Comunicado de 3 de setembro de 2008
Trata se da primeira decisão proferida pelo Tribunal Constitucional face ao novo regime do segredo de justiça instituído pela revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
No caso concreto, relativo a criminalidade altamente organizada, na sequência de acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que considerara que a segunda prorrogação da manutenção do segredo de justiça em inquérito que já havia atingido o prazo máximo normal de duração não podia ser fixada em prazo superior a três meses, o juiz da comarca de Guimarães determinou que os arguidos tinham acesso irrestrito a todos os elementos constantes do inquérito, apesar da oposição do Ministério Público, que excluíra do acesso a dados relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais.
Os poderes de cognição do Tribunal encontravam se, no caso, limitados pelo critério normativo que a decisão recorrida aplicara, apesar de arguida de inconstitucional pelo Ministério Público, pelo que não teve o Tribunal Constitucional de apreciar a conformidade constitucional de outros aspectos do novo regime do segredo de justiça que têm sido doutrinalmente contestados.
O Tribunal recordou que, na revisão constitucional de 1997, foi constitucionalmente consagrado o dever de protecção adequada do segredo de justiça, que satisfaça todas as finalidades deste instituto (protecção da eficácia da investigação, da presunção de inocência e da honra do arguido e de direitos pessoais de terceiros).
Entendeu se que, no caso, o requisito da adequação da protecção do segredo de justiça era desrespeitado pelo critério normativo adoptado. É que não estava em causa o acesso do arguido a elementos constantes do processo que fossem necessários para a adequada defesa dos seus direitos, designadamente para contrariar ou impugnar a aplicação de medidas de coacção, hipóteses em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdãos n.ºs 121/97 e 416/2003) tem considerado não ser oponível, de forma absoluta, o segredo de justiça, mesmo durante o decurso normal do prazo do inquérito. Estando em causa o mero diferimento por algum tempo do acesso irrestrito do arguido a todos os elementos constantes do inquérito, entendeu se que não assegurava adequada protecção do segredo de justiça, atendendo à sua finalidade de preservação de direitos pessoais de terceiros, o critério normativo, adoptado na decisão recorrida, que facultava, sem quaisquer limites, o acesso a dados relativos à reserva da vida privada de terceiros, incluindo elementos bancários e fiscais, sem que tivesse sido concluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução.