Comunicado de 29 de junho de 2011
Processo 125/2010
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Em sessão plenária de 21 de junho de 2011, o Tribunal Constitucional apreciou, em processo de fiscalização sucessiva, o pedido apresentado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, de declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, de 31 de agosto, que revogaram, respectivamente, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A, de 21 de outubro, e o Decreto Regulamentar Regional n.º 9/93/A, de 6 de abril.
A Lei n.º 90/2009 estabeleceu, com âmbito nacional, medidas de protecção social, designadamente em matéria de pensões, aos cidadãos afectados por várias doenças crónicas que originam, com acentuada rapidez, situações invalidantes, entre elas a doença de Machado-Joseph (DMJ) e revogou expressamente a legislação anterior sobre a mesma matéria, incluindo os referidos diplomas regionais. Efectivamente, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A estabelecia (artigos 2.º a 4.º) as condições de acesso a pensões de invalidez e subsídios de acompanhante a favor de portadores de DMJ recenseados nos centros de saúde da Região, a atribuir no âmbito da segurança social, bem como (artigos 5.º e 6.º), o direito de acesso a material clínico de apoio de que necessitem, distribuído gratuitamente pelos centros de saúde da Região.
Segundo o requerente, a revogação deste regime regional constitui violação do princípio da supletividade (artigo 228.º, n.º 2, da CRP), da autonomia legislativa regional [alíneas a) e j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP) e foi efectuada com preterição do direito de audição dos órgãos regionais (artigo 229.º, n.º 2, da CRP).
O Tribunal entendeu que do princípio da supletividade da legislação estadual, resulta a preferência aplicativa da legislação regional quando concorra com legislação de âmbito nacional, mas não uma automática proibição de os órgãos de soberania intervirem com potencial aplicabilidade no território das regiões em matéria onde pré-exista normação regional. E que não pode afirmar-se e uma reserva de competência legislativa regional nas matérias enunciadas nos artigos 49.º a 67.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, ou seja, nas matérias incluídas no âmbito de competência da Assembleia Legislativa Regional, nos termos e nas condições dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da Constituição. Deste modo, o juízo acerca da validade da revogação pelo legislador nacional da normação regional, pelo menos quando aquela estabeleça um regime jurídico de âmbito nacional sobre a mesma matéria, implica a apreciação incidental da validade do regime regional visado.
Nesta perspectiva, o Tribunal considerou que a tendo o legislador regional extravasado o âmbito regional, na parte em que estabeleceu um regime especial de protecção aos portadores de DMJ recenseados na Região, traduzida na atribuição de uma pensão de invalidez e de subsídio de acompanhante a cargo do sistema de segurança social, a sua revogação pela legislação estadual não viola a autonomia legislativa regional, nem o referido princípio da supletividade. Ponderou o Tribunal que a organização, coordenação e financiamento do sistema de segurança social incumbe ao Estado por força do artigo 63.º, n.º 2, da Constituição, não podendo uma Região Autónoma criar, no respectivo âmbito geográfico, um sistema de benefícios sociais custeados pelo sistema geral de segurança social, com aumento da despesa global num orçamento unitário e com todas as consequências que isso implica, em termos de igualdade e justiça distributiva, no seio de um mesmo universo de beneficiários. Já o mesmo não sucede quanto às normas regionais que concedem material clínico de apoio, visando a satisfação directa e imediata de necessidades das pessoas portadoras de DMJ, através dos centros de saúde da Região, prestações que se contêm financeira e institucionalmente no âmbito regional.
Quanto ao direito de audição, o acórdão entendeu que, embora a matéria da atribuição e da fixação do valor das pensões de invalidez e subsídio de acompanhante esteja reservada à Assembleia da República, tem de reconhecer-se uma especificidade na Região Autónoma dos Açores, quando se contemplam portadores de DMJ, que decorre do facto de esta patologia assumir aí uma particular incidência populacional com as graves consequências sociais inerentes e que, associada essa particular incidência à circunstância de o legislador pretender actuar sobre um regime jurídico criado pela Região substituindo-o por uma solução de âmbito nacional, se impunha que a revogação desse regime tivesse sido precedida de audição dos órgãos de governo próprio da Região, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição. E que o procedimento legislativo em causa não respeitou esse direito de audição.
Assim, o Tribunal concluiu pela declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, (i) da alínea c) do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, na parte em que procede à revogação dos artigos 1.º, 5.º e 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A, de 21 de outubro (material clínico de apoio), por violação conjugada das alíneas a) e j) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 2 do artigo 228.º da Constituição (ii) e, aqui apenas por violação do nº 2 do artigo 229.º da Constituição (direito de audição), da mesma alínea c), na parte em que revoga os artigos 2.º a 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A, bem como da alínea d) do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, de 31 de agosto (revogação do diploma regional regulamentar).
A decisão foi tomada por maioria, com um voto de vencido relativamente a uma parte da decisão e com uma declaração de voto quanto a outra parte.