Relativamente ao caso em apreço, o Douto Acórdão Proferido, na modesta opinião do ora signatário, enferma de vários vícios, inclusive nulidades graves, que não podem, de forma nenhuma merecer a sua anuência, subvertendo inclusivamente, o princípio básico do nosso Estado de Direito, que é o princípio da Separação de Poderes, consagrado como uma pedra angular do nosso Estado de Direito, passe o pleonasmo.
Ou seja, o próprio Tribunal Constitucional, com a decisão proferida, viola a própria Constituição.
E este facto, com todo o respeito, é verdadeiramente inaudito!
Assim, o Tribunal Constitucional, apenas e só tem que se pronunciar:
- Se é possível o referendo local;
- Se a matéria em causa é referendável
- O referendo versa uma só matéria
- Se a proposta de referendo local foi apresentada validamente
- Se o órgão onde foi apresentada (neste caso a Assembleia Municipal) era o órgão próprio e se era competente para a matéria
- Se a deliberação que o aprovou é válida
Estas são, unicamente, as matérias sob as quais o Tribunal Constitucional tem o dever/poder de se pronunciar, no sentido positivo o negativo.
É a matéria jurídica que está em causa e ao qual se cinge (ou deveria cingir, que não foi o caso..., o seu poder de cognoscibilidade.
Como órgão judicial e/ou jurisdicional tem competência em matéria de Direito.
A toda a matéria que compunha o campo de cognoscibilidade desse Digníssimo Tribunal, mereceu apreciação positiva, ou seja, tudo em conformidade com a Lei.
Se o resultado do referendo for no sentido de o Município sair da A.D.A.M., S.A (o que é uma de duas possibilidades), como o vai fazer, é uma DECISÃO POLÍTICA, é competência do poder EXECUTIVO (neste caso do podar executivo Municipal - Câmara Municipal) e não do poder JUDICIAL/JURISDICIONAL, como decorre do acórdão em questão.
E, será o poder executivo Municipal (Câmara Municipal) a negociar e determinar os termos e moldes da saída, e na falta de acordo, existe contratualmente estabelecido no contrato de parceria, um foro eletivo que é um Tribunal Arbitral, cuja composição se encontra aí prevista.
O que não pode é o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre matéria política, e impedir um direito Legal e constitucionalmente consagrado, invocando motivos e fatores que são da Competência Exclusiva de Órgãos executivos e políticos!
É que, a decisão do Tribunal Constitucional/e com todo o respeito, é, paradoxalmente, INCONSTITUCIONAL porque viola o princípio da Separação de Poderes.
E, porque todos aprendemos nas Faculdades de Direito que percorremos, vou recorrer a uma argumentação ad absurdum para melhor elucidar do crasso erro em que lavrou esse Digníssimo Tribunal e de que enferma o acórdão proferido.
Assim, hipoteticamente, é apresentada na Assembleia da República uma proposta de relativamente à permanência ou não na UE (União Europeia).
E sujeita a Deliberação da Assembleia da República à fiscalização preventiva desse Digníssimo Tribunal, o mesmo, constata que, a proposta foi validamente apresentada, o órgão é o próprio para a apreciar e votar, e foi aprovada...
E entretanto o Tribunal constitucional alega uma série de problemas que uma decisão que viesse a ser tomada no sentido da saída traria ao governo, e as dificuldades em materializar essa saída!
Isto é razoável, lógico, expectável?
Respeita a Constituição?
Respeita o Princípio da Separação de Poderes?
É EVIDENTE QUE A RESPOSTA É NÃO!
Outro exemplo...uma proposta sob o aborto...tudo em conformidade legal e o Tribunal Constitucional Chumba a proposta de referendo invocando, por exemplo, que o mesmo viola o código deontológico dos médicos!
Seria um absurdo!
A outra questão suscitada e que motivou a não aprovação do referendo locai, a questão das "perguntas"...
Em primeiro lugar, a proposta poderia ter sido apresentada sem a indicação de qualquer pergunta!
Não é exigível.
Efetivamente, a Lei que regula a tramitação do referendo local, prevê, expressamente, a realização de uma Assembleia Municipal Extraordinária, para a apresentação e aprovação da(s) pergunta(s) a sujeitar a referendo e votação, de resposta "sim" ou "não" como a própria Lei determina.
E a pergunta (s) deve(m) ser de fácil compreensão. Assim o exige, e bem a Lei.
As perguntas, se atentarem a proposta, foram sugeridas, isto para uma fase ulterior, quando houvesse lugar à Assembleia própria (extraordinária) para esse efeito. Aprovação da pergunta.
Pronunciar-se nesta fase sob perguntas, que nem têm que fazer parte da proposta, nem resultam da discussão e votação no momento e Assembleia própria para o efeito, é intempestivo, extemporâneo e mesmo, com todo o respeito um despropósito.
E tê-las como um dos argumentos para "chumbar" o referendo local em Valença sob uma matéria desta transcendência, pelos motivos expostos, com todo o respeito, roça o absurdo.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre matéria que é de competência estritamente política, excedeu e exacerbou as suas competências, pelo que a Decisão é NULA, nulidade que expressamente se invoca.
Toda a matéria em que o Tribunal Constitucional se pronunciou de forma intempestiva (perguntas a formular) e possíveis consequências de uma saída, razões pela qual "chumbou" o referendo local em Valença, são Nulas, a primeira, como dito, por manifesta intempestividade (não é o tempo para se pronunciar sobre as mesmas) a segunda, é matéria estritamente política, fora da área de cognição e cognoscibilidade do mesmo.
Assim, toda a matéria sob a qual o Tribunal Constitucional tinha o poder/dever, vinculado à Lei de se pronunciar, mereceram apreciação positiva, pelo qual, deverá ser tido como Constitucional o referendo aprovado peia Assembleia Municipal de Valença, e em conformidade ordenar-se o cumprimento dos ulteriores trâmites procedimentais e administrativos, sob pena de manter uma decisão que, com todo o respeito, a considero, como Advogado, Jurista e aqui abuso...como aluno do Professor Doutor Gomes Canotilho (aulas teóricas) e do Professor Doutor Jonatas Machado (aulas práticas) de Direito Constitucional, a roçar a infâmia, desde logo por não respeitar um princípio absolutamente básico do nosso ordenamento de Estado e do nosso Direito Constitucional, que é o PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
Nestes termos, pelo exposto, solicito, Mui Respeitosamente, o deferimento da presente RECLAMAÇÃO, e em consequência, seja proferido novo acórdão, sobre a mesma matéria, e que declare Constitucional e acolha a realização do referendo local em Valença sob a permanência ou não do Município na A.D.A.M., S.A.
Mais solícito esclarecimento a todas as questões ora suscitadas com a fundamentação devida, requerendo o mesmo desiderato do parágrafo anterior.»
4. Subsequentemente, o Presidente da Assembleia Municipal de Valença remeteu a este Tribunal ata de reunião da comissão permanente da Assembleia Municipal de Valença, datada de 27 de maio de 2022, onde se declara que os presentes, por unanimidade, ratificaram o teor do requerimento elaborado pelo deputado municipal Paulo Jorge da Cunha Esteves, na parte relativa ao «argumentário jurídico, factualidade subjacente e conclusões retiradas».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Como se exarou no Acórdão n.º 383/2022 e decorre dos artigos 223.º, n.º 2, alínea f), da Constituição e 11.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação vigente, compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo. Em tal aresto, o Tribunal Constitucional decidiu dar por não verificada a legalidade do referendo local que a Assembleia Municipal de Valença, na sua reunião ordinária de 28 de abril de 2022, deliberou realizar.
A decisão repousou, em síntese, em duas razões. A primeira decorreu do facto de se ter concluído que as perguntas formuladas como objeto do referendo aprovado não reuniam as condições legais fixadas no n.º 2 do artigo 7.º da LORL, por serem passíveis de conduzir a um resultado contraditório. A segunda decorreu da circunstância de a eficácia do referendo local não estar garantida, designadamente no caso de o resultado ser no sentido da saída do Município de Valença da Águas do Alto Minho, S.A.. Assim se considerou porque essa saída não está na inteira disponibilidade do Município de Valença, uma vez que as condições de que depende não se inscrevem nos poderes de que dispõe, como exige o n.º 1 do artigo 3.º da LORL. Demonstrou-se que o Município dispõe apenas da possibilidade de desenvolver diligências tendentes a essa desvinculação.
6. O requerimento apresentado perfila-se como uma «reclamação; pedido de esclarecimentos; aclaração». Porém, uma vez depurado de certos excessos retóricos, aliás não ratificados pelo requerente, vislumbra-se que carece de qualquer substância jurídica.
Deve começar por dizer-se que nem a Constituição nem a LORL preveem qualquer meio de impugnação da decisão tomada sobre o pedido de verificação da constitucionalidade e da legalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º da LORL, designadamente a suscetibilidade de reclamação destinada a uma reapreciação do respetivo mérito.
