Comunicado de 24 de abril de 2018 - Acórdão nº. 225/2018
Processo n.º 95/17
Plenário
1. O Tribunal Constitucional apreciou e decidiu no seu Acórdão n.º 225/2018 um pedido de fiscalização da constitucionalidade abstrata sucessiva formulado por um Grupo de Deputados à Assembleia da República respeitante: (i) à consagração na Lei da Procriação Medicamente Assistida (Lei da PMA) de um conjunto de normas relativas à gestação de substituição; (ii) à regra do anonimato de dadores (e da gestante de substituição) face a quem tenha nascido em consequência de processos de PMA; e (iii) à regra que dispensa a averiguação oficiosa da paternidade de criança filha de mulher que, independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual, tenha recorrido sozinha às técnicas de PMA.
2. Quanto à gestação de substituição, entendeu o Tribunal que a mesma, com o perfil traçado pelo legislador português, ou seja, enquanto modo de procriação excecional, consentido autonomamente pelos interessados e acordado entre os mesmos por via de contrato gratuito previamente autorizado por uma entidade administrativa, só por si, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequência de tal procedimento nem, tão-pouco, o dever do Estado de proteção da infância. Não obstante, pronunciando-se sobre aspetos particulares da disciplina legal na matéria, o Tribunal decidiu que se encontravam lesados princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição, cabendo destacar:
2.1. A excessiva indeterminação da lei v. os n.ºs 4, 10 e 11 do seu artigo 8.º no tocante aos limites a estabelecer à autonomia das partes do contrato de gestação de substituição, assim como aos limites às restrições admissíveis dos comportamentos da gestante a estipular no mesmo contrato. A concretização de tais limites é indispensável tanto para o estabelecimento de regras de conduta para os beneficiários e para a gestante de substituição, como para balizar a definição pelo Conselho Nacional da PMA dos critérios de autorização prévia do contrato a celebrar entre os primeiros e a segunda. Deste modo, considerou o Tribunal que a Lei da PMA não oferece uma medida jurídica com densidade suficiente para estabelecer parâmetros de atuação previsíveis relativamente aos particulares interessados em celebrar contratos de gestação de substituição nem, tão-pouco, estabelece critérios materiais suficientemente precisos e jurisdicionalmente controláveis para aquele Conselho exercer as suas competências de supervisão e de autorização administrativa prévia (violação do princípio da determinabilidade das leis, que é um corolário do princípio do Estado de direito democrático cfr. a alínea a) da Decisão, votada por unanimidade)
2.2. A limitação da possibilidade de revogação do consentimento prestado pela gestante de substituição a partir do início dos processos terapêuticos de PMA (v. o n.º 8 do artigo 8.º em conjugação com o n.º 5 do artigo 14.º), impedindo o exercício pleno do seu direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade indispensável à legitimação constitucional da respetiva intervenção na gestação de substituição até ao cumprimento da última obrigação essencial do contrato de gestação de substituição, isto é, até ao momento da entrega da criança aos beneficiários (violação do direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família cfr. as alíneas b) e c) da Decisão, votadas por maioria).
2.3. A insegurança jurídica para o estatuto das pessoas gerada pelo regime da nulidade do contrato de gestação de substituição (v. o n.º 12 do artigo 8.º), decorrente de tal regime impedir a consolidação de posições jurídicas como progenitores ou como filho ou filha que resultam da execução de tal contrato e não diferenciar em função do tempo ou da gravidade as causas invocadas para justificar a declaração de nulidade (violação do direito à identidade pessoal e do princípio da segurança jurídica decorrente do princípio do Estado de direito democrático cfr. a alínea d) da Decisão, votada por unanimidade).
3. No que se refere à regra do anonimato de dadores (e da própria gestante de substituição), o Tribunal, reconhecendo embora que a mesma não afronta a dignidade da pessoa humana, e diferentemente da ponderação feita no Acórdão n.º 101/2009, considerou, atenta também a importância crescente que vem sendo atribuída ao conhecimento das próprias origens, que a opção seguida pelo legislador no artigo 15.º, n.ºs 1 e 4, da Lei da PMA de estabelecer como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores no caso da procriação heteróloga e, bem assim, o anonimato das gestantes de substituição mas no caso destas, como regra absoluta merece censura constitucional, devido a impor uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição (cfr. a alínea e) da Decisão, votada por maioria).
4. Quanto à dispensa da averiguação oficiosa da paternidade, o Tribunal entendeu que, nas circunstâncias concretas em que a mesma se encontra prevista, tal averiguação seria desprovida de sentido, uma vez que, mesmo conhecendo a identidade do dador, este não pode ser tido como progenitor da criança nascida, não se mostrando violados os parâmetros constitucionais invocados (princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade e direito à identidade pessoal).
5. Considerando que a eliminação das normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral levaria a que todos os contratos já apreciados favoravelmente pelo Conselho da PMA fossem considerados como não autorizados , com as legais consequências, em especial no respeitante à legitimidade dos processos terapêuticos de PMA (incluindo a recolha de gâmetas e a criação de embriões) e ao estabelecimento da filiação de crianças nascidas em consequência de tais tratamentos, o Tribunal decidiu, por unanimidade, com fundamento em imperativos de segurança jurídica e em cumprimento do dever do Estado de proteção da infância, limitar os efeitos da sua decisão, de modo a salvaguardar as situações em que já tenham sido iniciados os processos terapêuticos de PMA a que se refere o artigo 14.º, n.º 1, da Lei da PMA, em execução de contratos de gestação de substituição já autorizados pelo Conselho Nacional da PMA (cfr. a alínea g) da Decisão). Relativamente a tais situações, as aludidas declarações de inconstitucionalidade, com ressalva daquela que se refere ao regime da nulidade previsto no n.º 12 do artigo 8.º, não terão qualquer efeito.