A decisão do Tribunal Constitucional é tomada em Plenário e é definitiva sobre as questões apreciadas, sem prejuízo da faculdade que, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, da LORL, assiste ao órgão requerente de, no prazo de oito dias, deliberar no sentido da reformulação da deliberação sobre a realização do referendo local, expurgando-a da inconstitucionalidade ou da ilegalidade verificada, quando tal se mostre possível.
Ora, no caso vertente – e sem prejuízo de não se ter observado o prazo legal nem as formalidades de aprovação –, não se trata de reformulação alguma, sendo certo que, como se deixou bem claro no aresto proferido, se o vício que afeta as perguntas aprovadas poderia ser sanado mediante a eliminação de uma delas, já o vício atinente ao objeto do referendo se mostra insanável. Assim é porque respeita ao facto de o Município de Valença não dispor das condições legais necessárias para assegurar a saída da Águas do Alto Minho, S.A., no caso de ser essa a vontade dos eleitores.
Não se trata, como é evidente, de nenhuma interferência na autonomia local, como erroneamente se sugere no requerimento ora apresentado, mas sim de verificar se o Município que, no exercício dessa autonomia, decidiu promover a realização de um referendo com vista à tomada de decisão sobre determinada matéria, dispõe de poderes legais para assegurar que qualquer um dos efeitos jurídicos decorrentes da decisão desse referendo pode ser alcançado. É o que impõe o artigo 3.º, n.º 1, da LORL, com referência ao seu artigo 25.º.
Ora, aquilo sobre que o Município deliberou questionar os munícipes não foi sobre se deveria ou não desenvolver diligências tendentes à transmissão das ações de que é titular na Águas do Alto Minho, S.A., independentemente de estar ou não na sua disponibilidade concluir tal processo, ou proceder a negociações com a sociedade, ou sequer sujeitar a questão a um tribunal arbitral, ou qualquer outra atividade equivalente visando o mesmo desfecho. Antes deliberou questioná-los sobre a permanência ou saída da Águas do Alto Minho, S.A., sendo esse o objeto do referendo cuja verificação da constitucionalidade e legalidade compete ao Tribunal Constitucional. Quando o que se decide sujeitar a referendo é um resultado, necessário é que sobre o órgão competente para executar o referendo recaia mais do que uma obrigação de meios.
7. O Município afirma ainda que o Tribunal não se poderia ter pronunciado sobre as perguntas, as quais teriam sido apenas «sugeridas» para aprovação ulterior em assembleia extraordinária convocada para o efeito.
É manifesto que tal afirmação não tem o menor respaldo legal.
Em primeiro lugar, a Assembleia Municipal de Valença, na sua reunião ordinária de 28 de abril de 2022, aprovou o projeto de deliberação de onde constavam as duas perguntas em causa. O Tribunal não se pronuncia sobre sugestões, mas sobre deliberações.
Em segundo lugar, se a deliberação não contivesse a pergunta ou perguntas a sujeitar a referendo, seria destituída de objeto. Dado que a auscultação dos eleitores se faz necessariamente pela resposta a uma ou mais perguntas concretas e precisamente definidas, as quais devem obedecer aos requisitos previstos no artigo 7.º da LORL, não se vê como se possa seriamente pretender que a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade do referendo local pudesse ser realizada dela excluindo o teor das perguntas formuladas.
Em suma, é inequívoco que cabia ao Tribunal Constitucional aferir da legalidade das perguntas formuladas – como, sem exceção, tem feito nos casos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade de referendo local –, pelo que não ocorre qualquer excesso de pronúncia.
8. Finalmente, importa afirmar que nada há a aclarar quanto ao Acórdão n.º 383/2022, na medida em que resulta do requerimento ora apresentado que o Município ficou perfeitamente ciente do conteúdo da decisão tomada e dos fundamentos que a sustentam. O que sucede é que deles discorda. Ora, a discordância de uma decisão não constitui fundamento para pedir a sua aclaração.
III. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir o requerido.
Lisboa, 15 de junho de 2022 - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - José Eduardo Figueiredo Dias - Pedro Machete - Assunção Raimundo - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers
Atesto os votos de conformidade dos Senhores Conselheiros Teles Pereira, Benedita Urbano, Ascensão Ramos e Lino Ribeiro, que participam na sessão por meios telemáticos.
Gonçalo Almeida Ribeiro